Catarina Fló, 92, tem a casa invadida por netos e bisnetos toda quarta-feira na hora do almoço. Acabadas a comida e a conversa, todos voltam para seus lares e apenas ela e a empregada ficam.
É assim há quatro anos, desde que seu marido morreu. Ela diz que se sente bem sozinha: “Na minha casa eu mando na minha vida”.
O número de idosos que vivem como ela está crescendo. De acordo com dados do Censo, realizado pelo IBGE em 2011, são quase 3 milhões que moram sozinhos, o que representa 14% do total de brasileiros com mais de 60 anos.
Ficar sozinho não é escolha do idoso, segundo Sílvia Pereira, presidente da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia. Isso acontece, na opinião dela, porque as famílias diminuíram e as mulheres, responsáveis pelos cuidados com os mais velhos no passado, estão no mercado de trabalho.
Catarina Hüvos, 89, não vê vantagens em morar só. Mesmo assim, quando o marido morreu, há nove anos, ela não aceitou o convite para ir morar com sua filha. “É melhor para as duas. Cada uma em seu lugar faz o que quer.”
Até o final do ano passado, Catarina morava na mesma casa onde viveu com o marido. A necessidade de reformas, a falta de segurança e o trabalho para cuidar da casa e do jardim fizeram com que ela se mudasse para um lugar menor.
Mas ainda não se acostumou ao novo lar. “Era muito trabalho, mas eu gostava. Aqui não tem lugar nem pra pôr dois vasinhos.”
Que poder quer uma mulher? Foi com essa questão que o SinPsi esteve representado pela diretora de Mulheres do sindicato, Miriam Leiras, nesta terça-feira (3/4), no Seminário Estadual da Mulher Trabalhadora – “Nenhum direito a menos, nossa luta é pela igualdade”, que aconteceu no sindicato dos bancários.
Com a proposta de fazer um resgate histórico da política de gênero cutista e fomentar o debate sobre a paridade entre homens e mulheres nos cargos executivos da CUT, o evento contou com a participação de mulheres que fizeram história no movimento sindical e mostrou que a cota mínima de gênero de 30%, aprovada para os cargos de direção da Central na 6ª Plenária Nacional da CUT, em 1993, ainda é pouco.
“A gente pensa que a questão das cotas é atual, mas não – já faz 10 anos. E hoje queremos igualdade. Não tem mais desculpa, não tem mais como alegar que falta formação para as mulheres ocuparem cargos de poder no movimento sindical. Hoje já está comprovado, por meio de pesquisa, que as mulheres estudam mais que os homens”, avaliou Miriam.
Na ocasião, a presidenta do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Juvândia Moreira, na mesa de abertura, afirmou que a divisão sexual do trabalho ainda é absurda e considerou ainda não haver consciência do homem em promover relações compartilhadas. A começar pelas tarefas domésticas.
“A cultura ainda é extremamente machista. As mudanças devem começar em casa e as mudanças devem ser para todos e todas. Mas, desde que entrei no movimento, fazendo um rápido balanço, posso dizer que houve consideráveis avanços. Hoje, além da paridade, é relevante o debate da questão de gênero na reforma política. É preciso haver cotas, como há na Argentina”, analisou Juvândia.
Os números da desigualdade de gênero no mundo do trabalho foram apresentados pela socióloga da subseção da CUT Nacional, Adriana Marcolino. Segundo pesquisa do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), a diferença salarial entre homens e mulheres chega a 42%, sendo maior entre os 35 e 69 anos de idade, ou seja, quando o trabalhador alcança sua maturidade profissional.
“Era difícil discutir qualquer tema que não fosse creche nem maternidade. Éramos impedidas de discutir executiva e posto de direção. Foi preciso atravessar uma grande mudança cultural, até chegar na questão das cotas. Agora é construir e fortalecer esse processo, que é a nossa história”, contou Luci Paulino coordenadora da Comissão Nacional sobre a Mulher Trabalhadora entre 1994 e 1997.
Também presente no evento, Maria Mendes, que coordenou de 1987 a 2003 a Comissão Estadual sobre a Mulher Trabalhadora, reconheceu o poder de mobilização das companheiras.
“Estivemos sempre juntas nessa longa caminhada e valeu a pena. Tudo o que passamos não foi por pouco. E a interface com o movimento feminista foi essencial. Muitas vezes éramos consideradas homens de saias”, brincou, porém lembrando a necessidade de se discutir o empoderamento nos partidos políticos.
A taxa de sindicalização de mulheres é de 17%, enquanto a de homens fica em 20%. Segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), em 2009, um terço da população feminina estava sindicalizado, número positivo perante uma sociedade arraigada em conceitos machistas, como confirmou Ivânia Alves, que coordenou a Comissão Estadual da Mulher Trabalhadora na gestão de 2003 a 2006.
“Quando a mulher entra no movimento sindical, ela é assediada de todas as formas – sexual e moralmente. Tanto que é raro um homem levar sua esposa para o movimento. Então, é um verdadeiro desafio mudar a cultura e o comportamento que legitimam a desigualdade de gênero. E olha que isso vem sendo discutido há 26 anos. Vamos à paridade agora”, diz Ivânia.
Para Miriam, é preciso desconstruir a visão de que o modelo correto de governo é o modelo masculino, imitado por algumas mulheres que ascendem ao poder.
“Paulo Freire já dizia que, quando o oprimido não toma consciência da sua opressão, muitas vezes reproduz essa opressão. Muitas mulheres ainda têm essa dificuldade na hora de liderar. Mas é mesmo difícil escapar de um modelo padrão. É nossa luta desconstruir toda uma mentalidade masculina. Precisamos questionar. Que poder nós queremos? O poder pra reproduzir a opressão ou um poder mais solidário?
Paridade
Na 13ª Plenária Nacional da CUT, em outubro de 2011, foi aprovado que o tema da paridade seria debatido no interior da Central, com a possibilidade de ir a voto no próximo Congresso da CUT, em julho deste ano.
A partir de então, o tema passou a ser prioridade para as mulheres cutistas, inclusive para ser levado e ampliado nos Congressos Estaduais que antecederão o 11º CONCUT.
“Agora temos uma oportunidade de reconstruir e construir coletivamente, principalmente para a categoria dos psicólogos, onde a maioria esmagadora é formada por mulheres. Aí é que temos que ter um olhar mais atento, mais crítico e mais solidário”, disse Miriam.
Para a secretária de Comunicação da CUT Nacional, Rosane Bertotti, há outra questão fundamental: defender as políticas afirmativas, já que o debate da paridade não pode ser só do coletivo de mulheres, tem que ser um debate da CUT.
“A classe trabalhadora e formada por homens e mulheres, mas as condições de trabalho são diferentes no mundo capitalista. Então, vale a pergunta: o que querem hoje das mulheres? Que não nos casemos e que não tenhamos filhos? Isso é um direito nosso. Não acho que devo abrir mão disso para estar no debate político. E essa condição a CUT tem que nos dar”, considerou Rosane.
A reflexão se aplica principalmente a categorias formadas por mulher em sua maioria, como a dos psicólogos, formada quase em 90% por mulheres. A secretária de Mulheres da CNTSS (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Seguridade Social), Célia Regina Costa, disse ser necessário um levantamento das secretarias em que são mais comuns as lideranças de mulheres.
“Normalmente são aquelas que estão mais relacionadas com o ato de cuidar. A paridade é já. É no cotidiano da família. Precisamos planejar essa discussão de forma construtiva no CONCUT”, concluiu Célia.