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A sociedade tem mudado, mas não a visão sobre as mulheres

Maioria na sociedade brasileira – 51,5%, de acordo com o IBGE –, as mulheres já são responsáveis por sustentar 37,3% das famílias. A participação cresceu, mas a aproximação salarial que vinha ocorrendo nos últmos 10 anos parou de cair em 2013, quando o rendimento mensal delas equivalia a 72,9%.

A diferença pode aumentar ainda mais. Conforme destaca a Secretária de Mulher Trabalhadora da CUT, Rosane Silva, em momentos de crise as mulheres e jovens, segmentos mais frágeis do mercado de trabalho é que pagam a conta.

Para enfrentar esse cenário, ela avalia que não outra saída além da organização, unidade e ocupação dos espaços de poder. A Central dá dois grandes passos nesse sentido.

O primeiro, um encontro de trabalhadoras que deve reunir mais de mil mulheres entre 27 e 29 de março, em Brasília e definirá um documento para levar à presidenta Dilma e aos governos estaduais. O segundo, a paridade na direção da Central e das estaduais, que passa a valer já a partir deste 12º Congresso Nacional da CUT (CONCUT).

Em entrevista, Rosane convoca as trabalhadoras para o Dia Internacional da Mulher neste 8 de Março em todo o país e ressalta que os temas da mobilização – liberdade, igualdade e autonomia – devem nortear a luta.

As bandeiras do Dia Internacional da Mulher deste ano são históricas: liberdade, igualdade e autonomia. Por que ainda se justificam?

Rosane Silva – Porque são eixos ainda em disputa. A luta por liberdade é a luta pelo direito às nossas vidas, a governar nossos corpos, a sermos mães se quisermos e quando quisermos, a nos vestirmos e nos comportarmos e como quisermos. Defenderemos ainda a autonomia econômica, política e social. Isso significa que queremos ser reconhecidas no mercado de trabalho como detentoras de direitos, porque já gerenciamos mais de 35% das famílias no país e ainda não temos o direito de ter salários e a ascensão profissional como os homens. Nosso salário ainda é tratado como apêndice do salário do marido e não como essencial para a família. Além disso, queremos levantar a discussão sobre a igualdade nos espaços onde já atuamos, tanto nos sindicatos, quanto espaços políticos e também nas nossas famílias. Queremos o compartilhamento das responsabilidades familiares entre homens e mulheres e na própria sociedade. A sociedade brasileira tem mudado, mas não a visão sobre as mulheres. E o tema da autonomia econômica trata justamente da nossa relação com o mercado de trabalho. Temos avançado no país em vários temas, mas nesse permanecemos em um universo com condições da época da escravidão.

Como esses eixos contribuem para ajudar a reverter o momento do Brasil, de ajustes e crises?

Rosane – Nós somos as principais prejudicadas pelo ajuste fiscal que está sendo proposto no Brasil, não só pelo governo federal, mas também pelos estaduais. Porque quando tira o orçamento da área da educação está tirando recursos para o ensino médio e a para a creche e afeta a nós, que somos as principais responsáveis pelos cuidados com a família. E quando a gente fala desses cortes, principalmente no tema do seguro-desemprego e no abono salarial, falamos de prejuízo a setores mais vulneráveis no mercado de trabalho: as mulheres e jovens, que sofrem com maior rotatividade porque são vistos apenas como um apoio à renda familiar. Então, na hora da demissão, as mulheres e jovens são primeiras na lista, por isso a restrição do acesso ao seguro-desemprego tem um impacto fundamental para esses grupos.

Nesse momento de crise, os temas macro, como os eixos do Dia Internacional da Mulher perdem espaço para temas mais imediatos como a manutenção do emprego e da renda?

Rosane – Quando trazemos esses três eixos para o centro do debate do 8 de Março, queremos justamente discutir nosso modelo de desenvolvimento e de democracia. Porque um modelo de democracia que não pensa a igualdade não é legítimo e precisamos pensar em mecanismos de proteção ao emprego que privilegiem as mulheres. Nossos três eixos dialogam muito com o momento que vivemos no Brasil e que norteiam as mobilizações do 13 de Março e têm a defesa dos direitos da classe trabalhadora e dos direitos como pautas. Quando falamos em democracia, falamos em mudança no financiamento das candidaturas. Hoje temos um Congresso amplamente masculino porque o setor empresarial acaba financiando os homens, já que acreditam que têm mais facilidade para se eleger. Quando colocamos o debate sobre democracia é porque queremos discutir a reforma política e adotar o financiamento público de campanha, com lista fechada e alternância de gênero para que termos a mesma possibilidade de nos elegermos e mudarmos a política e o Congresso que não nos representa neste momento.

Qual será a agenda do encontro de trabalhadoras que a CUT promoverá no final do mês?

Rosane – Temos dois objetivos centrais nesta atividade. O primeiro é discutir o espaço de trabalho e as mulheres e produzir uma pauta política que nos permita avançar em direitos, construir uma pauta unificada das trabalhadoras CUTistas que trate da igualdade salarial, o direito à creche e como avançar nos mecanismos de democracia em nosso país. E a nossa intenção é levar o documento final desse encontro para a presidenta Dilma e para os governos estaduais trazendo para o centro do debate econômico e político do Brasil a vida das mulheres. O segundo é discutir a democracia, em especial nas instâncias internas da CUT. Neste ano teremos o 12º CONCUT no qual aplicaremos, pela primeira vez, a paridade entre gêneros na formação da direção da nossa Central e temos que estar preparadas para ocupar esses espaços de decisão. Não queremos apenas aplicar numericamente, mas também politicamente para que possamos provar para o mundo que podemos estar em todos os espaços de poder.

O que muda dentro da Central e como as mulheres se enxergam com a implementação da paridade?

Rosane – A partir da aplicação da paridade nós vamos iniciar na CUT uma revolução democrática. Vamos ser metade da direção e isso significa que nossa pauta estará cotidianamente no interior da Central, porque quanto mais as mulheres estão nos espaços de poder, mais falam das nossas questões específicas e da importância de termos políticas públicas que nos permitam viver com dignidade, liberdade, autonomia e igualdade. Uma central sindical que quer ser democrática e combativa tem que incluir as trabalhadoras nos espaços de poder e seremos a primeira a adotar isso, dando o exemplo ao movimento sindical mundial e deixando claro que é possível fazer isso nas instâncias de decisão. 

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