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Para Conselho de Medicina, grávidas não têm direitos

Resolução da entidade quer dar aos médicos direito de impor tratamentos e procedimentos às mulheres gestantes — mesmo que, para elas, sejam violentos e abusivos

O Conselho Federal de Medicina publicou esta semana uma resolução estabelecendo “normas éticas para a recusa terapêutica”. Ela diz que todo paciente “maior de idade, capaz, lúcido, orientado e consciente” pode recusar se submeter a procedimentos ou tratamentos propostos pelo médico. Mas, no artigo 5º, uma bizarra exceção: “A recusa terapêutica manifestada por gestante deve ser analisada na perspectiva do binômio mãe/feto, podendo o ato de vontade da mãe caracterizar abuso de direito dela em relação ao feto” – embora não fique claro como se vai analisar e decidir o que é ou não é abuso. 

Noutras palavras: se uma mulher se recusar a passar por procedimentos invasivos e desnecessários que caracterizam violência obstétrica, isso pode ser considerado “abuso de direito”. E, quando há abuso de direito, “a recusa terapêutica não deve ser aceita pelo médico”. 

A matéria de Bruna de Lara, no Intercept, lembra a distópica Gilead, criada por Margaret Atwood em O conto da aia. Lá, mulheres só servem para o estupro, a gravidez e a maternidade e, durante a gestação, são tratadas como incubadoras, precisando abdicar de toda e qualquer vontade em detrimento do feto. “O Conselho passa a mensagem de que o feto está em condição superior à da mulher, que não tem capacidade de escolher o que autoriza ou não que seja feito a seu corpo. E de que a gravidez é, agora, uma condição infantilizadora, capaz de transformar uma adulta lúcida em criança, adolescente ou pessoa desprovida do ‘pleno uso de suas faculdades mentais’ – os únicos grupos que, até o início desta semana, não tinham direito à recusa terapêutica”, diz a repórter.

Este é o mesmo CFM que se recusa a aceitar o termo “violência obstétrica”, considerado pela entidade como “uma agressão contra a especialidade médica de ginecologia e obstetrícia”. E que, agora, encontra eco no Ministério da Saúde (para quem não lembra, em maio a pasta emitiu despacho abolindo o uso da expressão).

 

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