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Diretora do SinPsi, sobre câncer de mama: ‘Minha luta ainda continua’

Psicóloga e dirigente do SinPsi dá depoimento exclusivo sobre o martírio e as surpresas do cotidiano de quem tem a doença

Outubro é mês de se falar muito sobre câncer de mama. Aparecem dados apontando o aumento do número de mulheres diagnosticadas com a doença, brotam especialistas falando sobre tratamento e a importância de um diagnóstico precoce, que pode possibilitar a cura. Tudo graças à campanha Outubro Rosa, criada no EUA, nos anos 1990, com uma maratona em Nova York promovida para alarmar a população sobre a importância do diagnóstico precoce, já que se trata de um tipo de câncer cuja mortalidade está diretamente relacionada ao momento do diagnóstico.

O câncer de mama é o que mais mata mulheres no Brasil, depois do câncer de pele não-melanoma. São 25% de novos casos por ano. Segundo o Instituto Nacional do Câncer (INCA), a estimativa é de 57.960 novos casos só em 2016. Com números tão elevados, o SinPsi, por ter mais de 85% da categoria formada por mulheres, compartilha a campanha Outubro Rosa de maneira especial: o sindicato convidou a dirigente Cristiane Carneiro, psicóloga de trânsito, diagnosticada há 1 ano e 3 meses com câncer de mama, para contar sua experiência.

No depoimento que você lê abaixo, Cris conta, com tom leve, os percalços de conviver com a doença e os tratamentos.

“Sou Cristiane, psicóloga, tenho 52 anos e descobri um caroço no seio em um dia qualquer, num toque despretensioso. E logo vi que aquilo não pertencia ao meu corpo anteriormente. Isso foi muita sorte! Foi então que entendi que conhecer o próprio corpo é fundamental, bem como fazer o autoexame regularmente.

Uma vez levantada a suspeita, parti para a saga: mamografia, mastologista, oncologista, cirurgiões. Tudo acontecendo de maneira rápida, o que me possibilitou o tratamento e a retirada de dois pequenos tumores malignos, diferentes, na mesma mama (bingo!). Não bastaria um, eram dois tumores, e um deles muito invasivo.

Não é fácil receber a notícia do diagnóstico positivo e aceitar a forma de tratamento. Aliás, nunca o tratamento segue o que foi dito na primeira vez. As biópsias, tomografias e os demais exames fazem com que, no decorrer do tratamento, surpresas apareçam. A ideia é não desanimar, pois o foco é a cura!

Aliás, uma dica: se acaso receber um diagnóstico de câncer de mama, deixe o choro vir, pode chorar bastante… mas logo em seguida pense na doença como outra qualquer e inicie logo o tratamento. Para mim funcionou e foi mais fácil. Encarei bem o que estava por vir. E quando me perguntei “por que comigo?”, me dei conta, logo no início do tratamento, de que não tem a ver com castigo ou algo parecido. Não era um privilégio meu! É inacreditável o número de pessoas com câncer de todos os tipos!

A cirurgia

Submeter-me a uma cirurgia fez com que eu me afastasse de minhas atividades cotidianas, o que até foi bom, para dar uma desacelerada. Mas fiquei impedida de dirigir e precisei ter sempre alguém à disposição para ir e vir das consultas, que são muitas. Tentei aproveitar o momento para curtindo o carinho dos amigos e da família. Família é essencial para a fé de que tudo vai passar.

Autoestima e autoimagem

Alguns tumores necessitam de mastectomia total – a retirada de todo o seio. Foi o meu caso. Ganhava eu um novo corpo. E acredito que fazer a reconstrução junto com a cirurgia seja a melhor opção. O implante ajuda muito na recuperação da autoestima e nem é preciso comprar novas roupas, caso muitas sejam decotadas (pelo menos não por esse motivo!). Mas isso varia de mulher para mulher. Em meu novo círculo social, conheci algumas que optaram por não colocar prótese alguma e assim seguem bem.

A quimioterapia

Apesar de eu não ter tido os efeitos colaterais de enjoo e ter retornado parcialmente às atividades, ainda assim a quimioterapia foi a parte mais difícil desde o diagnóstico. Pela queda do cabelo e da sobrancelha, pela perda do paladar e do sono, além de um cansaço indescritível. Cada dia é uma novidade. Chega a ser engraçado… e são coisas que ninguém conta que vão acontecer.

Num dia eu acordava com a visão turva, no outro com neuropatia das extremidades (perda da sensibilidade nas pontas dos dedos dos pés e das mãos). Na verdade, a neuropatia ainda ocorre, mas o ser humano se adapta a tudo, não é mesmo? 

Há dias em que as pernas estão fracas e pesadas. Em outros momentos, sofríveis para mulheres boas de garfo, pois tudo o que se come tem um gosto horrível. Isso sem falar na perda de saliva, o que me impede de fazer grandes discursos. Sabe aquele almoço de domingo, que, se você não estiver cansada, fica uma delícia, preparado com carinho? Pois é. Eu não comia nada! Me restringi a muito chá e água, muita verdura e comidas saudáveis, mesmo assim sentindo um péssimo sabor. Acredite! Somente depois de um mês da última dose de quimioterapia, o paladar volta. E eu adorei voltar a comer e a engordar.

O espelho, nesse momento, não é tão agradável, já que, sem cabelos e sem sobrancelhas, muitas vezes não me reconheço no rosto que vejo. E quando encontro outra companheira de tratamento parecemos irmãs gêmeas. Ah… os cabelos são muito importantes, pelo menos para mim. Lenços e chapéus se tornam armas indispensáveis nesse momento para quem não se sente à vontade de sair careca na rua. E veja que legal: existem sites que ensinam a fazer maquiagens que ajudam a suprir a falta das sobrancelhas e a cor da pele.

A imunidade

Para quem está em tratamento de câncer, o contato com a pessoas passa a ser um fator preocupante. A imunidade do organismo fica tão baixa, que contato com pessoas doentes pode ser um perigo. Então, passei a fazer uma triagem das visitas: gripados nem pensar, locais com muita aglomeração de gente também não, e por aí foi.

Nos horários de pico, peguei metrô algumas vezes de máscara e chapéu, por pura prevenção e também por estratégia: de máscara, certamente as pessoas cedem o lugar e evitam se sentar perto de mim. Garantia de viagem tranquila.

Consequentemente, a vida social fica bastante comprometida durante esse processo. Mas é uma alegria quase que infantil quando posso retornar aos espaços públicos.

Tamoxifeno

Esse medicamento de nome horrível ajuda no tratamento, mas também age como sonífero nos primeiros dez dias.

Como já ficou claro, nada do tratamento é fácil, por conta do tempo longo de adaptação do organismo. Mas é possível lidar tranquilamente com a situação, desde que se mude a perspectiva de vida e de ritmo. Agora eu só vou até onde é possível. A frase “tenho que fazer” saiu do meu vocabulário. Uma nova visão se apresenta: o amanhã é hoje.

O SUS tem por obrigação acelerar as consultas e exames para um diagnóstico rápido. Fiz e ainda faço, com exceção da mamografia, meu tratamento pelo Instituto do Câncer do Estado de SP (ICESP) e só tenho elogios a fazer. Lá são oferecidos acompanhamentos com psicólogos, terapeutas ocupacionais, fisioterapeutas, nutricionistas e assistentes sociais.

Por fim, vale ressaltar que existem cartilhas com leis e direitos assegurados pela Constituição Federal para pacientes com câncer de mama. Uma delas é encontrada no site www.artedeviverbem.org.br.

Gostaria de dizer que, sim, é possível vencer o câncer quando diagnosticado no início. Acreditar na melhora é o principal! Minhas irmãs no câncer e eu somos fortes nessa luta. É muito importante desacelerar e valorizar o que de fato tem importância na vida. Precisamos torcer para que tratamentos menos invasivos sejam descobertos e focar só na cura.

Minha luta ainda continua. Agora vem a radioterapia e espero em outra oportunidade poder falar sobre essa nova etapa do tratamento.”

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