Notícias

No SinPsi, entidades defendem continuidade do programa De Braços Abertos em São Paulo

Movimentos sociais afirmam que política de redução de danos é uma conquista da sociedade e que não pode ser descontinuada independentemente do resultado das eleições de domingo

São Paulo – Entidades de defesa dos direitos humanos e movimentos sociais lançaram ontem (28), na sede do Sindicato dos Psicólogos de São Paulo (SinPsi-SP), o manifesto intitulado “Defesa do Programa De Braços Abertos, do Cuidado em Liberdade e da Democracia”.

O documento afirma que a política de redução de danos posta em prática pela prefeitura de São Paulo, no programa De Braços Abertos, é resultado de décadas de reivindicação e conhecimento dos movimentos sociais de direitos humanos da população em situação de rua e de saúde mental.

“O programa acolhe pessoas e oportuniza, com a transdisciplinariedade, resultados na reconstrução de sujeitos a partir do respeito aos seus direitos humanos fundamentais, contrariando a lógica higienista e militaresca das operações de dor e sofrimento, das internações compulsórias, do financiamento público de comunidades terapêuticas e de entidades pseudorreligiosas para institucionalização de quem se cuida, da manutenção e ampliação do número de leitos em hospitais psiquiátricos e em instituições asilares, incrementando apenas seus lucros, sem se importar de fato com a saúde pública”, diz o manifesto.

Assinado pela Frente Estadual Antimanicomial de São Paulo (Feasp), CUT-SP, Levante Popular da Juventude, Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH), Rede de Médicos e Médicas Populares e Sindicatos dos Psicólogos de São Paulo (Sinpsi-SP), o manifesto repudia as declarações dos candidatos à prefeitura de São Paulo João Doria (PSDB-SP), Celso Russomanno (PRB-SP), Major Olímpio (SD-SP) e Marta Suplicy (PMDB-SP) que já declararam a intenção de encerrar o programa De Braços Abertos e retomar a política de internações compulsórias ou de tratamento religioso.

“Trata-se de propostas que visam a garantir interesses econômicos de donos de comunidades terapêuticas e instituições asilares, fortalecendo a diminuição do SUS e o sucateamento da saúde pública, pela produção de farsa, sofrimento e segregação”, afirma a nota.

Durante o ato no SinPsi-SP, Darci Costa, do Movimento Nacional da População em Situação de Rua, falou da própria experiência em internações em clínicas terapêuticas. Com a voz baixa e calma, Darci lembrou que era obrigado a carregar troncos de madeira nas costas, a cavar buracos e entrar dentro, entre outras práticas torturantes. “As famílias pagam horrores acreditando numa ilusão de que as pessoas vão deixar de usar drogas da noite para o dia”, disse. Para ele, é justamente por não exigir isto que a proposta de redução de danos é “uma saída real”. “Nunca devemos subestimar o potencial de uma pessoa para alcançar a recuperação”, afirmou.

Representando o Movimento Nacional de Direitos Humanos, Rildo Marques refletiu sobre o momento conservador pelo qual o Brasil passa, com discursos de ódio e discriminação. “É por isso que o De Braços Abertos incomoda, porque é um programa de garantia de direitos, de liberdade de ação, por isso querem derrubar. Retirar políticas que dão certo é um ato de desumanidade.”

Reconhecido internacionalmente, tendo sido apresentado como uma das políticas de redução de danos mais exitosas no Congresso Mundial sobre Drogas nas Nações Unidas, o programa De Braços Abertos começa a influenciar agora outras experiências semelhantes no Brasil. Atualmente, 14 cidades brasileiras começam a desenvolver políticas de redução de danos semelhantes: Curitiba, Aracaju, Guarulhos, São Bernardo do Campo, Petrolina, Palmas, Governador Valadares, Uberlândia, Caruaru, João Pessoa, Joinville, Fortaleza, Maracanau e Brasília.

Pelo cuidado sempre

Fernanda Magano, presidenta do sindicato, fez questão de pontuar a importância da Psicologia se envolver nesse manifesto:

“Por isso é importante que esse evento esteja acontecendo no Sindicato dos Psicólogos. A defesa do Programa De Braços Abertos se dá pela importância, pela complexidade, pela forma em que se estabelece a condição do cuidado em saúde mental e por possibilitar um debate diferenciado sobre a questão do uso das drogas. É necessário que se rompa com o conceito higienista, que se rompa e se diga não à comunidade terapêutica, que se marque posição contra as condições de internação compulsória.

Ágata de Miranda, do Levante Popular da Juventude, fez um recorte de gênero e usou uma perspectiva racial para falar da política de drogas no Brasil.

“Em 2016 a Lei de Drogas completou 10 anos e apresenta avanço importante, pois no sentido qualitativo propôs a prevenção e a proteção de usuários de drogas. Mas, em contrapartida, não faz proposta de distinção objetiva entre usuário e traficante, o que encontra respaldo em estruturas baseadas no racismo e no machismo para a questão da criminalização”, disse, citando dados que mostram o aumento da população carcerária: 64% são mulheres envolvidas em crimes relacionados a drogas e 60% são negros.

O médico de família Stephan Sperling, da Rede Nacional de Médicos e Médicas Populares, fez uma fala forte e emocionada, partindo do princípio que a categoria médica foi a que mais se aliou aos estados de exceção desde o século XIX.

“Precisamos entender que todo esse projeto de retrocesso conservador está articulado com uma agenda do capital internacional. Querem governar corpos que questionam o modelo do capital. É o capital tentando assumir o governo sobre o curso da vida humana. Acontece que quem produz e previne saúde é a política de saúde. Precisamos nos colocar ao lado do povo que sofre, que vai precisar de nosso apoio nesse período difícil pelo qual vamos passar”, afirmou.

Deixe um comentário