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Os educadores e a redução da maioridade penal

No dia 31 de março de 2015, a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania da Câmara dos Deputados aprovou, por 42 votos a favor e 17 contra, a admissibilidade da alteração do artigo 228 da Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988, cuja redação original prevê que: “São penalmente inimputáveis os menores de 18 anos, sujeitos às normas da legislação especial”.

A PEC 171 é de 1993, portanto, a primeira reação do Congresso Nacional ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), aprovado em 1990. Seu desengavetamento serviu para mobilizar a opinião pública e gerar expectativas de que o encarceramento de adolescentes seja resposta efetiva no combate à impunidade, à violência e à criminalidade.

Nos seus 25 anos de existência, quase todos os setores da sociedade apreenderam a lógica dos princípios fundamentais do ECA: 1. Criança e adolescente são sujeitos de direitos, independentemente de quem sejam os seus pais ou sua origem social e condição econômica. 2. Crianças e adolescentes são pessoas em fase peculiar de desenvolvimento, portanto, devem receber da família, da sociedade e do Estado proteção integral. 3. Crianças e adolescentes têm prioridade absoluta na destinação dos recursos das políticas públicas.

A família aprendeu que não deve explorar o trabalho infantil de seus filhos e de que pai é pai e mãe é mãe enquanto forem necessários e suficientes para proteger os direitos de seus filhos: se os colocarem em situação de risco, pai pode deixar de ser pai e mãe pode deixar de ser mãe.

O setor da Saúde desenvolveu a Pediatria e os cuidados neonatais e a mulher gestante, parturiente ou lactante aprendeu a exercer os seus direitos nos serviços públicos de saúde. A Justiça, o Ministério Público e a Defensoria Pública criaram estruturas próprias e especializações para os seus profissionais.

A mídia aprendeu que a imagem, a identificação e a privacidade de menores de 18 anos devem ser protegidas e até a polícia aprendeu que só deve intervir em situações envolvendo crianças se for para protegê-la, remetendo os demais casos ao Conselho Tutelar.

A Educação, entretanto, parece ser o setor mais resistente à incorporação dos princípios do ECA. Na escola, do portão para dentro, crianças e adolescentes deixam de ser pessoas em fase peculiar de desenvolvimento e passam a ser alunos, ou seja, os elementos próprios da cultura da infância e da sociabilidade juvenil não têm lugar na escola.

Quase a totalidade de juízes, promotores de justiça, defensores públicos e médicos ressalta as responsabilidades dos pais nos cuidados com seus filhos: só de alguns professores é que ouvimos cobranças quanto às responsabilidades de crianças e adolescentes.

Todos os setores da sociedade trabalham de alguma forma, e cada um a seu modo, para promover, defender e garantir os direitos da infância e da adolescência, e há inúmeras iniciativas que incentivam o protagonismo de crianças e adolescentes: só entre professores ouvimos que perderam autoridade diante de crianças e adolescentes por causa do ECA e que a elas são dados mais direitos do que deveres.

Hoje, mais da metade dos adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa estavam fora da escola quando cometeram o ato infracional; mais de dois terços deles não concluíram o Ensino Fundamental e cerca de 60% apresentam defasagem na relação idade/série.
Mais grave ainda: durante a medida socioeducativa, nenhuma escola ou professor dá assistência a eles ao longo da internação e, depois, a maioria das escolas não os aceita de volta, havendo casos e cidades em que 100% desses adolescentes estão fora da escola.

Todos os setores da sociedade disputam a criança e o adolescente: a mídia, a propaganda, a televisão, os games, a internet, as igrejas, o esporte e até o tráfico de drogas e a prostituição. A exceção é a escola. Esta só disputa as crianças com a família sobre quem deve ter a prioridade de educá-los.

A Educação trabalha com projetos de vida de médio e longo prazo, que é o tempo de duração da Educação Básica, com conclusão do Ensino Médio por volta dos 18 anos de idade. Essa é uma idade adequada para tomar as principais decisões da vida.  A responsabilidade da Educação e da escola é de dotar os adolescentes das competências e habilidades necessárias para que possam fazer suas escolhas no futuro. Não apenas competências e habilidades escolares, mas também sociais e relacionais. Mandá-los para a cadeia a partir dos 16 anos de idade é, portanto, incompatível com o papel que a Educação, a escola e professores desempenham na vida das novas gerações. Por isso, a Educação, a escola e o magistério precisam dizer “Não” à redução da maioridade penal.

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