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O que mata mais: as drogas ou a tentativa de reprimi-las?

Para a juventude, fazer o que não é permitido, afrontar as regras impostas pelos adultos e pelas “autoridades”, não deixa de se confundir, também, com certo tipo de ritual de passagem. Da mesma forma que o menino, na adolescência, questiona a autoridade do pai, e com ele compete, até certo ponto, na formação e afirmação de sua própria personalidade – e essa conquista de um espaço próprio independe de sexo –, tentar quebrar os limites impostos pelas gerações anteriores tem sido parte, há séculos, da própria evolução da humanidade. Isso talvez explique parte da popularidade das drogas nos últimos 100 anos.

Até serem proibidas, a maconha e a cocaína, antes restritas aos consultórios psiquiátricos e gabinetes dentários, como relaxantes e analgésicos, nunca foram vistas como uma forma de transgressão social. Foi justamente a partir da Lei Seca, nos Estados Unidos, que elas começaram a adquirir um caráter mais contestatório.

Na década de 1970, a maconha era a droga da contestação, o LSD, a da criação e do esoterismo, a heroína, a da autodestruição, e a cocaína, ainda, principalmente a das festas e da burguesia. Por um lado, o sistema aumentou a repressão ao seu consumo, como parte de sua reação a uma geração que contestava a Guerra do Vietnã e o complexo industrial-militar nos Estados Unidos, e tomava as ruas e as universidades em países como a França, o México e o Brasil.

Para quem ocupava o poder, era interessante associar a utopia e a luta por um mundo melhor a uma espécie de fuga, de negação ao equilíbrio e à responsabilidade, favorecida pelo consumo de entorpecentes. Por outro lado, apertar a repressão aumentava também a demanda e o preço dessas substâncias, criando um mercado de bilhões de dólares, que favorecia, paradoxalmente, o enriquecimento fácil de parte do próprio sistema. Surgiram os cartéis de produção, transporte e comercialização, a partir da Bolívia, do Peru, da Colômbia e do México, que se transformou em corredor para o acesso ao mercado norte-americano, o maior do mundo.

E, como ocorreu na época da Lei Seca, o lobby do proibicionismo como única resposta da sociedade às drogas ilícitas criou, nos países produtores e consumidores, uma rede de milhares de advogados, jornalistas sensacionalistas, deputados e senadores que se elegem sob a égide do “combate à violência”, ONGs de todo o tipo e policiais corruptos, que sobrevivem, direta ou indiretamente, da repressão vigente.

Hoje, no Brasil, a situação chegou a tal ponto que a pergunta que deveríamos nos fazer é a seguinte: o que mata mais, as drogas ou a estrutura do aparato de repressão a elas?

Tivemos, em nosso país, mais de 600 mil homicídios nos últimos dez anos. A população carcerária aumentou exponencialmente, e o número de crimes continua crescendo. Em nome do combate às drogas, morrem, todos os anos, policiais e traficantes, “aviões” e moradores, inocentes, da periferia. As prisões estão se enchendo, dia a dia, de pessoas que, muitas vezes, misturam substâncias químicas em casa, e que disputam o direito de vender essas substâncias – basicamente anfetaminas – como se fossem derivadas da cocaína.

Milhares de brasileiros têm sido assassinados ou roubados, dentro de suas casas, para que viciados possam comprar sua próxima pedra. Esse verdadeiro beco sem saída tem levado países como o Uruguai e alguns estados norte-americanos a mudar, paulatinamente, a forma de se tratar a questão das drogas ilícitas, começando pela maconha, cuja produção e consumo, inclusive para fins medicinais, têm sido progressivamente liberados.

As drogas – incluindo o álcool e o tabaco – são um problema de saúde pública e não de polícia. No Congresso, na imprensa, na sociedade, precisamos entender que a repressão, como único caminho, só vai levar a mais mortes, e a cada vez mais violência.

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