Prefeito confirma que prefeitura não foi informada da investida do Denarc na região. Secretário acredita que ação pode comprometer programa Braços Abertos, baseado em confiança
São Paulo – O prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT), classificou como “lamentável” a ação da Polícia Civil hoje (23) na região conhecida como “cracolândia”, no bairro da Luz, onde o poder municipal – em convênio declarado com o federal e o estadual – desenvolve um programa de recuperação de usuários de crack. Por volta das 16h, policiais do Departamento Estadual de Prevenção e Repressão ao Narcotráfico (Denarc) chegaram ao local agredindo quem estava na rua, além de atirar bombas de gás lacrimogêneo e balas de borracha. O Denarc afirmou que a violência foi resposta à resistência encontrada para prender um traficante.
“Todas as ações naquela região estão sendo pactuadas com o governo do Estado, mas essa ação não foi pactuada com o governo municipal. O governo municipal não tinha o menor conhecimento do que ocorreria ali. Se tivéssemos tomado conhecimento não concordaríamos com a maneira como foi procedido”, disse Haddad, durante entrevista coletiva.
Além de usuários de drogas, estavam no local agentes de saúde, jornalistas e o secretário municipal de Segurança Urbana, Roberto Porto. “Eu liguei para o governador (Geraldo Alckmin), expus a ele a situação. Inclusive dos agentes da municipalidade que atuavam lá, o próprio secretário Porto estava lá e foi objeto da ação como todos, não só presenciou, mas foi vítimas de uma ação desnecessária e não pactuada. O que nós cabe nesse momento é manifestar nossa indignação e reafirmar nosso compromisso com o programa”, afirmou.
Porto estava no local ao lado de policiais militares aguardando representantes do Ministério Público e relatou houve um pequeno tumulto quando um carro do Denarc. Meia hora depois de a viatura ter deixado o local, outras dez fecharam a rua. “E aí fizeram uma incursão desastrosa, com bombas de gás lacrimogêneo e balas de borracha”, descreveu.
Em nota, a prefeitura afirmou que “repudia esse tipo de intervenção, que fez uso de balas de borracha e bombas de efeito moral contra uma multidão formada por trabalhadores, agentes públicos de saúde e assistência e pessoas em situação de rua, miséria, exclusão social e grave dependência química”.
Para o secretário da Coordenação das Subprefeituras, Chico Macena, a ação pode comprometer o programa, cujo principal trunfo foi ter conseguido travar um diálogo e obter a confiança dos moradores de uma favela instalada em julho na região e removida sem resistência durante a operação. “Esse tipo de ação pode comprometer essa relação de confiança que foi estabelecida ao longo desses meses. E isso nós não podemos permitir”, disse.
O secretário enfatizou que a metodologia adotada na Braços Abertos não pressupõe o uso da violência e apontou diferença em relação a operações anteriores encabeçadas pelo governo estadual e o ex-prefeito Gilberto Kassab (PSD). “Não mediremos esforços para que a gente tenha uma política diferenciada do que foi feito até hoje na perspectiva da recuperação dos usuários de drogas e a cidade não tenha de conviver com aquelas cenas que a gente viveu alguns meses atrás. Com a população perambulando pela cidade, vulnerável e a mercê desses traficantes.”
Questionado se acreditava que a ação havia sido um boicote do governo do tucano Geraldo Alckmin à ação petista que vem sendo bem avaliada, Macena disse apenas: “O que queremos acreditar e reafirmar é que essa parceria continue. Que os procedimentos todos possam ser pactuados com a prefeitura e quando houver algo que fuja do que foi pactuado a prefeitura possa ser informada”.
A prefeitura pretende continuar com as atividades que estavam planejadas. Amanhã, as pessoas que aderiram ao Braços Abertos devem receber o primeiro pagamento pelos serviços previstos no programa, no valor aproximado de R$ 135.
O projeto inclui três refeições gratuitas por dia e a contratação para serviço de varrição de rua e zeladoria com carga de quatro horas diárias, mais duas de qualificação e salário de R$ 15 por dia de trabalho. A operação era bem avaliada pela gestão Haddad, que esperava mais dificuldades do que as surgidas até agora. Diariamente, os secretários responsáveis pelo trabalho têm feito vistorias no local.