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Luta antimanicomial: ‘Fora, Valencius’ se fortalece pelo Brasil

“Dos doidos devemos ter piedade, porque eles não gozam dos benefícios com que nós, os sãos, fomos aquinhoados”. Sessenta e cinco anos após a publicação do conto “A Doida”, de Carlos Drummond de Andrade, cujo trecho inicia a matéria, a política de saúde mental tem superado preconceitos no Brasil. No entanto, ativistas da luta antimanicomial alertam: os avanços podem retroceder após a nomeação de Valencius Wurch para a coordenação nacional de saúde mental. 

“Ele foi o diretor clínico do maior hospital psiquiátrico privado, conveniado ao SUS, a clinica Dr Eiras na qual morriam pacientes dia sim, dia não, de maus tratos, tuberculose, que viviam amarrados, nus, nas camas de azulejo com esse senhor que se nomeia com vários títulos e que foi o diretor desse hospital”.

As credenciais de Valencius são descritas por Marta Elizabeth, coordenadora estadual da saúde mental de Minas Gerais e que atua há trinta anos no movimento antimanicomial no Estado. Ela também integra a Rede Nacional Internúcleos da Luta Antimanicomial (Renila). Em dezembro de 2015, Valencius substituiu Roberto Tykanori, militante da reforma psiquiátrica desde os anos 80. Wurch dirigiu a Casa de Saúde Dr Eiras, no Rio de Janeiro, até 2000, ano em que a Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, constatou ali graves violações de direitos humanos.

Entre as denúncias consideradas típicas dos grandes manicômios estavam uso sistemático de eletroconvulsoterapia, ausência de roupas, alimentação insuficiente e de má qualidade e número significativo de pessoas em internação de longa permanência.

Ocupação no ministério da saúde

Assim como está Marta, a nomeação de Valencius no final do ano deixou perplexos e indignados os profissionais da saúde mental pelo Brasil. A imediata resposta para impedir a “posse” de Valencius foi a ocupação da sala da coordenação nacional da política de saúde mental, no prédio do Ministério da Saúde, em Brasília. Nesta sexta-feira (18) a ocupação completou 67 dias, apoiada por familiares e usuários dos serviços.

Aline Alvarez, que atua na Renila e é da comissão de articulação política do Grupo de Alinhamento Político (GAP) esteve nos primeiros dias da ocupação no ministério da saúde. Atualmente, tem participado das audiências com o ministro da saúde, que foram quatro. Segundo ela, Marcelo Castro está irredutível. “Ele não considera em nada a construção política da saúde mental no Brasil”, afirmou. E complementou que a nomeação do Valencius contraria deliberação da conferência da saúde mental de 2001.

“A conferência diz que o coordenador precisa ser identificado com a política de saúde mental. Esse senhor (Valencius) nunca teve uma atuação de destaque relevante a saúde mental que não fosse manicomial. Não tem experiência, não tem propriedade, não conhece as novas portarias, não tem legitimidade de ocupar esse cargo”, criticou Aline.

Mobilização no Congresso

A nova agenda dos manifestantes que estão em Brasília é conseguir sensibilizar parlamentares no Congresso para fazer com que o pedido de saída do novo coordenador chegue até a Casa Civil e a presidenta Dilma. Aline informou que na primeira quinzena de março, as 13 entidades que coordenam a ocupação e a agenda de mobilização do movimento, devem realizar uma reunião com deputados, sobretudo líderes do PMDB, partido do ministro Marcelo Castro.

Aline avaliou que apesar da pequena visibilidade na grande imprensa, o que aconteceu mais no início das manifestações, a ocupação trouxe um novo fôlego para o movimento com a formação de novos quadros militantes. Ela também chamou a atenção para essa sensação de incômodo que a ocupação traz levando a situações inesperadas.

“Em uma das audiências foi dito por umas das interlocutoras do ministério que, por conta da ocupação, recursos do ministério estariam sendo deixados de ser repassados aos municípios. Imagina se uma sala ocupada vai impedir isso. A política é que tem que ser gerida da melhor maneira e a gente quer garantir, como controle social, como movimento social, que não seja gerida por esse que a gente não legitima e não tem condições de fazê-lo”, ressaltou Aline.

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