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O sonho pode ser individual, mas a realidade é coletiva

São Paulo – Leonardo foi chapeiro antes de entrar na fábrica, Ana Clara ficou cinco anos no telemarketing, Gustavo passou por empresa de cosméticos e frigorífico, Ricardo já trabalhava na área quando conseguiu seu emprego atual. São todos metalúrgicos de montadoras em São Bernardo, na região do ABC paulista. Filhos de uma geração conhecida pelas grandes manifestações, compartilham sonhos e ações, vivem a chamada quarta revolução industrial, se preocupam com o futuro, convivem com uma geração talvez mais individualista, mas acham que a construção é coletiva.

Jucimara trabalhou desde criança ajudando os pais na agricultura familiar na pequena São Domingos, oeste catarinense, tornou-se dirigente, considera que o coletivo “está fora de moda”, mas acredita na caminhada, na rua.

Na conversa, os jovens metalúrgicos, todos na faixa entre 27 e 30 anos – em que se concentra a maior parte da população economicamente ativa brasileira –, refletem sobre as transformações nas fábricas e no mundo do trabalho. Avaliam que o trabalhador tem hoje mais qualificação, em um mercado cada vez mais exigente, mas perdeu um pouco da solidariedade, da consciência de que é preciso ter organização para conquistar ou manter direitos – e que esses direitos não foram concedidos, mas conquistados.

“Hoje a competitividade é muito alta”, observa Ricardo Souza Gomes, 30, citando a chamada indústria 4.0, com uso mais intenso da tecnologia. “Está estreitando cada vez mais. Além de ter uma qualificação boa, o que não era tão exigido antes, você tem de competir com a máquina”, diz o funcionário do setor de eixos na montagem de caminhões na Mercedes-Benz, onde entrou em 2011, após passar por uma seleção.

Se é verdade que havia mais emprego, a rotatividade de mão de obra também era muito elevada, observa Leonardo Farabotti, 27 anos, funcionário da montagem no setor de caminhões da Ford. “As condições eram totalmente insalubres. Contam que toda sexta-feira tinha facão”, diz ele, lembrando ainda que grande parte dos itens que hoje faz parte da convenção coletiva foi resultado de mobilização. A gente conquistou organização no local de trabalho, salário. O que as empresas tratam como benefício foi muito conquistado.”

O grau de informação é diferente, emenda Gustavo Alves de Mendonça, 29, também da Ford. “Você tem dificuldade de chegar ao jovem, porque ele tem outra visão, fora da fábrica. Ele deixa de enxergar que aquelas coisas (benefícios) vieram do passado. Alguns sabem. A gente tem de saber a forma de chegar naquele trabalhador, sem ser no choque”, pondera.

É uma geração diferente daquela habituada ao carro de som na porta de fábrica, à distribuição de panfletos e jornais por sindicalistas e militantes. “Tem um certo preconceito”, diz Ricardo, notando algum desinteresse em acompanhar o noticiário produzido pelos próprios trabalhadores. Algo que pode estar relacionado, também, a um menor identificação com a categoria. “Hoje, muito jovem não pensa em se aposentar na fábrica.”

E a reforma trabalhista, cujo impacto deverá ser maior justamente sobre a geração que está começando nos locais de trabalho? “Não caiu a ficha ainda”, acredita Ana Clara Cunha Marinho, 28, que trabalha em uma empresa (SM) na Volkswagen, como operadora de veículos industriais. “Os caras estão pensando que é tudo brincadeira. Só vão acreditar quando sentir na pele.”

Ricardo conta sobre um colega de trabalho que não sabia da possibilidade, pela nova lei (13.467), de as férias serem parceladas em até três vezes. Depois que souberam dessas e de outras medidas do atual governo, alguns lamentaram ter batido panelas “para a pessoa errada”. “Muita gente da Mercedes foi (bater panela), lembra. “Os patriotas de domingo”, ironiza Gustavo.

Estaria faltando, também, formação política. Ana Clara conta que um trabalhador pensava em se desfiliar do sindicato, mas ao mesmo tempo queria informações sobre as negociações da PLR (participação nos lucros ou resultados). Um exemplo que Leonardo considera revelador: “Ele quer se desfiliar, mas quando se sentir lesado ele procura (o sindicato)”.

Leonardo acredita que grupos como o MBL surgem para desinformar o jovem, “têm um papel oposto ao nosso”. E lembra que, pouco antes da primeira denúncia contra Temer, veio a público a questão dos museus, um debate “moral” sobre exposições, fazendo uma espécie de cortina de fumaça sobre o que acontecia em Brasília. O discurso da “meritocracia”, da livre iniciativa, também está “muito arraigado no jovem”, constata.

Há ainda o metalúrgico que não se identifica como “peão”, embora esteja na fábrica. “Ele diz: me qualifiquei, não preciso mais de sindicato. Muitos não enxergam até acontecer com eles”, diz Ricardo.

“Depois do golpe, de uma maneira geral, o pessoal percebe que está perdendo direitos, inclusive os que apoiaram o impeachment, mas a visão é de ‘vou me virar'”, acrescenta Leonardo. O desafio é tentar convencer que a saída é coletiva.” Um desafio que cresce na medida em que muitos não se reconhecem como trabalhadores, embora estejam na linha de produção, e pensam mais do ponto de vista do consumo. Mas, aos poucos, esse trabalhador também percebe “que a única coisa que ele tem para oferecer é a força de trabalho”, acredita Gustavo.

Todos têm militância, estudam, são casados (“Praticamente”, diz Ana) e conversam em casa sobre a atividade sindical. Gustavo conta que algumas vezes a companheira cobra maior presença em casa, mas compreende seus compromissos. Leonardo, que coordena a Juventude Metalúrgica, diz que “trocou uma ideia” em casa quando assumiu atividades de representação na fábrica. Essa experiência vem de família, já que seu pai também foi metalúrgico e sindicalista: “Eu não sabia o que era passar um fim de semana com ele”.

Os metalúrgicos de “antigamente” iam ao forró ou à pescaria. E os atuais? “Celular, internet…”, começa a listar Ricardo. “O WhatsApp acabou muito com as rodas de conserva, com esse contato típico.” O futebol no fim de semana continua valendo, lembra Gustavo, palmeirense, assim como os dois colegas – Ana é corintiana.

Nas fábricas tem a turma do funk, do samba, do rock, a turma “nerd”, diz Leonardo, que gosta de música brasileira, de Bob Marley, mas vê no rock a principal influência para navegar por outros gêneros. Ele usa a plataforma Spotify – algo que a geração anterior nem sonhava – para baixar músicas, mas diz ainda ter alguns CDs no carro.

Na terra

Com 5 anos, Jucimara Meotti Araldi, 33, já tinha tarefas na propriedade (“Juntar ovo, tirar pepino da horta”), mas via como uma espécie de brincadeira com a família. Ela aponta um “impacto indireto”, para o trabalhador rural, com as reformas em curso. “O trabalhador jovem não vai ter como acessar a Previdência”, diz, citando a atividade intermitente, uma das “modernizações” criadas pela nova lei. “Já vai ser uma miséria (de ganho), e ainda vai tirar uma parte para contribuir?”, questiona.

Hoje dirigente da federação dos trabalhadores na agricultores familiares em Santa Catarina, Jucimara destaca também o papel da mídia na “desinformação” do trabalhador. Poucos dias atrás, indo de carro de São Domingos até Chapecó – um percurso de uma hora e meia –, ela conta ter trocado quatro vezes de estação de rádio, porque a cada instante falavam do “acerto” da reforma trabalhista, que irá “modernizar” o país, conforme repete o governo. E conta que três empresas de comércio em sua cidade já anunciaram demissões e recontratações, em janeiro, com base na nova lei. “Acho que vamos voltar à pobreza dos anos 90.”

Para ela, o trabalhador, e não só o jovem, está muito voltado “para ele mesmo”, o que vale é o seu individual”, mas precisa acreditar em quem defende seus direitos. “A esquerda brasileira, os sindicatos cutistas precisam se reinventar e buscar uma nova forma de falar com o trabalhador. Nós não vamos desistir jamais de fazer a luta por ele. Eu cresci na rua.”

Segundo Jucimara, diversas políticas públicas seguraram parte do trabalhador do campo, mas hoje 65% das pequenas propriedades em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul não têm sucessor. “O destino é ser vendido para o agronegócio. A nossa luta sempre foi pela permanência. Na comunidade em que eu moro (Linha Encruzilhada), só meninos são sucessores. As mulheres, nenhuma ficou na propriedade.” Em parte, contribui para isso a permanência de uma certa visão masculina de que a mulher é uma “ajudante” do marido. “Ela é uma trabalhadora na roça.”

Ela aposta na formação para recuperar terreno. E conta que está em formação um projeto de trabalho de base em Santa Catarina. “Serão mais de 4 mil pessoas envolvidas.”

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