Em entrevista ao “The Intercept Brasil”, ex-presidente afirma que Sérgio Moro é “subproduto da Rede Globo”. Sobre Bolsonaro, cita Mia Couto: “em tempo de terror, escolhemos monstros para nos proteger”
Em entrevista de uma hora ao jornalista Glenn Greenwald, do The Intercept Brasil, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva respondeu perguntas sobre o governo Bolsonaro, política internacional, o processo que o levou à prisão em Curitiba – onde está há quase 14 meses –, a esquerda na América do Sul e política nacional, entre outros temas. Questionado sobre o papel do atual ministro da Justiça, Sérgio Moro, no processo que culminou com seu encarceramento e a ascensão do ex-juiz ao atual governo brasileiro de extrema-direita, Lula disparou: “o Moro é mentiroso, o Moro é um subproduto da Rede Globo de Televisão e dos meios de comunicação”.
Segundo ele, o ex-juiz “visitou todos os meios de comunicação antes de começar a operação Lava Jato”. O petista lembrou que Moro escreveu um artigo (publicado em 2004) em que defendia o apoio da mídia para garantir apoio da opinião pública às ações judiciais, citando como exemplo a operação “Mãos Limpas” na Itália, nos anos 90.
Ele mencionou o acordo da Lava Jato no Departamento de Justiça (DoJ) dos Estados Unidos, que desviou para a própria força-tarefa R$ 2,5 bilhões que seriam destinados a criar um fundo, considerado ilegal por inúmeros advogados. O acordo teria sido assinado pelo procurador Deltan Dallagnol, que ficou conhecido por apresentar as provas do PowerPoint.
“Depois, saiu uma matéria com autorização, assinatura do senhor Moro, autorizando mais R$ 6,8 bilhões da Odebrecht, feito aqui no Brasil. E nós sabemos que tem acordo de dinheiro para a Lava Jato em várias outras empresas que agora eles não estão permitindo que se tenha acesso aos números”, disse Lula. Ele acrescentou: “quando alguém faz um acordo desse e quer pegar R$ 2,5 bilhões ou R$ 13 bilhões ou R$ 6 bilhões, essa pessoa está construindo uma máquina política, está formando uma quadrilha”.
Para Lula, “um juiz que depende da imprensa para condenar não é juiz”, mas não apenas Moro o responsável pelo esgarçamento do sistema jurídico do país e por sua própria situação: “vou dizer aqui para você em bom som: ele é mentiroso, o delegado que fez o inquérito meu do apartamento é mentiroso, o TRF4 mentiu ao meu respeito”.
Porém, o magistrado de Curitiba se compromete por suas palavras, na opinião do petista. “Quanto mais ele falar, mais ele vai se comprometer. Ele não nasceu para fazer algo além de ler o Código Penal”.
Perguntado por sobre os motivos do crescimento de governos de extrema-direita na América do Sul, ele citou uma frase do escritor moçambicano Mia Couto: “em tempo de terror, escolhemos monstros para nos proteger”. Na opinião do entrevistado, além do ódio criado nas sociedades, como no Brasil, e das mentiras veiculadas por meio de fake news, são causas dessa ascensão o desemprego, a desesperança e o “discurso do Estado nacional forte”.
Ele lembrou o período na América Latina quando se disseminaram governos de centro-esquerda a partir do início do século 21, como na Argentina (com Néstor e Cristina Kirchner), Bolívia (Evo Morales), Venezuela (Hugo Chávez) e Rafael Corrêa (Equador).
“Agora você está vivendo um momento da extrema-direita que está fracassando de forma absurda. O Macri é um desastre na Argentina e ele era a solução.” Para Lula, com o fracasso dos governos de direita e extrema-direita, o ciclo vai se inverter na região, com o retorno propostas progressistas que priorizem novamente a inclusão social e a distribuição de renda. “Pode ficar certo de que, depois do Bolsonaro, de que depois do Macri, a Cristina vai ganhar as eleições na Argentina. Pode ficar certo de que, aqui no Brasil, a esquerda vai ganhar na próxima eleição.”
O jornalista do The Intercept Brasil quis saber por que, nos Estados Unidos, muitos eleitores de Barack Obama acabaram votando em Donald Trump em 2016 e, no Brasil, “muitas pessoas” que votaram em no PT votaram em Bolsonaro.
Segundo Lula, além dos motivos já citados, nos EUA pesou também a impopularidade de Hillary Clinton e a capacidade de Trump capitalizar a insatisfação popular. Eu conheço razoavelmente bem a Hillary Clinton. “Era muito fácil você encontrar uma pessoa mais popular do que ela. Ela não é uma figura simpática”, disse. “Então, a eleição do Trump se deveu ao fato de ele ter um discurso correto para os operários brancos, da indústria automobilística, que estavam ficando desempregados. Ele prometeu o óbvio: emprego para o povo americano.”
E, no Brasil, o impedimento de sua candidatura pela condenação e prisão foi decisivo, em sua opinião. “Talvez se eu fosse candidato, essas pessoas não tivessem votado no Bolsonaro.”
Pergunta por Greenwald sobre a Amazônia, um dos temas mais discutidos no mundo quando se fala da ameaça representada por Bolsonaro, o ex-presidente afirmou que o grupo que está no poder é formado por pessoas que “não têm limite”. “A biodiversidade e o ecossistema dos biomas brasileiros (para eles) valem muito pouco. O que eles querem é destruir, e eu me preocupo, porque a sustentabilidade e a defesa da Amazônia estão dentro de uma política de soberania nacional.”
Veja a entrevista: