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PM detém até idosos e crianças de colo durante reintegração de posse em São Paulo

Segundo moradores, quebra de acordo para retirada dos pertences levou a resistência e polícia agiu com truculência, jogando bombas de efeito moral dentro do prédio onde estavam 130 famílias

Pelo menos dez crianças, uma cadeirante, foram detidas junto com seus pais, pela Polícia Militar paulista, durante reintegração de posse realizada na manhã desta terça (16), no antigo Hotel Aquarius, na avenida São João, centro da capital. Ao todo 70 pessoas foram encaminhadas ao 3º Distrito Policial, na rua Aurora, para averiguação por terem resistido à ação policial. Todos foram ouvidos e liberados em seguida.

O padeiro Samuel Pereira estava com a esposa e o filho de um ano no local, quando a polícia começou a arremessar bombas de gás lacrimogêneo dentro prédio. Sem alternativa, as famílias foram subindo os 21 andares do edifício. “A gente colocou um pano molhado no rosto dele, ficamos desesperados. Quando finalmente saímos, fomos cercados, depois colocados em uma van da PM e trazidos para cá”, contou.

Na saída do prédio, as mulheres e as crianças desceram primeiro, por meio de um “corredor polonês” de policiais. “Quando os homens saíram eles chutaram, bateram com o cassetete, xingaram. Tudo foi feito aos gritos, com muita violência”, denunciou o vendedor Rafael Macedo, de 19 anos. A agressão também foi relatada por Samuel.

Um grupo de imigrantes bolivianos estava bastante assustado. Um deles, que pediu para não ser identificado, disse que eles temem ser fichados e depois deportados.

O 2º tenente Venezian, da Polícia Militar, disse que as detenções foram necessárias para conter a violência dos moradores, que atiraram “objetos e fogos de artifício contra os policiais”. “Temos quatro policiais feridos”, completou.

O impressor Emerson Rodrigues rechaçou a acusação. “Só tinha família lá dentro. O que houve foi o desespero das pessoas quando a PM jogou bombas pelas janelas. Meu filho estava lá dentro com a mãe”, contou. O pequeno Enzo Gabriel, de 10 meses, acabou detido junto com a mãe e levado ao 3º DP. “Além de ficarmos sem um teto, eles podiam ter matado meu filho.”

Três homens foram detidos sob alegação de praticar furtos durante o conflito. Dois estavam algemados e um deles amarrado com lacres plásticos nos pulsos. Eles estavam separados dos demais e, segundo os moradores, não viviam na ocupação.

A maior parte dos moradores detidos ficou na calçada de um posto de gasolina ao lado da delegacia, cercado por policiais do Batalhão de Choque, sob o sol, com os pertences que puderam carregar. Alguns choravam, uns xingavam, outros tentavam comer e saber notícias dos parentes. Mesmo as crianças e os idosos foram mantidos nessa situação. Eles eram levados em grupos de cinco pessoas para dentro da delegacia.

“Eu pedi para um PM para ir ao banheiro e ele disse ‘mija aí mesmo’. Estão nos tratando como se fôssemos bandidos. Foram eles que começaram a violência”, disse a desempregada Marli Franzini, de 42 anos, detida junto com o marido e dois de seus quatro filhos. Ela ressaltou que em nenhum momento a assistência social da prefeitura ou do governo estadual foi ao local. “Pro pobre só tem polícia mesmo.”

Segundo os moradores, os questionamentos na delegacia foram sobre como começou a violência, por que estavam na ocupação, se tinham sofrido agressões.

Segundo a coordenadora da Frente de Luta por Moradia (FLM), Silmara Congo, 205 famílias viviam no local há aproximadamente seis meses. Hoje havia 130, pois quem tinha para onde ir já tinha deixado o local. O prédio está abandonado há 17 anos e já havia sido ocupado em 2010, quando também teve a posse reintegrada ao proprietário.

A juíza Maria Fernanda Belli, da 25ª Vara Cível do Foro Central, determinou a reintegração de posse do prédio, a pedido da empresa Aquarius Hotel Limitada, proprietária do imóvel, em 11 de junho. Porém, a ação não foi realizada porque não foram disponibilizados os meios necessários para a desocupação – caminhões e carregadores para o transporte dos pertences dos moradores – que são de responsabilidade do autor da ação.

A reintegração foi reagendada para o dia 27 de agosto e novamente suspensa, porque os oficiais de Justiça avaliaram que o número de caminhões e transportadores ainda não era suficiente.

A ação foi novamente marcada há 15 dias. Porém, a coordenadora afirmou que havia um acordo com o 7º Batalhão da Polícia Militar para que 40 caminhões e 120 ajudantes auxiliassem a retirada dos pertences das famílias, mas somente 13 veículos estavam no local as 6h de hoje.

“Explicamos novamente que havia um acordo. E íamos sair desde que houvesse caminhões para levar os pertences. Exatamente às sete horas e onze minutos explodiu a primeira bomba dentro do prédio”, contou Silmara.

Depois disso, o bombardeio foi contínuo até as 9h. Os moradores começaram a arremessar objetos contra os policiais, inclusive tinta, caixotes de feira e carcaças de coco verde. Algumas pessoas desmaiaram dentro do prédio por conta do gás, que ficou concentrado.

A PM utilizou um carro da Tropa de Choque para arrebentar o portão principal do prédio e os agentes invadiram o local. “Era para ser uma reintegração pacífica. Não havia intenção de resistir. Não tinha necessidade de tudo isso”, disse a militante.

O conflito se espalhou pelas ruas do centro da cidade. Os manifestantes fizeram barricadas e as incendiaram. Segundo o advogado da Central de Movimentos Populares (CMP) Benedito Barbosa, outras pessoas que não tinham relação com o movimento se envolveram no processo. Lojas foram saqueadas e um ônibus incendiado próximo ao Teatro Municipal.

A PM organizou três bloqueios para impedir a circulação de pessoas no local do conflito: entre a rua Xavier de Toledo e a avenida São Luís, no Viaduto do Chá com a Libero Badaró e entre as avenidas Rio Branco e Ipiranga. A Secretaria Municipal de Transportes informou que 30 linhas de ônibus foram desviadas da região.

Com o fim do confronto, a quadra onde fica o prédio foi cercada pela PM. Três grupos do Batalhão de Choque permaneciam posicionados em cada esquina, enquanto os caminhões iam sendo carregados com os pertences das famílias que observavam tudo de longe. Os móveis estão sendo levados para um depósito da prefeitura de São Paulo, na Marginal Pinheiros. Silmara disse que as famílias despejadas serão abrigadas em outras ocupações, na medida do possível.

A Rede Brasil Atual contatou as assessorias de imprensa das polícias Civil e Militar para obter dados oficiais sobre as detenções, moradores e agentes feridos, mas não teve retorno.

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