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CUT se engaja de vez na luta pelos direitos dos migrantes

Em seminário que debate o tema, Central também anuncia a criação de um projeto-piloto para atender essas pessoas

“A gente vem para o Brasil em busca da terra prometida, mas o sofrimento depois é grande. Eu sou pedagoga, mas aqui o meu primeiro emprego foi numa concessionária de automóveis. Fiquei um ano só com o protocolo (visto provisório), então não conseguia minha documentação. Só dois anos depois eu consegui carteira de trabalho assinada. Mas durante todo o tempo eu era obrigada a trabalhar duas horas diárias a mais que os outros funcionários, por ser migrante e mulher.”

Mônica Rodriguez, boliviana

“Vim pela falta de oportunidades em meu país. Um dia uma amiga me convidou pra vir pro Brasil, e eu logo pensei: ‘Nossa, eu quero ir’. No meu país passam muitas telenovelas brasileiras, e eu vim querendo conhecer aquelas coisas que elas mostram. Cheguei aqui em São Paulo e vi que as ruas não eram do mesmo jeito, havia sujeira, pessoas sem-teto (…). Fui trabalhar com coreanos numa confecção e aprendi rápido a fazer peças-piloto com qualidade. Assim que eles viram que eu tinha aprendido, me fizeram começar a limpar banheiro, cozinha e oficina depois do expediente (…) Não podia ir de maquiagem e me vestia com roupa masculina, porque o pessoal ficava me assediando. Reclamei e o patrão não tomava providência, como se eu fosse a errada”. 

Maria Cristina Romero, paraguaia

“A nossa situação melhorou muito depois da anistia que o governo deu aos migrantes em 2009 e depois de alguns acordos firmados pelo Mercosul. Hoje, conseguir nossa documentação ficou mais fácil. Mas nosso objetivo é cidadania plena. Hoje, somos invisíveis, porque não temos direito a votar e ser votado. Sem isso, a classe política não se preocupa com nossa situação, porque não precisam do nosso voto (…) Se nem as oficinas de trabalho são regularizadas, como os trabalhadores seriam?”

Luiz Vasquez, boliviano

“Cheguei ao Brasil em 2003, com três filhos. Meu primeiro emprego eu consegui usando o nome de outra pessoa (….) Meus filhos foram tirados da primeira escola porque eram ‘ilegais’ (…) Porque sou indígena, tive muitas dificuldades para alugar casa. Os donos diziam que não podiam. Sem ter correspondência em meu nome, não conseguia usar o SUS (…) E sempre tive que trabalhar mais horas que os outros, como se meu trabalho valesse menos” 

Cecília Obreras, peruana

Nesta quarta-feira, a CUT realizou um seminário sobre a questão migratória no Brasil para tentar entender melhor como o movimento sindical pode trabalhar por uma vida mais digna aos migrantes estrangeiros que residem aqui.

Na parte da manhã, quatro lideranças comunitárias deram breves depoimentos sobre sua experiência de Brasil.

Atualmente, todas já têm sua situação documental regularizada, mas o que contaram dá uma pequena ideia do sofrimento de tantos quantos ainda vivem “indocumentados” (termo cunhado para substituir a pejorativa, porém frequentemente usada expressão “ilegais”).

No mesmo seminário, a CUT vai apresentar um projeto-piloto de atendimento aos migrantes que vivem em São Paulo, que a Central vai passar a coordenar com a ajuda da INCA – órgão de assistência a migrantes criada em 1950 pela central sindical italiana CGIL. O projeto (leia texto que será publicado ainda hoje) começa por São Paulo por ser a cidade com o maior número de migrantes residentes no País. Estima-se que 41% dos migrantes estejam na capital paulista. Mas o objetivo é estender a iniciativa para outros estados. Dados recentes da Polícia Federal apontam mais de 1,8 milhão de migrantes em território nacional.

Que esses números não sirvam de justificativa para xenófobos que consideram o Brasil generoso em excesso com os estrangeiros nem para os alarmistas que temem ataques contra o emprego dos nascidos aqui. Sequer numericamente essa postura se sustenta, já que apenas 0,3% dos residentes são nascidos em outros países. A média na América Latina é de 1,5% e, na soma mundial, a média é de 3%. Países como Austrália e Canadá, que entendem o fluxo migratório como positivo para o desenvolvimento, atingem a média de 20%, segundo dados apresentados durante o seminário por Rinaldo Almeida, do Conselho Nacional de Imigração.

Na verdade, os números brasileiros devem ser um pouco maiores, em função da falta de documentos. E ser migrante sem documentos é quase invariavelmente trabalhar em regimes análogos à escravidão. Em São Paulo, muitos trabalham por 16, 18 horas por dia em oficinas de costura insalubres, onde também moram e criam seus filhos.

Uma boa tática para o movimento sindical enfrentar esse problema pode ser depreendida do relato feito por Renato Bignami, auditor fiscal da Superintendência Regional paulista do Ministério do Trabalho. A partir de 2007, em consequência de um novo entendimento das regras de fiscalização, o ministério passou a tratar o trabalho forçado dos migrantes como “sequestro”, o que garante a eles a condição de refugiados.

Sem deportação

Essa nova compreensão, que foi traduzida em nova normatização interna, fez grande diferença. Antes, quando a fiscalização autuava uma oficina nessas condições, os migrantes por ela escravizados eram, simplesmente, deportados. Agora, a fiscalização cobra todos os direitos trabalhistas, retroativamente, da principal marca ou loja para a qual a oficina – via de regra terceirizada, quarteirizada ou quinteirizada – trabalha. E os migrantes são orientados a regularizar sua situação documental. E continuam no Brasil.

“A questão não é étnica nem migratória. É o sistema produtivo o problema. Mesmo países mais desenvolvidos têm oficinas clandestinas. Até em Los Angeles há. Só que os migrantes são de outras nacionalidades”, define Bignami, a quem cabe o mérito de desenvolver a nova abordagem e convencer o ministério a adotá-la. Se o problema continuasse sendo encarado como estritamente migratório, a solução permaneceria nas mãos da Polícia Federal, onde ainda subsiste uma visão típica da legislação vigente, criada nos anos 1980 sob a égide do conceito de “segurança nacional”.

Outras propostas para melhorar a situação dos migrantes foram apresentadas. A secretária de Política para as Mulheres da Prefeitura de São Paulo, Denise Motta Dau (ex-dirigente nacional da CUT), relatou que a secretaria, criada na gestão atual, montou um centro de atendimento para mulheres migrantes que presta apoio “transversal” para as ocorrências que lá chegam. “Uma mulher que sofre violência doméstica, por exemplo, precisa de atenção jurídica, psicológica, de saúde e, se estiver indocumentada, de assistência jurídica”, explicou ela.

Conferência este ano

Paulo Illes, da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania, anunciou que a cidade vai realizar sua primeira conferência para debater políticas migratórias, no final de novembro. “Vamos debater políticas públicas para incluir e dar cidadania para essas pessoas”, disse. Ricardo Burratino Félix, da Cáritas – ligada à arquidiocese de São Paulo – contou que a entidade, especializada em prestar assistência a refugiados, atendeu 2008 casos no ano passado, em contraste com os 566 casos de 10 anos antes. Para ele, o fato de o Brasil ter se tornado referência, especialmente após a crise econômica internacional, tem influenciado esses números.

Segundo o presidente da CUT-SP, Adi dos Santos Lima, a Central passou a se debruçar sobre o tema mais atentamente em 2010, quando as comemorações do 1º de Maio tiveram como tema a integração da América Latina. “Mas o assunto entra de fato na pauta agora. Uma Central que pretende ajudar a melhorar a vida das pessoas não pode deixar isso de fora”. Para o secretário de Relações de Trabalho da CUT-SP, Rogério Giannini, o desafio é superar uma grande lacuna cultural repleta de preconceito e desconhecimento por parte de grande parte da população. Foi Rogério, por sinal, quem chamou a atenção da plateia para o preconceito embutido no termo “ilegal” e conclamou todos a trocá-lo por “indocumentados”.

Clique aqui e veja vídeo da TVT sobre o tema.

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