Nada poderia ser mais simbólico para determinar a distância entre o Congresso Nacional e as ruas. Nesta terça-feira (14), dia em que os movimentos sindical e sociais foram ao parlamento entregar o resultado do Plebiscito Popular por uma Constituinte Exclusiva e Soberana do Sistema Político aos deputados, acabaram barrados.
Delegações que viajaram até 12 horas tiveram que aguardar sob um sol de 35º C o presidente da Câmara, deputado federal Henrique Alves (PMDB-RN), decidir sobre a entrada, que acabou deixando de fora cerca de 500 dos 800 manifestantes que estiveram na Câmara.
Somente com a pressão dos militantes que conseguiram entrar e resolveram permanecer na Casa até que cada companheiro pudesse ingressar, as portas foram abertas e os manifestantes puderam celebrar uma vitória simbólica na defesa de mais transparência e menos autoritarismo e truculência dos servidores surdos aos movimentos sociais.
“Mas vocês brigaram para entrar e logo depois vão sair? Sim, porque nós lutadores do povo somos assim, quando presenciamos um “não” à democracia. Da mesma forma, mesmo com a composição piorada desse Congresso, vamos arrancar uma proposta de plebiscito pela Constituinte Exclusiva e fazer a reforma política”, afirmou Ricardo Gebrim, integrante do comitê nacional da campanha pela consulta popular, no encerramento da mobilização.
Presidente assume compromisso
Dentro da Câmara, com um dos auditórios tomado por cerca de 150 que conseguiram passar pela segurança do Congresso, os movimentos que compõem a operativa do plebiscito entregaram o resultado da votação em audiência fechada com Henrique Alves.
O presidente da Casa assumiu o compromisso de organizar uma reunião após as eleições entre o colégio de lideres dos 22 partidos da Casa e a organização da campanha para que apresente a proposta.
O encontro contou também com os deputados Ságuas Moraes (PT-MT), Padre João (PT-MG), Paulo Teixeira, Paulo Rubem (PDT-PE) e Afonso Florence (PT-BA), Renato Simões (PT-SP), Fernando Ferro (PT-PE), Vicente Candido (PT-SP), Amauri Teixeira (PT-BA), Elvino Bohn Gass (PT-RS), Janete Pietá (PT-SP), Luiz Erundina (PSB-SP), Chico Alencar (PSOL-RJ), Ivan Valente (PSOL-SP) e Paulo Rubem (PDT-PE)
Paralelo a isso, os movimentos se dividiram para coletar assinaturas dos os deputados federais para o Projeto de Decreto Legislativo (PDL), de autoria de Simões e Erundina, que convoca o plebiscito oficial. Para que vá ao plenário são necessárias assinaturas de 172 deputados, o equivalente a um terço da Câmara, e 144 já foram recolhidas.
Além do Legislativo e de ouvir da presidenta Dilma que irá empenhar-se para aprovar o plebiscito num eventual segundo mandato, as organizações da campanha também entregaram o resultado da votação ao secretário-geral da Presidência do Supremo Tribunal Federal (STF), Manoel Carlos Neto, que se comprometeu a entregar ao presidente Ricardo Lewandowiski.
Como reagir
Pela manhã, durante debate que abriu o segundo dia da 5ª Plenária Nacional da Campanha pelo Plebiscito Constituinte, o diretor do Diap (Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar), Antônio Queiroz, o Toninho, apontou que o Congresso será o mais conservador desde 1964.
Cresceram as bancadas militar (25%), evangélica (14%) e ruralista (30%). Já a sindical caiu 55%. O número de partidos na Câmara também aumentou de 22 para 28, a maior pulverização da história. No Senado, houve a entrada de nomes, segundo definiu, “empenhados em combater as boas causas”, como Tasso Jereissati (PSDB-CE) e José Serra (PSDB-SP).
Para ele, temas como a descriminalização do aborto e da maconha, a união homoafetiva e o estatuto do desarmamento sofrem grande risco de retrocesso. Outra possível dificuldade é o avanço do negociado sobre o legislado, em relação às leis trabalhistas, e a regulamentação da terceirização em bases precarizantes.
“Depende de quem presidirá o Brasil”, disse Toninho sobre a regulação do trabalho terceirizado. “Se for a Dillma, pode vetar, forçar negociação. Se for Aécio, não tenho dúvida que o cenário será de grande flexibilização”, disse.
Diante desse cenário, Toninho acredita que há três caminhos a seguir. O primeiro é uma renovação na visão da esquerda e da centro-esquerda para a escolha de candidatos. Para ele, escolher candidaturas que chamem votos sem preocupação de ideia e ideologia, em detrimento de quadros mais ligados às bases é um erro, inclusive, porque esses parlamentares fogem do barco quando aparece uma crise e se aliam ao outro lado.
O segundo é a pressão e vigilância constante dos movimentos sociais para dar base à bancada eleita e impedir retrocessos.
E o terceiro é o plebiscito da reforma política. “Precisamos fazer a mudança para garantir minorias no parlamento”, defendeu.
Política é o caminho
Secretário de Movimentos Sociais do PT, Bruno Elias, apontou ainda o caráter educativo do plebiscito ao pautar os candidatos, inclusive à presidência, e obrigar um posicionamento, além de fazer a defesa da política em um momento em que parte da juventude é cooptada por setores conservadores.
Ele comparou ainda as propostas de reforma política de Dilma e Aécio. A primeira defende o fim do financiamento empresarial, a paridade entre homens e mulheres na escolha dos candidatos pelos partidos, o fim das coligações proporcionais e a consulta popular para reforma política.
O segundo, unificar o calendário eleitoral, o fim da reeleição, o mandato de cinco anos e o voto distrital misto que, de acordo com Elias, historicamente esteve a serviço da diminuição da representatividade política de setores como mulheres e trabalhadores na disputa, impondo um caráter elitista às eleições.
Também para ele não há saída sem uma transformação que venha de baixo para cima. “Com esse Congresso e sem mobilização não vamos viabilizar o conjunto de mudanças estruturais que defendemos historicamente, como a reforma agrária e da comunicação”, afirmou, acrescentando que os comitês criados nos estados durante a campanha pelo plebiscito devem ser mantidos.
Ao lembrar que os meios de comunicação silenciaram sobre o debate a respeito da consulta popular, a secretária da Comunicação da CUT, Rosane Bertotti, defendeu que a democratização da mídia seja prioridade. “A Dilma já falou sobre regulação econômica dos meios de comunicação, mas queremos também o respeito à diversidade cultural, de raça, a juventude na programação e o respeito à produção regional”, defendeu.
Diretor Executivo da Central Júlio Turra lembrou que não há mudanças sem começar pela reforma política. “A única forma de combater a corrupção é destravar os bloqueios para as reformas de fundo que o Brasil exige dando voz ao povo.”