Ações truculentas da PM, internação compulsória, fim do programa De Braços Abertos e, agora, migração forçada de dependentes químicos para outras cidades mostram desconhecimento do problema
Ao expulsar os dependentes químicos da Cracolândia e vê-los surgir outra vez nas redondezas, o prefeito de São Paulo, João Doria e o governador do estado, Geraldo Alckmin, ambos do PSDB, demonstram que não sabem como lidar com o problema. Essa é a avaliação de especialistas ouvidos pelo repórter Jô Myagui, da TVT, na edição de terça-feira (13) do Seu Jornal. Desde o último dia 21, as gestões tucanas promovem ações truculentas na região central da capital contra os dependentes químicos.
“A gente não consegue entender qual é a linha de raciocínio que a prefeitura tem utilizado, por que uma hora ele (Doria) faz uma ação violenta para tirar os usuários de uma determinada rua, depois, para fazer uma limpeza, ele utiliza outra ação violenta”, critica a psicóloga Marília Fernandez.
Doria defende como método de recuperação a internação compulsória, aquela que é determinada pela Justiça e sem a necessidade de consentimento de familiares, amigos ou do próprio dependente químico, mas a medida foi barrada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo. “A prefeitura mostra que a intenção é higienista. Isso é coisa do século 19: você limpa os centros urbanos dos ‘indesejáveis’, parece muito mais esse o desejo político do prefeito”, afirma o pesquisador Maurício Fiore, que acredita ser correta a decisão do TJ-SP.
O ouvidor-geral da Defensoria Pública de São Paulo, Alderon Costa, diz que as ações da prefeitura são mais do que “higienistas”, têm um caráter marqueteiro. “A gestão (Doria) usa as pessoas e a pobreza da região para ter um palco midiático. Tanto o governador, quanto o prefeito, têm ido constantemente gravar vídeos na Cracolândia. Então, a preocupação com as pessoas a gente não percebe. Se eles estivessem preocupados com elas tinham continuado com o De Braços Abertos (programa instaurado pela gestão anterior, de abordagem multidisciplinar)”
Ao falar do programa do ex-prefeito Fernando Haddad, Marília Fernandez diz que a política de redução de danos, como era o De Braços Abertos, é a melhor opção para o tratamento dos usuários. “Ele visa um acompanhamento do sujeito em uso, não precisa gastar dinheiro com um contêiner, a gente tem um programa”.
“Terminar o De Braços Abertos foi o maior equívoco da gestão. Não que seja o melhor programa, mas tinha uma metodologia iniciada e estava dando certo, diminuindo o uso da droga”, completa o ouvidor-geral.
Outra ação especulada na Cracolândia, anunciada pela Secretaria Municipal de Assistência Social em São Paulo, é a compra de passagens para dependentes químicos que queiram voltar para a sua cidade de origem. A medida pode ser considerada humanitária, mas deve ser usada com cuidado. “No contexto de tensão da Cracolândia e crescimento de moradores de rua em São Paulo, isso pode ser um higienismo pior”, pondera Maurício Fiore.
Já Alderon acredita que a medida é perigosa e reforça o discurso xenófobo na capital. “O preconceito com o imigrante pode aumentar. A gente vem trabalhando para eliminar isso e o secretário faz um vídeo daquele com uma irresponsabilidade grande. Se ele quer fazer caridade não precisa transformar isso numa falsa política pública”, critica.