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A vaia que constrangeu o ministro da Saúde

Sob gritos de “Bolsonaro é miliciano”, Mandetta foi apupado da Conferência Nacional

Um homem a caminho da cadafalso. Essa foi a impressão que o ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta passou ontem, ao participar da abertura da 16ª Conferência Nacional de Saúde. É verdade que houve um breve momento de calmaria assim que ele chegou ao grande salão montado para receber cinco mil pessoas no Pavilhão de Exposições do Parque da Cidade, em Brasília. Mandetta falou longamente com uma portadora de necessidades especiais. Mas não demorou muito para que os conselheiros de saúde de todo o país demonstrassem seu descontentamento com o governo de Jair Bolsonaro. Ao serem chamados ao palco, todos os secretários da equipe de Mandetta foram vaiados (com exceção da titular da Sesai, Silvia Waiãpi). Gritos de “Ele não; ele nunca” e “Fora fascista” se alternavam às vaias, que acompanharam o ministro ao palco, e apareciam sempre que se fazia uma menção a ele  (aqui, um pequeno vídeo). Por seu turno, Mandetta mexia no celular, bocejava, entrelaçava as mãos ou as passava no cabelo com vigor. Só se animou ao acenar para a delegação de Mato Grosso do Sul, seu estado. A certa altura, seguranças cercaram o palco para fazer uma barreira humana entre o ministro e o povo, deixando a cena ainda mais estranha já que ao fundo se lia “Democracia e Saúde” – tema da conferência.

Ao longo de maisde uma hora, os variados discursos das autoridades presentes só faziam adensar a tensão. Quando finalmente a hora de o ministro falar chegou, durante aproximadamente 13 minutos, Mandetta hostilizou e foi hostilizado. Começou falando que democracia significava ouvir e debater o contraditório, e chegou rapidamente ao… mensalão. Destacou que o relacionamento entre Executivo e Legislativo já se pautou por uma mesada. “A compra do parlamento é a compra do espírito da democracia”, disse, completando que o parlamentarismo de coalizão teve como consequência uma base que entregava o discurso contraditório em troca das benesses do poder, resultando na maior crise política da história do país. De acordo com ele, só agora o país chegou “ao momento da democracia”, e “pela primeira vez o Ministério se faz sem toma lá, dá cá”. Mandetta disse isso com três ex-ministros de saúde – Agenor Álvares, Artur Chioro e Saraiva Felipe – sentados ao lado do lugar onde discursava.

Depois emendou na Venezuela: disse que doenças como difteria e sarampo “nascem da maior ditadura da América do Sul”, deixando de lado as amplas evidências de que, por aqui, os brasileiros não estavam vacinados a taxas adequadas para enfrentar o sarampo, por exemplo. Depois disso, as vaias foram tantas que o presidente do Conselho Nacional de Saúde, Fernando Pigatto, interveio para tentar acalmar o público – mas Mandetta dispensou a interferência, dizendo que “há uma diferença entre escutar e ouvir, entre ver e enxergar”. “O século 21 vai ser fantástico em saúde”, disse Mandetta sobre os avanços tecnológicos, dizendo que diante das “armas” que a ciência apresenta, teremos duas escolhas: olhar para trás e se utilizar do sistema de saúde e dos espaços que ele oferece para “pequenos, míopes, tacanhos, remoermos os nossos ódios” ou “gigantes, altruístas” sermos defensores de uma história.

Nesta hora, o ministro citou um dos patronos da ciência brasileira – Carlos Chagas – e disse que o país não poder apontar o dedo para “aqueles que procuram soluções para os seus problemas”; segundo Mandetta, o fato de uma doença ser negligenciada parece não ter nada a ver com a indústria farmacêutica; as doenças são negligenciadas pelo próprio Brasil. Disse que o Ministério optou pela atenção primária – contra “devaneios”. E, claro, mencionou indiretamente Cuba, dizendo que ‘não mais os trabalhadores serão explorados’. “Os princípios de universalidade, integralidade tão alentados aqui, tão facilmente apropriados por todos, questiona a todos com equidade. Como fazer equidade num país assimétrico? Trazer da letra morta, do grito histérico, da comoção pequena da política para a realidade? É preciso fazer com que a nossa atenção primária possa levar para o Nordeste e a região Norte os maiores investimentos”, afirmou. Prometeu que não vai fazer política de saúde olhando as próprias eleições, mas as próximas gerações. “As urnas nas últimas eleições são aquelas a quem nos devemos a nossa satisfação”, disse. Terminou o discurso lembrando aos participantes que sua vinda à etapa nacional da 16ª Conferência tinha sido custeada com recursos públicos. “Procurem ser técnicos”, afirmou. “Aqueles que fizerem mau uso da coisa pública que sejam recebidos na suíte Moro imperial de Curitiba” foi a última coisa que Mandetta disse aos mais de três mil delegados em Brasília, que se reúnem até a quarta-feira, sem cobrar nenhum centavo, para debater e fiscalizar os rumos do SUS.

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