No Butantã, zona oeste de São Paulo, funcionários do Centro de Atenção Psicossocial Adulto (CAPS) enfrentam problemas para se manter independentes em sua atuação terapêutica. A unidade corre o risco de ser incorporada a um Ambulatório Médico de Especialidades (AME), que deve ser instalado na região, e que mantém orientações distintas para o tratamento de pacientes. A equipe do CAPS está se mobilizando e alerta para os riscos dessas mudanças.
Os problemas, segundo uma funcionária do CAPS Butantã, que não quis se identificar, começam pelo método terapêutico adotado pela AME, que é distinto do CAPS. “Nós centramos o atendimento no indivíduo, no protagonismo do sujeito em seu tratamento, assim podemos propor outras dimensões e alternativas para o paciente.” Porém, em contrapartida, “o modelo da AME é todo feito na base de medicamentos, que é um recurso primário, eles primam por soluções baseadas no ‘ato médico’, em que o médico se torna o dono do saber”, explica.
Ainda segundo a funcionária, a estrutura de tratamento na AME Psquiatria, que é um aparelho do governo do Estado, tem como premissa o uso de medicamentos, diferente do CAPS. “A AME está vinculada aos interesses do capital e do mercado, uma vez que essa premissa da medicação, como solução para o tratamento, só favorece a indústria farmacêutica.” O confronto de orientações para o tratamento da saúde mental em São Paulo está estabelecido, com ideias opostas para o atendimento aos pacientes.
Uma OS no meio do caminho
A Organização Social (OS) Fundação de Faculdade de Medicina (FFM), da USP, é a gestora da microrregião do Butantã e Jaguaré. Por contrato, a OS deveria assumir a gestão do CAPS Butantã em outubro de 2011, uma vez que seu contrato é de 1º de outubro de 2008 e ela tinha até o quarto ano para assumir a unidade. O contrato com a FFM foi renovado e a instituição deve fazê-lo até o final de 2012.
Hoje, a OS Associação Saúde da Família (ASF) é parceira na gestão do CAPS. O modelo de contrato administrativo, ao contrário do contrato de gestão, prevê autonomia do “público” sobre o privado. No formato de parceria, a ASF administra duas residências com 16 egressos de hospitais psiquiátricos, porém, o tratamento é gerido pela equipe do CAPS, nos moldes de “individualização do atendimento”.
“Demoro horas para controlar um surto, com diálogo e orientação, é importante que o paciente viva aquela história e não só passe por ela. Em uma AME eles dopariam o paciente e colocariam ele para dormir”, explica a funcionária.
Com a instalação de uma AME na região, o CAPS passa a ser subordinado pela equipe do aparelho estadual, porém, com funcionários municipais. A AME será responsável pelo encaminhamento dos pacientes ao CAPS, que não terá autonomia para aceitar casos independentemente, apenas crônicos. O tratamento e a medicação serão indicados pelos médicos da AME.
Drogas e Álcool
Uma das dicotomias do atendimento ao público, no CAPS Butantã, é a combinação de pacientes com saúde mental e usuários de drogas e álcool, algo que não está previsto para essa unidade. “Por conta dessa emergência no atendimento aos dependentes químicos, em São Paulo, tomou-se essa medida de colocá-los juntos, mas os tratamentos são distintos, precisamos de um outro modelo, não temos estrutura para atendê-los aqui”, afirma.
À parte a conceitualização do método terapêutico, os funcionários têm enfrentado uma dificuldade de ordem prática, que coloca em risco, inclusive, o bem-estar da equipe. “Muitas vezes, sentimos que estamos nos mancomunando com o crime. O paciente nos conta, como já aconteceu, que está roubando ou traficando, para sustentar o vício, a equipe não está preparada para isso, não podemos atendê-los da mesma forma que atendemos os outros pacientes.”
A reportagem do SPressoSP entrou em contato com a Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo e com a assessoria do coordenador de Saúde Mental no Estado de São Paulo, Sérgio Tamai, que não quiseram se manifestar sobre o assunto.