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Aborto seguro: vivemos em tempos incertos

Por Norian Segatto

Em 28 de setembro celebrou-se o Dia Internacional pelo Aborto Seguro

These are uncertain times! A frase do título desta matéria está estampada na chamada feita pela International Campaing for Women’s Right to Safe Abortion (Campanha Internacional pelo Direito das Mulheres ao Aborto Seguro, em tradução livre), ação global que envolve uma rede de organizações em 130 países, e remete ao retrocesso que esse direto vem sofrendo em muitos locais, como nos EUA. A Campanha cita, no entanto, outros casos:

“Em junho de 2022, a maioria dos juízes da Suprema Corte dos Estados Unidos negou que é um direito constitucional o acesso ao aborto legal e seguro. Mas esse não é o único ato de violência contra mulheres. Em outubro de 2021, a China, que por muitos anos forçou as mulheres a abortarem após o primeiro filho/a, impôs uma nova lei restringindo o aborto por motivos que não sejam de risco à saúde e vida. Em novembro de 2021, o Irã impôs uma lei criminal que restringe severamente o acesso ao aborto, métodos anticonceptivos e esterilização voluntária. Casos semelhantes ocorreram na Polônia, em 2020, e em Honduras, em 2021” (tradução livre, confira o original em inglês clicando aqui).

Nem tudo, porém, são notícias ruins nesse tema. No México, em setembro deste ano, decisão da Suprema Corte baniu a legislação que instituía punição para os casos de aborto e declarou inconstitucional a existência de um prazo para o aborto no caso de gravidez decorrente de estupro. Na América Latina e no Caribe, o acesso livre ao aborto existe em Cuba, Guiana Francesa, México, Uruguai e Argentina. Em Honduras, El Salvador, Haiti, Nicarágua, República Dominicana e Suriname, o aborto é totalmente ilegal.

No Brasil, o aborto é regulamentado desde a criação do Código Penal, em 1940, pelo Decreto Lei 2848, que especifica em seu Artigo 128:

Art. 128 – Não se pune o aborto praticado por médico

Aborto necessário

I – se não há outro meio de salvar a vida da gestante;

Aborto no caso de gravidez resultante de estupro

II – se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.

No entanto, esse artigo é alvo de diversos ataques conservadores; um deles é o Projeto de Lei 460, do senador Pastor Valadares (PDT-RO), que altera o Artigo 128 “para criminalizar o induzimento e a instigação ao aborto e o anúncio de meio abortivo, bem como para exigir o exame de corpo de delito e a prévia comunicação à autoridade policial para a não punição do aborto resultante de estupro…”. “A nova configuração do Congresso Nacional saída das eleições deste ano, é um motivo de preocupação a mais para as lutas feministas, pois teremos um parlamento ainda mais conservador do que o atual, o que parecia quase impossível”, analisa a diretora do SinPsi, Marcella Milano.

SUS e apoio psicológico

Para refletir e garantir o direito da mulher sobre seu corpo e alertar a sociedade de que abortos clandestinos são uma das principais causas de mortes de mães em todo o mundo, foi instituído o 28 de setembro como Dia Internacional pelo Aborto Seguro. No Brasil, os dados sobre abortos inseguros são imprecisos, mas chama a atenção o número de mortes maternas no país: dados no Ministério da Saúde mostram uma média de 55 a 59 casos para cada 100 mil bebês nascidos vivos (a Organização Mundial de Saúde considera que esse número deveria ser abaixo de 20). Durante a pandemia, esse índice subiu para 71,9, em 2020, e 107,9 em 2021, conforme estudo da Universidade Federal do Espírito Santo.  

No Brasil, o aborto seguro pode ser feito pelo SUS até a vigésima semana de gestação; nos casos de risco para a gestante ou feto anencefálico não há limite de tempo para se realizar o procedimento. A legislação não exige provas ou boletim médico para se realizar o aborto seguro. 

Val de Freitas lembra que cerca de 80% das vítimas de violência sexual são mulheres e entre esse grupo há um grande contingente de jovens, o que agrava o problema da gravidez na adolescência. “Muitas não estão preparadas para a vida sexual ou reprodutiva, o que faz aumentar ainda mais os casos de gravidez indesejada”, afirma a diretora do SinPsi. Um dos exemplos recentes mais trágicos dessa realidade aconteceu em Santa Catarina, onde a juíza Joana Ribeiro impediu uma menina de 11 anos, vítima de estupro, de realizar o aborto.

A dirigente do Sindicato destaca, ainda, que a lei deveria reconhecer o dano psicológico que situação como essa pode ocasionar e fornecer às vítimas suporte profissional. “Essas pessoas necessitam de apoio e cuidado, pois sempre existe o dano emocional para esses casos, é um problema de saúde física e mental e espero que nossas autoridades passam a dar o devido valor para esse fato e reconheçam que a saúde mental das mulheres que passaram por aborto precisa ser cuidada e receber o apoio necessário para um recomeço”.

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Fontes:
Outras Palavras
Aborto no Brasil, o que dizem os dados oficiais?
Agência Pública
Brasil de Fato
Universidade Federal do Espírito Santo
International Campaing for Women’s Right to Safe Abortion
Crédito foto: Elaine Campos