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A crise é de saúde mental

Brasileiro que faz doutorado em psiquiatria, no Canadá, afirma que doenças são reflexos da cultura moderna

Diante de uma realidade agressiva, violenta, incoerente, vazia de significado, antes de culparmos os negros, os judeus, os gays, os imigrantes, os favelados, a presidenta, o outro, devemos refletir sobre nossa cultura, nossas práticas culturais históricas e perguntar se o problema não está sendo provocado por nós mesmos.

Poderíamos perceber que geralmente somos incapazes de reconhecer os nossos próprios defeitos, nossos aspectos sombrios de personalidade e acusamos o outro de ser a causa dos problemas que carregamos internamente, e que, na verdade, não temos coragem nem autocrítica para enfrentar essas questões. O mais perigoso inimigo é interno.

Configurando assim um grave problema de saúde mental, negativismo e autodestruição coletivos, que nos encaminha para uma realidade de guerras, violências, miséria, corrupção que a maioria de nós acaba por sucumbir, cedo ou tarde, a esse espírito de época sombrio e aos psicotrópicos e outras drogadições.

“O sonho da razão produz os monstros”, nos lembra o pintor Goya.

Psiquiatria transcultural

O campo da psiquiatria transcultural se dedica, numa tradição arte-científica muito estruturada nacional e internacionalmente, a estudar os mecanismos e explicações da doença mental a partir de uma compreensão mais profunda da biologia humana, a linguagem, as emoções e a cultura, a organização social e política, os ecossistemas e a biosfera, numa perspectiva histórica da biologia e da humanidade.

Hoje sabemos, a partir da paleoantropologia, que foi ao longo de pelo menos 3 milhões de anos atrás quando surgiram os primeiros ancestrais hominídeos. Os primeiros grandes primatas bípedes, sem pelos e que foram desenvolvendo o modo de vida que nos caracterizou humanos, fazendo sexo frontal, liderados pelas fêmeas – nem gays nem héteros, bissexuais e coletivos – dançando juntos, cantando juntos, colaborando, colhendo plantas e caçando, se enfeitando com colares de contas, pintando nas paredes, se reunindo em volta do fogo, desenvolvendo a linguagem, os símbolos, os ritos, as imagens, narrativas e histórias que compõem nossa identidade, nossa personalidade e nossas civilizações.

É importante observar que nossos ancestrais africanos e índios que guardam ainda sobreviventes desse modo de vida tribal, se confundindo com as próprias origens da humanidade, vivenciam o aspecto coletivo de forma muito mais integrada, sexualidade lúdica, natural e social. Assistam ao documentário As Hipermulheres vivendo harmoniosamente com a natureza. Eles e elas não apresentam síndromes de saúde mental tão prevalentes, no homem/mulher urbano/a moderno/a, como a depressão, o suicídio, os transtornos de ansiedade, tampouco hipertensão, diabetes, câncer, doenças alérgicas ou as autoimunes.

Cultura patológica

Nossas doenças são reflexos de nossa cultura e nosso modo de viver. Atualmente, muitas vezes, nossas doenças são reflexos das políticas de marketing da indústria farmacêutica.

Como podemos fazer uma reflexão profunda, o suficiente, para gerar mudança de conduta de nossa parte, de nossas famílias e comunidades? Vamos conversar mais. Através da conversa, debate, do diálogo, todos deverão discutir o tema da saúde mental e frear a autodestruição aparentemente inexorável que vivemos.

Assim poderemos desenvolver e formular opiniões mais adequadas e profundas sobre nós próprios, nosso modo de viver, nossa cultura, nossa dieta, nossa agricultura, nossa relação com o ambiente, com a arte, a poesia, o cinema, o teatro, a música, a dança. Nada do que for humano nos será estranho, cuidaremos dos mais vulneráveis e em maior sofrimento. Poderemos recuperar aquilo que somos vocacionados enquanto espécie: o amor, a cooperação, a solidariedade e a construção democrática.

A democracia é um modo de vida, é saúde mental, não é simplesmente um sistema eleitoral. Primeiro, saúde mental.

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