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A eficiência da PM não deve ser medida pelo número de pessoas que mata’

Pela segunda vez no cargo de ouvidor da PM paulista, Benedito Mariano defende que a eficiência da polícia deve ser dimensionada pela capacidade de evitar que os crimes aconteçam

Quase ao final do primeiro bloco do programa Entre Vistas, edição especial que foi ao ar na TVT nesta quinta-feira (27), com o ouvidor da Polícia do Estado de São Paulo, Benedito Mariano, a diretora-executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Samira Bueno, fez a pergunta que dá a exata dimensão da violência policial em São Paulo. Ela ponderou que, em 2006, o estado teve em torno de 12 mil homicídios, sendo cerca de 400 cometidos por policiais. Em 2017, o total de homicídios caiu para 4 mil, porém aqueles cometidos por policiais subiram para mil. “O que deu errado?”, perguntou Samira.

O ouvidor lembrou a introdução do “Método Giraldi” – técnica de tiro “em defesa da vida”, criada por Nilson Giraldi em 1997 e introduzida na polícia de São Paulo em 2002 – para dizer que os policiais aprenderam a se proteger, porém não diminuíram a letalidade, que deve ser sempre o último recurso. “O método ensina a atirar, mas também ensina uma mudança de cultura. São 14 mudanças culturais e acho que nenhuma foi levada em conta. O policial aprendeu a atirar, mas ignorou a filosofia do método”, explicou.

A violência policial em São Paulo e no Brasil atinge uma parcela específica da sociedade: a maioria das vítimas é de pobres, negros, com ensino fundamental ou médio. Jovens com até 25 anos representam 65% das vítimas. Benedito Mariano destacou que a PM foi criada no período do império para defender as oligarquias e reprimir os pobres. “Ao invés de priorizar a vida, se prioriza o patrimônio”, disse, afirmando que a vocação original formulada no período imperial ainda está em vigor. “Nossos policiais não têm cultura de prevenção. Então, quando ele atua no flagrante delito, ele embrutece e caça o criminoso pelo estereótipo.”

Nomeado ouvidor da Polícia de São Paulo em fevereiro, Mariano ocupa o cargo pela segunda vez (a primeira foi entre 1995 e 2000) e tem consciência de estar num posto difícil, “mas necessário”. Para ele, o grande problema é que o Brasil não tem a cultura dos órgãos de controle. Ao assumir a função em 2018, encomendou um estudo para analisar 2017, ano do segundo maior índice de letalidade da polícia no estado. A análise abrangeu 80% dos boletins com ocorrência de morte e o resultado revelou que, em 48% dos casos, houve indício de excesso da legítima defesa; em 26%, a legítima defesa do policial se mostrou correta; e nos 26% restantes, a vítima estava sem arma de fogo. “Não é possível isso não indicar a necessidade de uma mudança de comportamento.”

Desmilitarização

Confrontado com o questionamento do jornalista e apresentador Juca Kfouri se é a favor da desmilitarização da PM, Benedito Mariano disse que alguns pontos da proposta devem ser considerados pelo Congresso Nacional e pelos candidatos à Presidência da República. Entre eles, destacou que o código de conduta se preocupa mais com o policial dentro do batalhão do que na rua, igual aos militares no quartel; citou que os policiais são os únicos servidores públicos investigados e julgados, dependendo da acusação, por auditorias e tribunais específicos, e não pela Justiça comum; e ainda falou do problema que causa a PM ter dois comandos: um civil, por parte do governo do estado, e outro do Exército, para instrução e treinamentos.

“Se a gente não tem a polícia que quer, é preciso transformá-la, mas tem muita gente boa dentro da polícia”, afirmou Mariano, destacando que muitos policiais e ex-policiais são membros do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Tema recorrente no país nos últimos tempos, Juca Kfouri pergunta se o ouvidor concorda com a ideia de armar o cidadão para que ele se proteja da violência. Segundo Benedito Mariano, tal proposta é uma ilusão.

“O que diminui o homicídio é qualificar a polícia, é ter uma polícia que chega antes no crime, é ter um grupo de mediação de conflito. Queremos uma polícia que evite o crime, e não saia caçando criminosos. A eficiência da polícia não deve ser medida pelo número de pessoas que ela mata, mas pelo número de crimes que ela evita”, afirmou.

Também participante do Entre Vistas, Débora Silva, do grupo Mães de Maio, criticou o fato de até hoje não haver resposta para os cerca de 500 assassinatos cometidos pela polícia em maio de 2006, cujos inquéritos foram todos arquivados. “Quando a polícia não consegue chegar a pelo menos um culpado, então é porque houve falha estrutural, não só das policias, mas também do Ministério Público”, afirmou. Para ela, é preciso haver independência do departamento de perícias, que são, avalia, mal feitas e não atingem seu objetivo.

“Às vezes, as pessoas só vão lembrar da violência policial quando tiver um ente próximo atingido”, lamentou o ouvidor.

 

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