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A/o psicóloga/o e a queda de braço

Quais os aspectos importantes e os desafios para fazer uma avaliação psicológica envolvendo disputa jurídica pela guarda de filhos?

Em 10 anos, a taxa de divórcios no Brasil cresceu mais de 160%. De acordo com o IBGE, o país registrou 130,5 mil divórcios em 2004. Em 2014 os registros alcançaram 341,1 mil. Entre essas centenas de milhares de casais que resolvem se separar todos os anos, muitas vezes a disputa pela cuidado com os filhos chega à justiça. E não são poucos os casos em que os profissionais do direito solicitam avaliações psicológicas para decidir sobre a guarda de crianças.

“O melhor para a criança”

Entre as questões para se ter em mente no momento de fazer uma avaliação psicológica, muitos autores destacam o foco “no que será melhor para a criança”. Mas o que exatamente seria isso? A professora e psicóloga Francisca Fariña Rivera da Universidade de Vigo (Espanha) sugere, em artigo do livro Psicología jurídica de la família: intervención de casos de separación y divórcio, que os cuidados parentais devem ser avaliados atendendo a três grandes áreas de necessidades da criança: as de caráter físico-biológico (alimentação, higiene, sono, etc.); cognitivo (compreensão da realidade, aquisição de valores, etc.) e social (identidade pessoal, autoestima, rede de relações, etc).

“Muitas vezes o processo vem a partir de uma lógica binária: é melhor para a criança ficar com a mãe ou com o pai? Há uma ruptura do casal conjugal, mas o casal parental pode permanecer. Se estamos pensando em atender à necessidade da criança, essa necessidade não se dá numa lógica binária”, problematiza Cláudia Suannes, psicóloga judiciária do Tribunal de Justiça de São Paulo. “Acho que temos que evitar contribuir com a perpetuação do litígio”, aponta.

A professora Ana Maria Zampieri, doutora em Psicologia Clínica pela PUC-SP, tem especialização em terapia sistêmica de casais e famílias. Para ela, a visão sistêmica dos vínculos familiares é o que deve ser privilegiada pela/o psicóloga/o. “O melhor para a criança será que as relações entre os pais, ex-cônjuges, possa ser tratada e estimulada numa filosofia ganha-ganha. Exceção feita à situações de insanidade e/ou violências por parte dos adultos”, complementa.

E a voz da criança, como entra nessa história? De que forma escutá-la? Como levar em conta a sua vontade, considerando também sua maturidade emocional, possíveis manipulações, culpas e fantasias de salvamento do casamento dos pais ou mesmo certa sensibilização da criança por quem ela acha estar sofrendo mais? Para Suannes, um importante ponto de partida é explicar o que se está fazendo lá. “Acho que a aproximação deve tentar desmontar essa ideia de que é uma competição em que o melhor vai ganhar”, ilustra: “Em casos em que a criança está muito invadida pelo litígio eu digo, da minha parte, que quero conhecê-la”.

Avaliação

Ainda que não haja fórmula para a avaliação psicológica que envolva famílias em disputa judicial, alguns procedimentos são mais comuns. Um estudo feito por Vivian Lago e Denise Bandeira pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul em 2008 – As práticas em avaliação psicológica envolvendo disputa de guarda no Brasil – teve a participação de 51 psicólogas/os de todas as regiões do país. Destes, 84% afirmou nunca ter tido uma disciplina relacionada à área da psicologia jurídica ao longo da graduação.

A maioria dos participantes faz separadamente uma entrevista com cada um dos pais e com os filhos. Entrevistas com terceiros e visitas à escola ou às residências também se revelaram comuns, principalmente nas regiões norte, nordeste e centro-oeste. Testes também são utilizados, os projetivos mais que os psicométricos.

Solicitados a avaliar uma lista de fatores para recomendar a guarda a um dos genitores conforme grau de importância, os participantes da pesquisa deram destaque ao relacionamento da criança com cada um dos seus pais. Em seguida, veio o conforto e o cuidado dos pais com seus filhos. Queixas apresentadas entre os ex-cônjuges, como por exemplo transtorno de personalidade ou maus tratos com os filhos, foram tidas como aspectos menos relevantes para a recomendação da guarda.

O judiciário e a psicologia

“A posição de ‘neutralidade’ a serviço da saúde do sistema familiar pode esbarrar em mitos, crenças e valores da cultura a que a/o psicóloga/o pertence”, chama a atenção Zampieri, que exemplifica: “como a priori entender que a guarda deve ser materna, ou de quem não cometeu infidelidade conjugal, ou de quem não se declara homo ou bissexual”. Para ela a/o psicóloga/o deve revisitar “seus próprios medos e preconceitos para considerar se os mesmos poderão interferir em seu olhar”.

Com uma risada simpática, Cláudia Suannes destaca que não são poucos os dilemas com os quais tem de lidar. “Muitas vezes as pessoas trocam acusações muito fortes. Avaliar se é por conta de uma separação mal resolvida ou se de fato algo muito grave está acontecendo nem sempre é fácil”, expõe Suannes. A escrita do laudo é também um desafio: “É preciso produzir um laudo claro o suficiente para quem vai tomar a decisão, mas ao mesmo tempo não expor desnecessariamente a intimidade das pessoas”.

Na visão de Cláudia, é importante que a/o psicóloga/o tenha uma postura pericial, mas isso não impede que ela/e, nas conversas, tente problematizar e implicar as pessoas na resolução de seus próprios conflitos. “Afinal, o juiz não vai fazer o conflito morrer”, constata.

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