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‘Só o que nos salva é achar o caminho de volta de nossa democracia’

Eleita em abril e empossada neste mês, a nova presidenta do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região, Ivone Silva, assumiu em meio a um cenário desfavorável, com aprovação de “reforma” trabalhista, redução de investimentos do Estado, ameaça a bancos públicos, turbulência política. Mas quando foi fácil?, questiona, considerando uma “honra” a responsabilidade e evocando o período da chamada “retomada” do sindicato, em 1979 – com Augusto Campos, que morreu há poucos dias.

“Não acho que seja o pior momento da história, é um momento de mudança, de ruptura. Vamos achar o nosso caminho de volta para a democracia”, diz Ivone, segunda mulher a ocupar a presidência do Sindicato dos Bancários – a primeira foi justamente sua antecessora, Juvandia Moreira, vice-presidenta da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf-CUT) e diretora executiva da CUT. Funcionária do Itaú, Ivone é diretora desde 1997. Até a última eleição, era secretária-geral da entidade.

Ela considera “falácia” o argumento de que a flexibilização é necessária para criar empregos. “Já tem muita flexibilização no Brasil. Não é a reforma trabalhista que vai resolver esse problema”, diz, criticando o setor financeiro, defensor da mudança na legislação e recordista de lucros. “Eles já demitem quando querem.” Para Ivone, o governo está fazendo “tudo ao contrário”, no sentido oposto ao do aquecimento da economia, que é a única maneira de efetivamente se retomar o crescimento com criação de empregos.

A defesa dos direitos é tema da 19ª Conferência Nacional dos Bancários, que começa nesta sexta-feira (28) e vai até domingo (30), em São Paulo, com aproximadamente 700 representantes da categoria. O fato de os bancários terem fechado em 2016 um acordo válido por dois anos na parte econômica é importante, afirma Ivone, por garantir aumento real e manutenção da convenção coletiva, enquanto se discute temas como o impacto da tecnologia no setor e os próximos passos diante do momento brasileiro.

“A única coisa que nos salva é resgatar a nossa democracia”, diz Ivone, criticando os “liberais” brasileiros, conservadores na essência ou na conveniência. Ela acredita que o processo que resultou na saída de Dilma Rousseff tem origem, entre outros fatores, na cobiça internacional diante das possibilidades proporcionadas pelo pré-sal. Para a dirigente, sindicatos, movimentos sociais e partidos progressistas precisam se engajar no resgate de um projeto de desenvolvimento nacional.

O que significa assumir a presidência do Sindicato dos Bancários com um reforma trabalhista recém-aprovada, reforma da Previdência prestes a voltar a tramitar no Congresso, e em uma conjuntura política tão conturbada?

Para mim é uma honra assumir um sindicato com história de luta, desde a sua retomada, com Augusto Campos, em 1979. Saber de toda a sua história, da militância dele, que ajudou não só a formar a CUT como uma nova geração de presidentes e diretores que também fizeram história.

Você fala de momento difícil, mas qual momento no Brasil que foi fácil para a classe trabalhadora? Sempre foi muito duro. Acho que teve momentos mais fáceis, principalmente no governo popular, do Lula e da Dilma. Tinha um canal, você conseguia chegar lá e ter interlocução, não só os trabalhadores, mas toda a sociedade, os movimentos sociais tinham como chegar lá e fazer suas reivindicações. O salário mínimo, não foi o Lula que deu. Fomos para a rua, fizemos movimento, marchas a Brasília e apresentamos uma proposta de salário mínimo atrelado ao PIB. E ele bancou porque era um governo social, democrata, não um golpista como agora. Não acho que este seja o pior momento da história, é um momento de mudança de ciclo, de ruptura. Vamos achar o nosso caminho de volta para a democracia.

O presidente Michel Temer declarou que o Brasil está “voltando a respirar uma nova economia”. Você vê algum sinal disso?

Não, e acho que ele usa a palavra bem errada, “nova” economia. Se você pensar o que eles fizeram, esse desmonte das leis trabalhistas, o que querem fazer com a Previdência, o que fizeram com a saúde e a educação congelando os gastos, o que tem de novo? Voltamos ao tempo da escravidão, nessas leis você vai trabalhar por comida. Tem projeto de lei para trabalhar no campo em troca de comida. Que novo é esse? Não tem. A economia está parada, e aí não precisa ser nenhum economista para ver, é só você ir na rua. Você vai no meu bairro, vê monte de local alugando, vendendo, comércio fechando, as pessoas devolvendo apartamento porque não conseguem pagar… Vê o balanço dos bancos, quanto que tem lá na questão da inadimplência. Que economia nova é essa? Eles falam que a reforma trabalhista resolveria os problemas do emprego. Ao contrário: o governo fez PDV (programa de demissões voluntárias), o Bradesco, a Caixa Econômica, logo em seguida. A Petrobras já havia feito, Correios…

Sobre a reforma trabalhista, o discurso recorrente durante a tramitação era de que precisa flexibilizar para voltar a criar empregos. Um artigo de Roberto Setúbal falava sobre a “necessidade” de uma reforma…

Esse discurso é do patrão. Infelizmente, alguns trabalhadores também fazem esse discurso. Aí, é citar Karl Marx: os donos da produção também são os donos da ideologia, dos meios de comunicação. Você percebe banqueiro, a Fiesp, são mantêm os jornais, as TVs. Eles acham um absurdo, no caso dos bancos, ter de pagar a sétima e a oitava (horas), porque a jornada de trabalho do bancário é de seis horas, não oito. Eles é que estão burlando a lei. Querem fazer a limpeza do seu balanço na questão de ações trabalhistas e, para isso, usam a reforma falando que é culpa do trabalhador. Culpa deles. Por que não cumprem a jornada de seis horas? A maioria das ações hoje na Justiça é isso, pagamento de horas extras. O banqueiro reclama muito, então quer flexibilizar. Flexibilizar o quê? Eles já demitem quando querem. Você anda pelo Brasil, mesmo em São Paulo, você tem trabalho escravo! Você já tem um monte de empresa de segurança, de limpeza, ou seja, empresas terceirizadas que dão calote no trabalhador, não pagam direitos, não recolhem INSS nem FGTS e mudam o CNPJ. Mas o que você tinha antes? Você tinha uma proteção na Justiça do Trabalho, em que o trabalhador tinha um local a recorrer. Agora, se você perder a ação, terá de pagar. Praticamente você fica descoberto. A parte mais fraca, que é o trabalhador, ficou sem poder recorrer a ninguém. Então, é uma falácia. Já tem muita flexibilização no Brasil. O problema da nossa economia não é o pagamento aos trabalhadores, ao contrário, poderiam pagar melhor. Poderia ter mais qualificação para o trabalhador, isso que faz a economia e uma empresa crescerem. A economia tem de aquecer, e estão fazendo tudo ao contrário. Se tem um desemprego alto, por que eu vou comprar uma casa, uma geladeira, se eu posso ficar desempregado? O que deveria fazer era aumentar o salário, gerar mais renda, para consumir, e consumindo as empresas contratam mais, isso é que aquece a economia. Não é a reforma trabalhista que vai resolver esse problema.

No setor financeiro, que já sofre com rotatividade grande de mão de obra e substituição de pessoal com salário menor para o que entra, qual deve ser o impacto da reforma, no curto, médio prazo?

Tem impacto, vamos dizer assim, a médio prazo, mas não a longo. Porque não podemos esquecer também da inserção das novas tecnologias. Então, o trabalhador está perdendo espaço. Tem duas coisas aí. De início, tem uma rotatividade alta, mas depois a tecnologia vai pegar esse trabalho. Os bancos já avançam muito nisso. As áreas meio, ou mesmo o que chamamos de back office, vão ter uma grande mudança. Então, tem dois fatores no sistema financeiro com uma mudança drástica: a reforma trabalhista e as novas tecnologias, que são dois assuntos que nós vamos discutir na nossa conferência neste final de semana. Porque nós achamos que isso vai impactar realmente a categoria nos próximos anos. A inteligência artificial, o (sistema) Watson lá da IBM, você poder acessar o banco pelo celular. Você tira o humano nessa relação com o cliente. É um grande problema também.

E é um setor de rentabilidade crescente…

Tem uma grande rentabilidade porque quem hoje tem o dinheiro faz o investimento no mercado financeiro. Se eu sou um empresário, fechei minha empresa e tenho R$ 1 milhão, eu vou abrir outra ou vou aplicar no mercado porque os juros estão altos? O meu risco é menor e minha taxa de retorno vai ser muito maior. É outro problema do país, as taxas de juros são muito altas. Tanto para abrir um negócio como para se manter, investir em novas tecnologias.

Até têm baixado (os juros), mas a taxa real continua…

É impraticável. O cartão de crédito, sua conta corrente. O único banco de fomento nosso, que é o BNDES, estão acabando. O Banco do Brasil também tinha essa linha, a Caixa quando financiava obras de casas para pequenas produtoras. Você percebe que eles tiraram todo o crédito. É um erro do governo, que vai secando e não deixa nenhum crédito para ninguém.

É um erro ou uma política mesmo?

É um erro calculado. É o Estado que eles acham, mínimo. Eles têm um discurso liberal, mas muito estranho, é para os outros. O que seria o liberal? Seria a liberalidade total do indivíduo, e você desatrelar do Estado. Só que na hora de momentos graves eu, enquanto empresário, banco, é ao Estado que recorro. No Congresso, se dizem liberais, mas são contra o aborto, são contra uma escola laica, falam contra o feminismo. Que liberalismo é esse se o Estado tem de ficar invadindo a minha vida a todo momento? Liberais eles não são. Eles querem Estado mínimo, desde que valha para uma minoria rica no país. Para o restante, não. O nosso Congresso hoje é uma vergonha. Você ter liberdade de religião é perfeito, mas é uma liberdade mesmo, o Estado não pode se intrometer na educação, colocar religião, não pode determinar se uma mulher pode ou não abortar, é uma decisão individual. O Brasil é contraditório. Pregam a liberdade de negociar com o patrão ao máximo, mas eu não tenho a liberdade de ser o que eu quero ser. Na verdade, os nossos liberais são conservadores ao extremo. Vi agora, um projeto contra o símbolo comunista. É uma piada, que Estado liberal é esse? Eu posso negociar com meu patrão, mas não posso decidir sobre todos os outros assuntos da minha vida?

Imaginando que teremos mesmo eleição no ano que vem, é possível reverter ao menos uma parte dessas políticas aprovadas agora, pensando em um governo de esquerda e no perfil do nosso Congresso, por mais que mude?

É possível, sim. Assim como as leis foram feitas, podem ser desfeitas. Mas você vai ter de botar não só um presidente de esquerda, mas um Congresso alinhado com os trabalhadores e com os movimentos sociais. Hoje, você tem um perfil muito conservador e muito alinhado aos empresários. E também não adiantar eleger os deputados, é preciso também uma reforma política, com financiamento público. Na verdade, (hoje) você não financia, você compra um deputado. Temos de fazer uma reforma política e eleger candidatos alinhados com as mudanças que a sociedade necessita e cobra.

Com relação à categoria bancária, considerando o atual momento, foi bom ter fechado em 2016 um acordo com validade de dois anos na parte econômica?

Foi muito importante. Este ano nós não temos uma campanha salarial. Na nossa conferência, como acabei de falar, vamos discutir tecnologia e o desmonte trabalhista. Se não tivéssemos fechado um acordo de dois anos, estaríamos aqui discutindo como iríamos fechar um acordo com uma reforma trabalhista e uma economia estagnada. Vamos ter 1% de aumento real. E tudo o que temos na nossa convenção coletiva, que conquistamos com muita greve, muita luta, durante 25 anos, está preservado até o ano que vem. Não sei se conseguiríamos neste ano avançar em várias coisas que conseguimos no ano passado, principalmente os bancos públicos. Agora mesmo, por exemplo, a Caixa quis mudar o plano de saúde. Não pode, porque está no acordo, eles têm de seguir a convenção.

Você imagina uma ofensiva no ano que vem, considerando a nova legislação?

É uma pergunta difícil, podem acontecer várias coisas ainda. Estava conversando nestes dias com o Guilherme (Feliciano), presidente da Anamatra (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho), e na opinião dele essa reforma pode dar muito mais ações na Justiça do que apaziguar. Porque a lei é tão ampla… Não é só um desmonte, tem muitas coisas em que ela não é clara. Várias coisas estavam apaziguadas na nossa relação trabalhista, e essa lei retira um monte de coisas. Mesmo o trabalho intermitente, as pessoas têm muitas dúvidas em relação a isso. Então, pode ocorrer um monte de ações na Justiça que acaba inviabilizando uma lei. Temos uma briga enorme, muita luta ainda. Tem muita coisa para acontecer. Está todo mundo jogando ainda, muitos atores nisso. Na minha opinião, muita coisa ali dá para reverter.

É possível identificar quando começou esse processo? A Dilma caiu faz mais ou menos um ano, mas muita gente acha que ela passou a ter uma antipatia maior do que a gente chama de mercado naquele momento em que comprou uma briga contra os juros, o spread bancário. Pode ter sido o começo da queda?

Acho que tem muitos fatores. Começou em 2013, com aquelas jornadas, as manifestações. Mas antes disso nós já víamos o mundo inteiro fervendo. Antes de chegar no Brasil, tinha a Primavera Árabe, e você percebe que eram exatamente os países que tinham petróleo. Acho que tudo isso começou quando nós descobrimos o pré-sal. Eles perceberam o que nós tínhamos aqui no Brasil. Tem o fator externo, do petróleo, tem o fator interno. Tivemos uma acirrada disputa eleitoral em 2014, depois a economia da Dilma parou, estagnou, não tivemos mais pleno emprego. Aí começou quem era favorável e contrário às políticas implementadas. Parece que os demônios começaram a sair, era um ódio tremendo nas ruas. E depois os interesses do Congresso, todo mundo querendo levar uma lasquinha. Sabemos muito bem como Eduardo Cunha votou isso (impeachment). Tem muita coisa, mas acho que o principal é o cenário internacional e o nosso petróleo. Nessa questão geopolítica, o Brasil ficou muito importante. Quais são os conflitos no mundo hoje? É por água ou por petróleo. E, lógico, o mercado financeiro, que manda no mundo inteiro.

No Brasil, ainda existe um movimento por eleições diretas. O caminho é insistir nesse movimento ou já pensar em eleições em 2018 e juntar forças interessadas em discutir um projeto nacional?

A única coisa que nos salva é resgatar a nossa democracia. Vamos continuar gritando Fora Temer, Diretas Já. Porque disseram que o golpe ia melhorar o país. Mentiram. Só estamos perdendo, e os empresários percebem agora. Fizeram reforma trabalhista e aumentou o imposto, aumentou a gasolina. Qual é a saída? Nem os golpistas estão sabendo como vão fazer agora, para que lado vão. Na minha opinião, os nossos empresários são muito gananciosos, só pensam neles mesmos. Se tivessem um projeto de país, não teriam apoiado o golpe que está destruindo nosso país. Os movimentos sociais, o movimento sindical, os partidos devem fazer esse projeto, como nós estávamos caminhando. Se você imaginar que o pré-sal iria colocar na educação o que nós precisávamos nos próximos anos para se desenvolver, e agora tiraram… Tínhamos um projeto, mas ainda não está tudo perdido. Temos ainda como resgatar isso e brigar, principalmente para não deixar desmontar a Petrobras e levar toda a nossa riqueza.

Você tem formação em Ciências Sociais…

Sou formada em Ciências Sociais, tenho MBA em Finanças. E hoje faço Arquitetura (risos).

Uma foi mais interesse pessoal e outro pela questão profissional?

Ciências Sociais foi porque eu queria entender muitas coisas no mundo. A queda do Muro de Berlim em 1989… Entrei na faculdade em 1992. Era um curso que eu achava que poderia me explicar alguma coisa, porque você aprende Sociologia, Ciência Política, estuda Antropologia, História. E o MBA foi porque eu virei secretária de Finanças do sindicato e senti necessidade de aprofundar essa questão. E a Arquitetura era um hobby que eu tinha, de design de interiores. Resolvi voltar a estudar e vi que tem tudo a ver com todos os movimentos. Você consegue também resgatar um país, ou até uma cidade, pelo urbanismo ou pela arquitetura. Visitei recentemente a cidade de Medellín (na Colômbia) e vi o quanto as políticas públicas e urbanas fizeram, transformando a cidade, diminuindo em 83% o nível de violência, incorporando o seu povo a utilizar todos os espaços. Estou no meu segundo ano e achando muito interessante você pensar a sociedade de uma forma arquitetônica e urbana, que era um pouco o que o nosso ex-prefeito estava fazendo aqui. Os espaços não serem só dos carros, criar praças públicas, espaços de convivência, porque uma cidade é isso. Se não, a gente deixa de ser sociedade e passa a ser só indivíduo andando na via, não pensa no outro.

E o mundo, você conseguiu entender?

Acho que ficou muito mais complicado (risos). A única coisa que deu para entender é que o mundo capitalista, vamos dizer assim, é de acúmulo. Então, fica difícil querer uma sociedade igual se no capitalismo você só pensa em acumular.

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