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Em seu aniversário de 27 anos, ECA passa por grandes desafios

Redução da maioridade penal e combate a discriminação de gênero  são os principais debates em torno do Estatuto; diretora do SinPsi denuncia “desmanche” nas políticas de proteção à criança e adolescente  

No dia 13 de julho de 1990 foi aprovado o Estatuto da Criança e do Adolescente no Brasil. Na esteira da nova Constituição Federal, aprovada em 1988, a lei seria um reflexo de um novo país que se democratizava. 

De lá pra cá 27 anos se passaram e diversas novas pautas vieram a se somar no ECA pelos direitos da criança e do adolescente no país. A chamada Lei da Palmada, aprovada em 2014 e que prevê punição aos pais que aplicarem castigos físicos nos filhos, é uma delas.

A diretora do SinPsi Maria Helena Machado reforça que o nascimento do estatuto foi muito importante para que crianças e adolescentes pudessem ser considerados, de fato, sujeitos de direitos e protagonistas da sua própria história. “Se ver como sujeito de direitos é poder exigir educação, saúde, moradia; isto tem a ver com melhor distribuição de renda e igualdade social. Investir em ações que tratem a criança e o adolescente como um igual nos tornará uma sociedade mais humana, um povo melhor”, disse.

Redução da maioridade penal

Uma das grandes polêmicas recentes envolvendo essa parcela da população são os projetos que visam diminuir a maioridade penal dos atuais 18 para 16 anos. Em 2015, o então presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha (PMDB-RJ) realizou uma de suas manobras legislativas para colocar aprovar o texto da emenda 171, que reduziria a maioridade penal em alguns casos. O texto foi aprovado na Câmara, mas foi arquivado no Senado no dia 1o de junho de 2016.    

Na época da tramitação do projeto, a Organização das Nações Unidas publicou um estudo intitulado “adolescência, juventude e redução da maioridade penal” em que se posiciona contrária a redução da maioridade penal no país.

“Se as infrações cometidas por adolescentes e jovens forem tratadas exclusivamente como uma questão de segurança pública e não como um indicador de restrição de acesso a direitos fundamentais, o problema da violência no Brasil poderá ser agravado, com graves consequências no presente e futuro”, apontou.

Angela Aparecida dos Santos, que faz parte da direção do SinPsi e trabalha há dez anos com jovens autores de ato infracional, aponta que, apesar dos avanços socioeducativos nos últimos 27 anos, há uma tentativa de desmanche nos direitos sociais das crianças e adolescentes e que a psicologia tem muito a contribuir para esse tema.

“Nem conseguimos ainda a implantação efetiva do estatuto, apesar dos seus 27 anos, estamos vivendo um desmanche nos dispositivos legais da Proteção integral à criança e adolescente. A sociedade carece de informações a respeito deste tema porque, ao que parece, existe uma percepção social reforçada pela mídia tradicional que não há a devida responsabilização destes jovens, bem como responsabilizando-os pelo aumento da violência”, criticou.

Leia no final da matéria um depoimento pessoal de Santos, em um atendimento a um jovem autor de ato infracional dias antes de uma rebelião

Combate à homofobia nas escolas

Um outro grande desafio colocado nos últimos tempos as políticas de crianças e adolescentes é a da homofobia nas escolas. Na época em que o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad era ministro da educação, se tentou colocar um programa anti-homofobia nas escolas do país, porém o projeto foi duramente criticado por setores conservadores e pela imprensa, no que ficou conhecido como o “kit gay”.

O diretor de comunicação do SinPsi e militante LGBT Douglas Willian Vicentin alerta que, apesar de ser um instrumento poderoso na defesa dos direitos da criança e do adolescente, ele precisa avançar na questão da inclusão.

“Precisamos avançar em políticas públicas que auxiliem a aplicabilidade desses direitos, como ocorre na população LGBT dentro das escolas, onde 87% da comunidade escolar tem algum grau de homofobia e 60% dos professores apontam não ter base para lidar com a diversidade sexual e de gênero”, explicou.
 
Leia abaixo na íntegra o depoimento de Angela Santos sobre um atendimento a um jovem autor de ato infracional dias antes de ocorrer uma grande rebelião

“Gostaria de contar um caso da minha prática, para dizer que jovens não são apenas números, têm uma história de vida permeada de privações não apenas da liberdade. O atendimento se inicia assim, e agora para onde vamos? Alguns dias antes de acontecer uma grande rebelião, durante atendimento a um jovem que já estava há mais de um ano privado de liberdade. Apresentava uma fragilidade egoica, com histórico de abandono, sem devido respaldo familiar, sua genitora havia falecido vítima de HIV (segundo jovem ela era profissional do sexo), pai ignorado, com histórico de incesto familiar, déficit cognitivo, transtorno de hiperatividade, passagens por vários abrigos, usuário de múltiplas drogas e sem contato com seus familiares.

Após esta indagação o jovem permanece em silêncio o resto do atendimento, sua mudez tem significados que não consegui decifrar. Naquele momento, busco outras formas de interação, mas sem êxito. Saio de férias, encaminho este jovem para outra colega, ele, no entanto, não comparece aos atendimentos e em seguida acontece a rebelião. O jovem desagrega e é transferido para um equipamento de saúde mental. Após sua internação buscamos algum equipamento de abrigo com cuidados em saúde mental. Continuo a minha reflexão com a mesma indagação, para onde vamos?

 

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