As dívidas dos 26 Estados e do Distrito Federal relacionadas a precatórios – resultantes de sentenças judiciais – aumentaram 76% em cinco anos, em termos reais, corrigidas pela inflação. O valor, que estava na casa dos R$ 20,6 bilhões no início de 2004, saltou para R$ 36,2 bilhões até o último cálculo consolidado, de abril de 2009.
O levantamento, realizado pelo Estado com base nos relatórios de gestão fiscal das 27 unidades da Federação, demonstra que São Paulo tem o maior saldo devedor. A dívida paulista saltou de R$ 11,5 bilhões em 2004 para a casa dos R$ 20 bilhões em 2009. O valor atual corresponde a 70% do total das dívidas estaduais. A evolução do saldo da dívida paulista em cinco anos bate na casa dos 72% – perto da média nacional.
O crescimento da dívida está relacionado a dois fatores principais – ritmo lento de pagamento e correção por juros altos. Os principais devedores não obedecem ao cronograma de pagamentos determinados pela Justiça. E boa parte dos precatórios é corrigida por juros de 12% ao ano, mais correção monetária.
Entre os principais devedores do País aparecem ainda o Paraná, com R$ 4,3 bi, e o Distrito Federal, com R$ 3,3 bi. A situação do Distrito Federal, porém, é peculiar. Segundo os relatórios, sua dívida com precatórios protagonizou um salto estratosférico de quase 14.000% de uma hora para a outra. A secretaria da Fazenda descobriu, em 2005, que devia R$ 1 bilhão a mais do que acreditava.
De acordo com o atual subsecretário da Fazenda, André Clemente, o governo do Distrito Federal não pagou nem sequer um precatório durante 10 anos. E a dívida, que se acumulava ano a ano, não era contabilizada. As ações dos credores estavam pulverizadas na Justiça. Não havia meios de consolidar o valor final.
Foi preciso que, em 1999, uma equipe de advogados começasse uma “garimpagem” nos Tribunais de Justiça para descobrir o tamanho do rombo. “Foi um trabalho pesado”, observou Clemente. Segundo ele, a dívida não foi paga assim que descoberta porque “isso poderia gerar sequestro de receita, se um precatório fosse pago fora da ordem cronológica”.
Quando enfim os dados foram consolidados, cinco anos depois, o valor bilionário apareceu pela primeira vez em um relatório de gestão fiscal do Distrito Federal.
Segundo o subsecretário, o governo pretende, apesar do rombo bilionário, “exaurir” o saldo de precatórios. “Negociamos a dívida dos médicos, que somava mais de R$ 700 milhões. Ninguém acreditava que seria paga”, informou. O abatimento, porém, ainda não apareceu no saldo final porque “não foi dado baixa”, garantiu.
De acordo com ele, o governo está reservando 1% da receita corrente líquida anual para o pagamento de precatórios – cerca de R$ 90 milhões ao ano. “Estamos estudando aumento da previsão orçamentária.”
Livres mesmo de situações como a do Distrito Federal estão apenas seis Estados, que não devem precatórios. Segundo os relatórios de gestão fiscal, Roraima, Alagoas, Amazonas, Amapá, Goiás, Maranhão e Pará têm saldo zero. Em contrapartida, nos últimos cinco anos, entraram para o clube dos devedores Mato Grosso do Sul, Paraíba, Rondônia e Tocantins.
LOBBY
A explosão do saldo global de precatórios do País e sustos como o protagonizado pelo Distrito Federal são a razão de ser do lobby promovido por governadores e prefeitos para mudar as regras no pagamento das dívidas. São eles que estão por trás das pressões em torno da emenda constitucional que cria um teto para os desembolsos – a chamada PEC dos Precatórios. A proposta já foi aprovada pelo Senado e tramita na Câmara dos Deputados.
Além de estabelecer um teto anual para os pagamentos feitos por Estados e municípios, a emenda prevê leilões de deságio. Com esse mecanismo, os credores que derem descontos maiores poderão passar na frente da fila de pagamentos.
A proposta é chamada de “PEC do calote” por entidades da sociedade civil, especialmente a Ordem dos Advogados do Brasil.
*Entidade vai ao TCE e acusa governo paulista de reduzir pagamentos*
A situação paulista resultou em representação encaminhada no mês passado ao Tribunal de Contas do Estado pelo Movimento dos Advogados em Defesa dos Credores Alimentares (Madeca), que acusa o governo de São Paulo de reduzir o ritmo de pagamentos dos precatórios derivados de condenações trabalhistas.
Isso estaria ocorrendo por causa da prioridade dada à quitação de precatórios não alimentares – os relativos a desapropriações de terras, por exemplo. Em 2000, essas dívidas foram parceladas em dez vezes e têm sido pagas em dia, pois a inadimplência pode gerar sequestro de verbas pela Justiça. O prazo foi estabelecido em uma emenda constitucional.
No caso dos precatórios alimentares, não houve parcelamento. Em tese, eles deveriam ser prioritários – os Estados deveriam pagar, ano a ano, tudo o que a Justiça determinasse. Na prática, eles ficaram em segundo plano, e o cronograma de pagamentos nunca foi respeitado. Em São Paulo, o atraso se aproxima de 11 anos – em 2009 estão sendo pagos os precatórios do Orçamento de 1998.
A correção monetária das dívidas, acrescida de juros de mora entre 6% e 12% ao ano, tem elevado o estoque dos débitos. E o baixo ritmo de pagamentos só agrava o problema e alimenta a bola de neve.
Segundo tabela encaminhada ao TCE, a gestão José Serra pagou, nos chamados precatórios alimentares, uma média de R$ 150 milhões por ano entre 2007 e 2008. Nos quatro anos anteriores, durante o segundo mandato de Geraldo Alckmin, a média anual foi de R$ 340 milhões – e isso em valores correntes, sem atualização pela inflação.
O advogado Felippo Scolari, conselheiro do Madeca, estima que uma ação trabalhista movida por servidor público demore cerca de 10 anos para ser transformada em precatório, por conta da lentidão da Justiça e dos inúmeros recursos interpostos pelo Estado. Com mais uma década de espera entre a sentença judicial e o efetivo pagamento, os credores estariam esperando mais de 20 anos até receber as compensações por direitos violados. “Muitos morrem na fila de espera”, afirma Scolari.
Para o coordenador de precatórios da Procuradoria-Geral da Fazenda paulista, Wladimir Ribeiro, a informação da Madeca é “meia verdade”. “É público e notório que ano a ano têm sido abertos créditos suplementares para casos de pequeno valor. É um valor crescente omitido”, destacou Ribeiro. “E são basicamente alimentares. Nós partimos de um valor anual de R$ 2,5 milhões em 2003 para R$ 283 milhões em 2008.”
Jornal O Estado de São Paulo – Caderno Nacional – 07/07/2009