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Debate técnico… e conservador

No Roda Viva especial sobre saúde, partidos mostraram semelhanças – mas oportunidade talvez seja a única em que muitos temas serão abordados

Foram muitos os assuntos citados pelos participantes do programa Roda Viva de ontem (27). A edição, especial sobre saúde, convidou os coordenadores de campanha dos seis partidos melhor colocados nas pesquisas de opinião. Contudo, em meio a uma enxurrada de números e expressões pouco amigáveis para o público não especializado, a impressão é que falta política – com P maiúsculo.

Estiveram na bancada do programa: David Uip (PSDB), médico infectologista e ex-secretário estadual de saúde de São Paulo; Marcia Bandini (Rede), professora de Saúde Coletiva da Unicamp; Marco Volpe (Podemos), cirurgião cardiovascular; e Henrique Javi (PDT), secretário estadual de saúde do Ceará. Os representantes dos líderes nas preferências dos eleitores não compareceram. O PSL de Jair Bolsonaro, conforme informou o apresentador do programa Ricardo Lessa, depois de vários adiamentos, não confirmou presença.

Já a ausência do PT ganhou contornos mais controversos. No domingo, o médico e ex-ministro da saúde Alexandre Padilha anunciou nas redes sociais que iria ao programa. Na abertura, Lessa afirmou que a produção do Roda Viva pediu para que o partido indicasse outro nome, já que Padilha é candidato a deputado federal e isso feriria a lei eleitoral. Ainda segundo o apresentador, mesmo avisado, o partido teria mantido a escolha e, por isso, foi ‘desconvidado’. Já de acordo com Padilha, que foi à porta da TV Cultura, a decisão da emissora só chegou a sua assessoria por e-mail às 19h. “Essa justificativa de que não posso participar porque sou candidato não se sustenta. Poderiam ter chamado um monte de quadros que temos para falar de saúde. Não faltam pessoas”, afirmou o ex-ministro em uma transmissão ao vivo, da porta do prédio da Cultura. Já na página do programa no Facebook, usuários inundaram a caixa de comentários com acusações de censura. E chamaram o Roda Viva de “Roda Morta”.

Mas voltando ao debate, o Outra Saúde assistiu e resume para você o que os representantes do PSDB, Podemos, PDT e Rede defenderam.

Os destaques dos programas, segundo os partidos

A primeira a falar foi Márcia Bandini, que começou comparando pesquisas que demonstram que, por um lado, a saúde é a principal preocupação dos eleitores. E, de outro, que quase 60% dos brasileiros considera o sistema de saúde ruim. O SUS, disse, é o foco principal do programa. “[O Sistema Único] ia ser mais simpático se fosse chamado de universal. O caráter universal é o que o move”, disse, para emendar que há uma confusão em se pensar que só países ricos podem ter sistemas de saúde universais. “Embora a equação entre investimento e tamanho da população deva ser considerada”, acrescentou.

De acordo com ela, os cinco pilares do programa são: garantir que a atenção básica ordene o sistema de saúde, cuidando para que seja tanto a porta de entrada do usuário quanto o lugar para onde ele volta se precisar ser referenciado para níveis de atenção mais complexos. E prometeu que o patamar de 63% de cobertura será estendido a 80% até 2022.

O segundo pilar, disse, é uma gestão mais eficiente do sistema com “mais tecnologia, transparência” e participação dos cidadãos. “E uma dose de ousadia para que se consiga colocar em prática a regionalização.” O partido promete se empenhar para que as mais de 400 regiões de saúde do país funcionem, integrando os diversos municípios.

Em terceiro lugar, citou “financiamento” – sem dar detalhes. O próximo da lista foi a “saúde do futuro”: envelhecimento, tripla carga de doenças, com coexistência de enfermidades infecciosas emergentes e reemergentes e crônicas; além da violência expressa por mortes ou lesões. Em quinto, citou sem explicar direito, os medicamentos de média e alta complexidade.

Já David Uip começou repetindo que Geraldo Alckmin “é médico” e, por isso, o programa foi submetido a ele. “Entendemos que o SUS é o maior programa de inclusão do mundo”, afirmou, para completar: “Mas a saúde se divide com a saúde suplementar que cobre 47,1 milhões de brasileiros. E integração é um dos pontos fundamentais do programa, através da informatização do sistema”, anunciou.

Ele observou que apesar de fundamental, a atenção básica não é tão resolutiva quanto poderia ser, e apontou como solução a atuação das equipes multiprofissionais e a organização em redes de atenção.
O ponto principal, segundo ele, é o subfinanciamento do sistema. Entre 2012 e 2017, o governo federal teria retraído sua participação em 17,5%. Em segundo lugar, vem a gestão para dar conta de integrar e homogeneizar os serviços em um país onde 80% das cidades têm menos de 30 mil habitantes. Na sequência, combater o “desperdício” – tanto a corrupção quanto a incompetência. E citou o relatório do Banco Mundial – muito mencionado: “Acho que é subestimado o número [do BM] de que R$ 22 bilhões são perdidos, mas entendendo que o orçamento este ano é de R$ 131 bi estamos falando de quase 20%.” Por fim, o combate a judicialização foi destacado. “Custou aos cofres públicos R$ 7 bilhões ano passado”.

Ele definiu o programa do PSDB como “ousado” (outra palavra muito usada ontem). “Pretende enfrentar os grandes desafios. Um deles é o financiamento, teremos dificuldades nos próximos dois anos. O PSDB entende que há um déficit primário a ser resolvido”.

Para Marco Volpe, do Podemos, a “nação” vive momentos difíceis graças ao subfinanciamento da saúde e aos desvios. Ele listou tópicos do programa do partido. “Faltam médicos no Brasil? – ou se distribuem mal os médicos que temos aqui?”, apresentou, e informou que o partido se inclina para a segunda opção. Criticou o que chamou de “política indiscriminada” de abertura de faculdades de medicina, citando que no primeiro semestre, o Ministério da Educação decretou uma moratória de cinco anos na abertura de cursos. Também citou o custo das faculdades privadas, “alarmante”.

“Outro clamor é a demora nos atendimentos e procedimentos do SUS, a falta de leitos”, disse, defendendo a ‘recuperação’ de Santas Casas e hospitais filantrópicos, mas também a construção de hospitais. “Só 10% dos municípios do Brasil têm hospital com UTI; ou seja, só 500 cidades têm uma UTI”.

Para ele, é “claro” que faltam recursos na saúde, mas o foco é na gestão. “Não adianta colocar muito dinheiro sem gestão porque vai para o ralo. Primeiro a lição de casa, que é utilizar bem o pouco que temos”, disse.

Citou como problema da saúde infantil, a obesidade e o sobrepeso; da saúde mental, “a drogadição”; e claro três temas definidos por ele como “palpitantes”: judicialização, a máfia das próteses e órteses e a implantação de uma tabela única de pagamentos para o setor público e o privado.

Já Henrique Javi, do PDT, destacou que o presidenciável Ciro Gomes foi secretário de saúde do Ceará. “Foi meu antecessor. O Ceará funcionou como local para experimentar situações fazendo que mesmo com crise política e econômica pudéssemos avançar”. Segundo ele, o programa da saúde também conversa com uma das principais propostas do candidato, que é a revisão do pacto federativo, “para que o governo federal seja o condutor da política no país”. E perpassa o fortalecimento da atenção primária. “Mas não de forma vaga, mas com linhas de cuidado muito determinadas: materno-infantil, saúde mental e doenças crônicas, de modo que possam ser resolvidas ainda na atenção básica.” Defendeu a padronização de protocolos e ações em todo o país.

Segundo ele, a “má visão” que a população tem do SUS passa por falhas no atendimento de emergência. Citou uma mudança feita no Ceará, que implementou uma política de atenção às condições agudas e no Serviço de Atendimento às Urgências (Samu) implantou linhas de cuidado para infarto e AVC. “Um ano após implantado o sistema de trombólise em 70% das ambulâncias do estado, houve redução de 40% do infarto agudo do miocárdio”, afirmou.

Em relação ao financiamento, sua posição foi diferente dos demais participantes. “Temos 200 milhões de habitantes e e gastamos pouco mais de R$ 1 mil per capita ao ano com saúde. Como faz da vacina até o transplante cardíaco? Como faz? É necessário desenvolver um padrão. Concentrar nosso esforço no tema saúde, e não na doença. Mais prevenção e promoção como bandeira”.

Gestão das filas

Perguntados sobre o que os partidos pretendem fazer para diminuir as filas no SUS, os coordenadores das campanhas deram diferentes soluções. Para Marcia, trata-se de um problema de curto, médio e longo prazo que pode ser atacado com regionalização, mapeamento dos vazios assistenciais e tecnologia. “Marcar consulta por telefone e internet”, exemplificou.

Já David Uip disse que as filas “não são verdadeiras” porque as pessoas acabam buscando o mesmo procedimento em vários pontos da rede. “A proposta são mutirões para cirurgia eletiva”, afirmou.

Volpe, do Podemos, afirmou que o Ministério da Saúde deixou de investir nos últimos 15 anos cerca de R$ 10,6 bilhões anuais e que é preciso discutir um novo patamar de financiamento para que se fortaleçam investimentos nos hospitais públicos e filantrópicos.
Para o coordenador do PDT, “fila não se acaba, se gerencia” e as diferentes unidades precisam cumprir seu papel, com as policlínicas como solução de “meio de caminho” para gerenciar a espera.

Financiamento

Numa sequência de perguntas e respostas entre dois participantes, David Uip quis saber a solução da Rede para o financiamento: “A EC 95 criou o teto ou o piso – cada um entende de um jeito. Nos anos que se seguem terá que haver adequação das contas públicas. O que o partido pretende fazer em termos de financiamento de um sistema subfinanciado?”, perguntou.

Márcia Bandini devolveu com uma alfinetada: “É natural que o PSDB, que votou fechado pela EC 95, entenda que a defesa é manter a austeridade, que já vem mostrando os resultados, e sem responsabilidade social custa vidas.” Ela afirmou que a posição do partido é rever a política de isenções. “Só em 2017 o Brasil deixou de arrecadar R$ 354 bilhões com isenções fiscais – em dez anos de CPMF, de 1997 a 2007, foram arrecadados R$ 223 bilhões”, comparou, citando que o gasto em saúde está “em torno” de 9% do PIB, mas só metade disso vai para o setor público. “A metade vai para 75% [da população] enquanto a outra vai para 25% [com plano de saúde].

A solução dela, contudo, foi um malabarismo bastante complicado. “Como faz isso? Com parcerias, inclusive com a iniciativa privada”. E fez uma comparação para lá de simplista: “Hoje, a relação [público-privada] está mais para ciúme do que para um casamento de amor. Temos que investir em parcerias e em casamento de amor. Precisamos de uma mobilização de todos juntos pela saúde. Não posso mais separar isso. São brasileiros”, disse, explicando que este é o pacto social que havia mencionado antes.
Uip rebateu que Alckmin foi um “governador austero” e que, por conta da crise econômica, entre 2014 e 2017 a saúde recebeu R$ 26 bilhões a menos, mas afirmou que nenhum serviço foi fechado, nem houve atraso de pagamento de salários. “Inauguramos 13 hospitais, e mais três vão ser inaugurados; [abrimos] nove AMEs +, que fazem procedimentos diagnósticos e cirúrgicos, desafogando sistema na atenção básica e na média e alta complexidade. Fizemos isso com parcerias”, disse.

E listou as parcerias de desenvolvimento produtivo (PDPs) dando como exemplo o Instituto Butantã e seu acordo com empresas privadas, as parcerias público-privadas de dois hospitais – Sorocaba e São José dos Campos – e uma terceira parceria com o Bando Interamericano de Desenvolvimento (BID) de R$ 826 milhões para investir em 165 unidades de saúde. “A despeito da crise e do rigor fiscal conseguimos produzir”, afirmou.

Pegando carona no assunto, Marco Volpe citou dados do relatório do Banco Mundial e afirmou que a projeção para o gasto em saúde no país em 2030 é de R$ 701 bilhões por ano. “E se nós trabalharmos a eficiência com a rede, poderíamos ficar em R$ 585 bilhões por ano, uma economia de R$ 115 bi. Como nos faremos isso? Com a EC 95, perderemos R$ 743 bilhões, segundo os cálculos do Ipea. Temos que investir na eficiência do SUS”, defendeu. Para completar: “A gente quer dar tudo para todos?”, disse, afirmando que na Inglaterra o sistema nacional de saúde não cobre saúde bucal.

Voltou a defender a integração da atenção básica com os demais níveis de cuidados e que não haja mais indicação política para os cargos de gestão no SUS. “Muito do que se perde é porque os gestores não são da área.”
Coube à Henrique Javi, do PDT, o contraponto: “Desde a década de 1970 a gente costuma dizer que pode se fazer mais com menos. Na saúde não é bem assim. Temos que fazer na medida certa. A lógica da EC 95 perverte o maior beneficio social da população brasileira”, disse, em referência ao SUS.

Ele defendeu que a eficiência seja pensada olhando não apenas para a saúde, mas para um conjunto de setores que acabam tendo impacto nos custos do SUS. “Temos uma legião de acidentados nesse trânsito caótico, não vai ser fazendo mais hospitais que vamos resolver. A proposta é discutir saúde de forma mais ampliada, e saber em que segmentos vamos trabalhar para que a saúde não seja a vilã da história A emergência lotada [é a vilã] quando a causa [do problema] não está sendo acessada. Isso precisa ser compreendido senão não há recurso que chegue.”

Javi deu como exemplo o mapeamento de regiões de Fortaleza que detinham as piores taxas de acidente de trânsito, de modo que mais guardas foram deslocados para lá. “Houve uma redução de 35% [de acidentados] no grande hospital de trauma na capital. O experimento precisa ser pactuado entre os diversos entes [governamentais], senão fica a cargo do gestor de plantão”.

Importância do SUS, e de todo o resto

Para o secretário estadual de saúde do Ceará, apesar de o SUS criado há 30 anos não ser o SUS real, o brasileiro não percebe os benefícios do sistema. “Em 1970, a expectativa de vida era de pouco mais de 40 anos, hoje praticamente dobrou. Ninguém vai discutir que saúde não tem preço. A doença tem um custo alto e a lógica do PDT é tirar da doença e levar para a saúde”, disse.

Para a representante da Rede, a expectativa de vida aumentou por conta do SUS, mas também graças ao crescimento econômico. “Melhora da renda e das condições de vida e de trabalho são fundamentais para viver mais. Não somos economistas mas precisamos entender que esse país precisa de uma recuperação na economia”, concluiu Marcia.

Gestão

Ela também defendeu que se faça um concurso para as mais de 400 regiões de saúde tenham gestores profissionais. “Não podemos ter indicações políticas. Precisamos dar uma de Inglaterra”.

Já David Uip falou que há muita rotatividade nos cargos de gestão. Segundo o ex-secretário estadual de São Paulo, em um ano, 55% dos secretários municipais ou foram exonerados ou pediram demissão. “Isto é muito preocupante porque temos que investir na qualidade do gestor público. Um gestor que não conhece economia, etc. é complicado. E como faremos com esses 5.570 municípios para que isso não ocorra? Estabilidade passa pelo saneamento econômico”, reforçou. E completou: “Não é balela de ficar falando de que no ano que vem vai investir mais porque sabemos que não vai acontecer”.

Na seara da gestão, Marco Volpe do Podemos defendeu que se possa “conseguir dinheiro” passando serviços de prestação direta para PPPs e OSs. “Funciona bem. É claro que tem que ser periodicamente avaliado para que não haja desperdício”, disse. Na sequência, defendeu uma pauta mais comum entre quem critica o empresariamento da saúde: a revisão do status filantrópico de hospitais privados. Para ele, há a filantropia boa (“que a cada R$ 1 investido devolve R$ 5,4) e a ‘pseudofilantropia’. “Essa tira muito dinheiro. Existe uma série de balanços para comprovar que os 20% de atendimento no SUS que não existem”. Também elogiou a decisão do Supremo Tribunal Federal pela legalidade do ressarcimento dos planos de saúde ao SUS. “A dívida era de R$ 5 bilhões com o SUS. Isto não é uma fonte desprezível de dinheiro”, notou.

Ele também defendeu a revisão e a atualização periódica de procedimentos e medicamentos oferecidos pelo SUS. “Poderia reduzir a judicialização. Deixaria o gestor menos vulnerável.”

Para Javi, é preciso lembrar que cada profissional da saúde é um ordenador de despesa do SUS, ao pedir exames, por exemplo. “E se ele está desvinculado [da lógica do sistema] pode acarretar uma série de dificuldades, inclusive a judicialização.” A proposta do PDT, afirmou, é que o sistema de gestão seja participativo.

Mortalidade infantil e alcoolismo

No terceiro e o quarto blocos do programa, os coordenadores foram perguntados sobre temas específicos: mortalidade infantil e alcoolismo. Todos defenderam investimentos no pré-natal, no parto e na primeira infância.

Já em relação ao alcoolismo, Marcia defendeu que se copie o exemplo nacional de redução do tabagismo, que hoje tem uma prevalência da população com mais de 18 anos de apenas 10%, segundo o Vigitel.
Javi defendeu regular a publicidade. “Todos os estímulos à coisa que produz malefício têm que ter restrições”. Mas considerou que não dá para apenas replicar o modelo do tabaco. “Vamos envolver conjunturas econômicas, interesses para que a abordagem não seja feita de forma aparentemente irresponsável mesmo que os efeitos sejam bons. A reprodução desse modelo precisa ser bem elaborada para que a sociedade participe disso.”

Uip e Volpe defenderam comunidades terapêuticas. O último elogiou as criticadas mudanças no Conselho Nacional sobre Drogas (Conad) e na Política Nacional de Saúde Mental. “O candidato tem uma posição contrária à legalização das drogas. Estratégias não devem se basear só na redução de danos, mas suporte à abstinência”.

 

 

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