Na tarde do dia 18 de fevereiro, a comoção tomou conta do terceiro ato da Frente Antimanicomial pela saída de Valencius Wirch da coordenação de Saúde Mental, Álcool e outras Drogas. Militantes da luta antimanicomial, profissionais e usuários de serviços de saúde mental, com respectivos familiares, ocuparam mais uma vez a Av. Paulista, gritando “Fora, Valencius!”
Com concentração no vão livre do Masp, o ato contou com a participação do Batucaps Primavera e com homenagem ao psicólogo social, professor aposentado e incansável militante dos direitos humanos Marcus Vinicius, assassinado no dia 4 de fevereiro, na Bahia, por mediar conflitos de terras indígenas. A psicóloga social e militante Lumena Furtado falou sobre Marcus Vinicius aos presentes, em nome do Instituto Silvia Lane:
“Muito difícil esta tarefa de, em nome do Instituto Silvia Lane, homenagear um amigo e companheiro morto de forma tão brutal e covarde em um crime que não ficará impune!
Há quase 30 anos iniciamos uma militância conjunta, em seguida materializada no Movimento Pra Cuidar da Profissão, por uma Psicologia comprometida com a transformação social e os direitos humanos no Brasil e na América Latina. Marcus Vinicius era imprescindível, com sua capacidade de liderança, de formulação, com seu jeito duro e doce de acolher as diferenças e produzir mais potência nos coletivos.
Sua intransigência com a falta de cuidado, sua capacidade de se indignar com o desrespeito aos direitos humanos, sua sensibilidade para pensar o cuidado singular, em liberdade, foi uma força propulsora dos movimentos mais importantes da nossa luta por um país sem manicômios! Ele sempre estava lá! Nunca fugiu à luta!
Está difícil seguir a vida, a luta sem ele! Perdemos, para parafrasear uma campanha dos conselhos de psicologia que ele ajudou a construir, o melhor do melhor, mas com certeza o melhor modo de homenageá-lo é redobrando nosso compromisso e nossa incansável dedicação às muitas lutas por um mundo mais plural, mais justo e solidário.
Retroceder nunca!
Marcus Matraga: presente!”
Veja imagem da leitura da carta aqui.
A comoção é nacional. Confira aqui vídeo do CRP-MG em homenagem a Marcus Vinicius.
Críticas ao ministro
Após a homenagem, o ato caminhou até a Rua da Consolação, tendo à frente o grupo de teatro Nó de Cegos, com toda a sua criatividade e militância. Composto por trabalhadores e usuários da Rede de Atenção Psicossocial de São Bernardo do Campo do serviço NUTRARTE (Núcleo de Trabalho e Arte), o grupo se apresentou em jaulas de papelão, que com a Reforma Psiquiátrica são queimadas, tendo a presença de personagens de jaleco, representando médicos psiquiatras contra o tratamento em liberdade.
“O grupo é fruto de uma Política Pública alinhada com a Reforma Psiquiátrica Antimanicomial e está aqui na rua para mostrar que é possível, sim, o tratamento em liberdade, com a valorização do ser humano acima de tudo”, disse Moacyr Bertolino, da Frente Antimanicomial.
Cartazes também criticavam o ministro da Saúde Marcelo Castro, que escolheu Valencius para o cargo. O ministro tem colecionado uma série de críticas à sua gestão e o SinPsi considera importante pedir a sua retirada também, conforme artigo publicado. Clique aqui para ler.
Familiares
A reforma Psiquiátrica foi construída coletivamente com usuários, familiares e trabalhadores. Sendo assim, a participação de familiares de usuários tem sido uma constante em todas as edições do “Fora, Valencius”. Massato Suzuki, pai de Rafael, 28 anos, autista, que usa os serviços do Cecco Guarani, entoava os gritos de guerra puxados pela multidão, como “Ai, ai, ai, se empurrar Valencius cai!”
“Parece que estão querendo fazer um retrocesso na luta antimanicomial e não é isso o que a gente quer. Antes (da Reforma Psiquiátrica) meu filho não tinha benefício algum, era difícil conseguir alguma coisa para ele como usuário, mas com o tempo as coisas têm ficado mais acessíveis. No Cecco Guarani ele participa de atividades de desenho e pintura, que é o que ele gosta de fazer. Isso sem falar do convívio em sociedade, essencial para seu desenvolvimento como pessoa”, relatou o pai de Rafael.
A dirigente do SinPsi e militante da Frente Antimanicomial, Marilia Fernandez, levou ao ato uma usuária de Caps, cuja mãe morreu em um manicômio, abandonada pela família. Marilia falou ao SinPsi sobre a importância do apoio familiar para que a rede aconteça para o sujeito em sofrimento psíquico.
“É incrível podermos compartilhar o cuidado e seus desafios com a família, tão fundamental no apoio, na construção da rede e no compartilhamento das dificuldades. Essas pessoas fazem a Reforma Psiquiátrica diariamente. E o grito delas é mais do que legítimo. Hoje elas estão aqui para criticar uma figura contra a reforma, que tem um projeto político completamente diferente e manicomial”, afirmou.
Ao longo da manifestação, os militantes distribuíram panfleto explicando os riscos de Valencius para a Reforma Psiquiátrica. Clique aqui para ler.
Dia 18 de março tem mais
Desde a nomeação do psiquiatra Velencius Wurch, em dezembro de 2015, feita pelo ministro da saúde Marcelo Castro, a Frente Antimanicomial de São Paulo tem seguido a agenda de tomar as ruas em todo o estado a cada dia 18 do mês. A data foi escolhida por se celebrar, em 18 de maio, o Dia Nacional da Luta Antimanicomial.
Portanto, o próximo ato “Fora, Valencius” acontecerá dia 18 de março, em local ainda a ser definido.
Clique aqui para ouvir reportagem da Rádio Brasil Atual.