Gestão Haddad muda eleição de conselheiros e prevê nova metodologia de consulta popular; ‘superestrutura’ participativa ficará completa com a criação dos conselhos municipais da Mulher e do Imigrante
São Paulo – O Orçamento Participativo voltará a ser utilizado em São Paulo a partir de 2015, mais de uma década desde a última vez que a prefeitura aplicou o programa. E, para a retomada da consulta à população sobre o uso dos recursos municipais, a administração Fernando Haddad (PT) deseja lançar uma nova metodologia: de acordo com a secretária municipal de Planejamento, Orçamento e Gestão, Leda Paulani, a intenção é que o foco dos trabalhos seja a cidade em longo prazo, com mais atenção ao planejamento urbano do que às questões pontuais.
“É um avanço importante em relação ao modelo do Orçamento Participativo que foi implantado em São Paulo, que já foi uma experiência muito rica. Existem outras experiências no Brasil de elaboração de Planos Plurianuais (PPA) participativos, como em São Bernardo e nos estados da Bahia e do Rio Grande do Sul. Em São Paulo, além do PPA, temos o Programa de Metas, que ajuda a dar mais transparência ao planejamento público”, aponta. De acordo com ela, o montante do orçamento municipal que a população poderá direcionar dessa forma é de até R$ 20 bilhões – no modelo anterior, cerca de R$ 700 milhões anuais eram definidos em plenárias do Orçamento Participativo.
Um decreto assinado pelo prefeito Fernando Haddad (PT) na semana passada criou o Conselho de Planejamento e Orçamento Participativo (CPOP), que terá como missão decidir, na prática, como esse trabalho será conduzido. A primeira mudança é na composição do próprio colegiado responsável pelo programa. Tradicionalmente, o Orçamento Participativo conta com conselheiros e delegados eleitos exclusivamente para negociar o orçamento anual com a prefeitura. Em São Paulo, a representação popular será de representantes já eleitos para os conselhos temáticos e para os Conselhos Participativos Municipais, que se organizam a partir das subprefeituras.
No total, serão 106 representantes, sendo 13 da administração municipal, 64 dos conselhos participativos municipais e 27 dos conselhos temáticos, além de dois representantes da sociedade civil para Políticas para Mulheres e Imigrantes. “Criamos essas vagas para garantir sua representação enquanto os conselhos ainda não estão instituídos, mas ainda serão criados conselhos específicos para esses públicos”, explica Leda. Neste ano, a representante das mulheres será eleita em plenária a ser agendada pela Secretaria de Políticas para a Mulher, enquanto o representante dos imigrantes será escolhido entre os estrangeiros que concorrerem às vagas de conselheiros participativos extraordinários, cuja eleição será no próximo dia 30 de março.
Esse grupo se reunirá pelo menos a cada dois meses, e, diferentemente do modelo anterior de Orçamento Participativo, não terá uma agenda de plenárias para eleger demandas locais e globais para o orçamento de forma sistematizada, mas será responsável pela consulta permanente à população a partir das subprefeituras, com ou sem assembleias públicas. “A estrutura do CPOP está baseada nos conselhos municipais já existentes, em especial nos Conselhos Participativos Municipais das Subprefeituras. Pretendemos utilizar essa estrutura local como parte importante do processo de participação no planejamento e orçamento da cidade”, explica a secretária.
Segundo ela, a regionalização do debate será um dos aspectos mais importantes desta nova fase do OP, e, para isso, a prefeitura já começou a produzir a peça orçamentária com investimentos e ações divididos por subprefeitura. “Contudo, vamos manter os espaços abertos no processo, como as audiências públicas e plenárias, de forma a permitir a mais ampla participação”, completa Leda.
Assim, a prefeitura avança na aplicação do Ciclo Participativo de Planejamento e Orçamento, que prevê a integração das instâncias de consulta popular do poder público municipal em uma “superestrutura” de democracia participativa: os Conselhos Participativos Municipais têm a função permanente de fiscalizar o poder público e colher sugestões nos bairros que representam, e, em parceria com os conselhos temáticos, apresentam prioridades às reuniões bimestrais do CPOP. Ao mesmo tempo, participam das audiências públicas temáticas e para revisão do Plano de Metas, além de acompanharem as consultas feitas pela prefeitura por meio da internet, no portal Planeja Sampa. O Conselho da Cidade, apelidado de “conselhão” por reunir representantes das principais entidades civis de São Paulo, contribui com cinco integrantes no conselho de orçamento participativo.
Tempo para trabalhar
Maurício Broinizi, coordenador da Secretaria Executiva da Rede Nossa São Paulo e integrante do Conselho da Cidade, elogia a nova formatação, mas adverte que a ideia precisa de tempo para se consolidar. “Esta nova experiência traz um novo formato. É improvável que as questões pontuais deixem de aparecer; o processo participativo faz com que as demandas imediatas apareçam com a urgência que têm para as comunidades. Mas esperamos que seja um avanço no sentido da integração dos instrumentos de planejamento como para os instrumentos de dotação orçamentária”, aponta.
“Na última vez, o Orçamento Participativo foi implantado tarde e só começou a engrenar no fim do mandato da prefeita Marta Suplicy (PT). Aquele foi um governo de quatro anos e as gestões seguintes, de José Serra (PSDB, 2005-2006) e Gilberto Kassab (PSD, à época no DEM, 2006-2012), tiraram o tema da pauta. Não houve continuidade”, relembra.
Ele acredita que a capacidade de o poder público envolver as pessoas com o novo Orçamento Participativo será decisiva para que isso não volte a acontecer. “Trata-se de uma experiência complexa e que não apresenta soluções imediatas. A democracia dá trabalho e, para que comecemos a produzir resultados, é importante que a experiência dure mais do que um mandato. Se os mecanismos já tiverem sido tomados pela cidade, a alternância de poder não voltará a prejudicar a continuidade das consultas.”
Mais investimento social e vícios políticos
A noção de que o Orçamento Participativo apresenta melhores resultados após longos períodos de tempo em atividade tem lastro científico. Artigo produzido por pesquisadores da Universidade estadual de Boise, nos Estados Unidos, aponta que as cidades que têm o Orçamento Participativo realizam, em média, 6% mais investimentos em saúde e saneamento básico do que cidades de tamanho similar que não contam com o mecanismo de consulta popular. Nas cidades onde a experiência dura mais de oito anos, no entanto, o investimento nessas áreas é até 23% maior, conclui o estudo.
Por isso, municípios com Orçamento Participativo por pelo menos quatro anos têm um desempenho 11% melhor no indicador de saúde em relação a cidades que não adotam a prática. A aplicação por oito anos ou mais significa melhora de 19% nos indicadores de saúde, aponta o levantamento. Com base em dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e do Banco Mundial, os pesquisadores analisaram indicadores sociais e dezenas de variáveis de 253 cidades brasileiras de mais de 100 mil habitantes que adotaram o orçamento participativo entre 1989 e 2010. Em seguida foram feitas comparações com municípios que não optaram pela participação popular. Até 2010, 353 cidades brasileiras contavam com o Orçamento Participativo.
Outros estudos apontam também os problemas políticos que o modelo tradicional do Orçamento Participativo enfrenta nas cidades brasileiras, que vão da oposição de parlamentares cujo mandato é baseado em ações de clientelismo e que veem a interferência direta da população no orçamento municipal como fator de enfraquecimento de seus mandatos, até o fenômeno da partidarização das eleições para conselheiros e delegados, transformando-os apenas em “pré-vereadores” ou candidatos a cargos de expressão nos governos.
O professor da Unifesp Carlos Alberto Bello, em artigo publicado em 2006, apontava ainda outra problemática relativa às plenárias do Orçamento Participativo: como garantir que regiões onde a população é menos mobilizada seja beneficiada pelas medidas que precisa? “Cabe frisar que o texto produzido por membros da prefeitura de Porto Alegre reconhece que, muitas vezes, a lógica da competição sobrepõe-se à lógica da solidariedade, ocorrendo ainda pactos entre líderes para efetivar certas exclusões, e que a vanguarda apropria-se do processo, em detrimento da popularização da experiência”, relata.