Projeto de lei para destinar vagão exclusivo para mulheres já foi aprovado na Comissão de Transportes da Assembleia Legislativa de SP e aguarda votação em plenário
São Paulo – Episódios de abuso sexual contra mulheres em São Paulo levaram a Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) a destinar vagões preferenciais para mulheres em 1995, mas a proposta não foi bem sucedida.
A iniciativa da CPTM vigorou entre os anos de 1995 e 1997, após um abaixo-assinado com mais de 4,6 mil assinaturas de mulheres de Mauá (SP) ter sido encaminhado à companhia, pedindo vagões reservados e exclusivos. Mas dois fatores, sobretudo, teriam impedido a continuidade da ação: o primeiro, a própria Constituição, que estabelece a igualdade de direitos entre homens e mulheres e torna ilegal qualquer proibição ao direito de ir e vir, o que levou a companhia a optar por vagões preferenciais, e não exclusivos. O segundo motivo foi a superlotação, que tornava impossível manter vagões para grupos seletos de pessoas. A Agência Brasil procurou a companhia para falar sobre essa proposta e a possibilidade de que ela volte a entrar em pauta, mas não obteve retorno. As informações estão no site do Ministério dos Transportes.
Anos mais tarde, a proposta de destinar vagões nos trens e no metrô especialmente para mulheres voltou a entrar em pauta, desta vez na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), com um projeto de lei elaborado em 2005 pelo então deputado Geraldo Vinholi (PDT).
Pelo Projeto de Lei 341/2005, Vinholi queria obrigar as empresas de transporte público urbano de passageiros que operam em todo o estado a reservar espaço para as mulheres. Pelo projeto, as empresas de transporte sobre trilhos (trem e metrô) teriam que destinar vagões exclusivos nos horários de pico, em número suficiente para atender a demanda. Já as empresas de ônibus deveriam estipular a quantidade de ônibus ou de assentos destinados para mulheres.
“Está se tornando preocupante o número de mulheres molestadas sexualmente nos trens, metrôs e ônibus do nosso estado. Isso ocorre em virtude da superlotação desses veículos nos horários de pico. Nesses horários, os passageiros viajam muito apertados, momento em que acontece a bolinação”, disse Vinholi, ainda em 2005, ao propor o projeto.
No ano passado, oito anos depois de ter sido elaborado por Vinholi, que deixou a Casa, o projeto de lei recebeu parecer favorável do deputado Gerson Bittencourt (PT). Nele, o deputado apresentou duas emendas ao projeto original. “A primeira emenda foi no sentido de fazer a identificação do vagão, no caso do trem e do metrô, reservados exclusivamente para mulheres e, na segunda parte da emenda, que isso fosse feito especialmente nos horários de pico, que é o horário de maior concentração e quando ocorre o maior número de abusos”, disse.
De acordo com Bittencourt, isso não impediria que as mulheres usassem os outros vagões, caso preferissem. “As mulheres podem entrar em qualquer vagão do trem ou do metrô, mas aquele vagão tem que ser exclusivo para as mulheres em determinado horário, de pico, e deve ser devidamente marcado”, explicou.
Bittencourt decidiu ser o relator do projeto por uma questão pessoal. “Uma empregada que trabalha comigo em Campinas (SP) disse ter chegado um dia em casa, após o trabalho, chorando, nervosa e com a roupa molhada porque um sujeito encostou nela e se masturbou ao longo da viagem de ônibus.”
O deputado disse que o projeto já foi aprovado na Comissão de Transportes, aguardando agora ser discutido e votado em plenário, o que não tem data para ocorrer. Para Bittencourt, o ideal seria que as mulheres fossem sempre respeitadas, em qualquer lugar. “Enquanto ela não é respeitada, precisamos buscar alternativas para garantir isso. Por que se tem as cotas? Há pessoas que também são contra as cotas para negros em universidades e no serviço público, argumentando que eles devem disputar o mesmo espaço e os mesmos direitos. Mas eles têm isso? Não, não tem. Então é preciso construir políticas públicas que possam chegar a essa situação”, falou o deputado.
Mas para a socióloga Marília Moschkovih, o projeto não pode ser comparado com a política de cotas. “Vagões exclusivos não tem absolutamente nada a ver com cotas. Vagões exclusivos não reparam uma relação de poder historicamente construída. Para ilustrar: imagina que em vez de os estudantes negros poderem se inscrever nos vestibulares de quaisquer universidades houvesse cotas apenas em uma minoria delas, menos valorizadas. E que os estudantes negros que se inscrevessem em universidades melhores, mas que não entram nessa minoria das cotas, sofressem violência e assédio por frequentar tais espaços. Aí sim as cotas poderiam ser comparadas ao vagão exclusivo”, disse ela.
Sônia Coelho, integrante da Marcha Mundial das Mulheres e da Sempreviva Organização Feminista, também discorda do deputado. “É diferente das cotas. As cotas são consideradas como uma política afirmativa. Esse tipo de política de vagão não é uma política afirmativa, na medida em que segrega as mulheres.”
O tema será discutido na Alesp na próxima terça-feira (8) em uma audiência pública que vai abordar os abusos sexuais nos trens e metrôs de São Paulo. A audiência será no auditório Dom Pedro, a partir das 9h, coordenada pela deputada Beth Sahão (PT).
Por meio de nota, a Secretaria de Transportes Metropolitanos respondeu à Agência Brasil que o Metrô e a CPTM têm mantido funcionários uniformizados e à paisana para patrulhar estações e trens, além de monitorar todas as áreas públicas do sistema metroferroviário com câmeras de vigilância eletrônica. Segundo a secretaria, as equipes de segurança “são preparadas para lidar com situações que fujam à normalidade, entre elas, identificar pessoas com atitudes suspeitas”.
A prisão de assediadores, de acordo com a legislação vigente, depende do registro de ocorrência por testemunhas. Denúncias de assédio sexual no Metrô e nos trens da CPTM podem ser encaminhadas ao SMS-Denúncia pelos telefones (11) 97333-2252, no Metrô, e (11) 97150-4949, na CPTM. O serviço garante o anonimato do denunciante.
Estatísticas do DF mostram que mais de 90% das mulheres que sofrem abusos não denunciam. “Não denunciam por medo, porque depois ela vai descer em um lugar escuro, não tem um sistema de segurança adequado e podem sofrer mais violência”, explica Leila. Ela frisa que é fundamental as mulheres denunciarem e também aconselha que na hora do assédio a mulher procure chamar a atenção de quem está perto, procurando, de alguma forma, constranger quem está cometendo o abuso.
Já para Aparecida Gonçalves, as mulheres não denunciam por vergonha. “As mulheres ficam com vergonha, achando que são culpadas. Não são culpadas e têm que saber disso. Elas têm que denunciar. Temos que trabalhar o comportamento da sociedade brasileira”, frisou, acrescentando que o número 180 recebe todos os tipos de denúncia de violência contra mulher.
A titular da Secretaria da Mulher do DF, Olgamir Amância, diz que o vagão rosa é uma forma de chamar a atenção para o problema. “Ele desperta a atenção da população, mas, certamente, como somos a maioria, um vagão não é o suficiente.”