Vila faz parte da história ferroviária do país, é porta para um raro cantinho de Mata Atlântica e está perto de um processo de restauração que deve valorizar o seu charme
Erguida no alto da Serra do Mar, a Vila de Paranapiacaba tem como “quintal” um cenário natural cada vez mais raro no país: a Mata Atlântica. E em seu miolo, um sabor bucólico de história. No início um acampamento para abrigar trabalhadores da ferrovia que liga o interior de São Paulo a Santos, para escoar o café consumido pelo mundo, o lugarejo se tornou mais tarde uma autêntica comunidade ferroviária. Ali, os ingleses da São Paulo Railway Company, que construíram a estrada de ferro, fixaram os profissionais responsáveis pela sua manutenção. E o que ficou foi a única típica vila inglesa, planejada de acordo com os padrões britânicos.
Pertencente a Santo André, no ABC paulista, Paranapiacaba está próxima de dar preciosos passos com vistas a reforçar a longevidade de seu charme. Para tanto, a prefeitura deve encaminhar neste fevereiro um amplo projeto de restauração ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). É o primeiro ato para fazer jus a uma receita de R$ 42 milhões do governo federal, provenientes de uma linha do Programa de Aceleração do Crescimento voltada para o financiamento de programas de revitalização de localidades desse naipe, o PAC Cidades Históricas.
O projeto prevê intervenções em 242 casas com objetivo de resgatar as suas características originais, buscando o máximo reaproveitamento dos materiais existentes, como o madeiramento. Também faz parte dos planos reativar uma cooperativa de marceneiros para, em parceria com o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), qualificar a mão de obra local.
De acordo com o secretário municipal de Gestão de Recursos Naturais, Ricardo Di Giorgio, nos últimos 20 anos projetos são alternadamente iniciados e abandonados. “A descontinuidade prejudica a preservação. Agora, queremos tornar a vila um dos principais polos turísticos de São Paulo”, afirma, ao destacar a importância de se preservar a vila, tombada pelo patrimônio histórico. “São Paulo é o que é hoje por causa da ferrovia. E Paranapiacaba, além de seu valor histórico, também é importante pelo lado ambiental, porque no local há várias nascentes que abastecem a represa Billings.”
Paranapiacaba atrai de moradores da região metropolitana a visitantes de fora de São Paulo. O ecoturista, por exemplo, aventura-se por trilhas, encontra espécies únicas de árvore e animais, nascentes e cachoeiras, não raras vezes envolto por uma neblina que fez os ingleses da companhia se sentirem em casa. Interessados em arquitetura apreciam o cenário autenticamente voltado à atividade econômica ao seu redor: a ferrovia. Curiosos por tecnologia aprendem como, no fim do século 19, os engenheiros venceram um obstáculo de 800 metros entre a serra e o nível do mar. E os sem apetite definido, mas que buscam estar apenas um dia, ou algumas horas, cercado de verde, longe da poluição, fazer caminhadas lentas e silenciosas, tomar um café ou uma cerveja, almoçar sem pressa, pisar na terra.
A atriz Lize Nascimento, moradora na capital paulista e visitante de “vários carnavais”, descobriu recentemente uma trilha leve, que pode ser feita sem monitor, na Vila Taquarussu. “O caminho foi bem agradável, uma estrada que não é nem de terra, nem asfaltada, coberta de pedregulhos. Apesar dos carros e motos eventuais, é calma, com bela paisagem, som de pássaros e de animaizinhos da mata. Com meia hora de caminhada encontramos uma corredeira com água fresquinha onde pudemos repor a água da garrafa e curtir a sombra”, relata Lize, que viajou com a família. “Funciona como terapia para enfrentar a semana cheia de obrigações.”
Expresso turístico
Uma maneira especial de chegar a Paranapiacaba é o Expresso Turístico, operado pela Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM). Sai aos domingos (exceto o segundo de cada mês) da estação da Luz às 8h30 ou às 9h da estação Prefeito Celso Daniel, no centro de Santo André. Custa R$ 34 se for individual na Luz e
R$ 31 na Celso Daniel – há tarifas com desconto de até 50%, conforme o tamanho do grupo. A composição, com espaço para ciclistas, é formada por dois carros de aço inoxidável da década de 1960, tracionados por uma locomotiva a diesel. O trajeto de 48 quilômetros desde a Luz dura 90 minutos. A volta é às 16h30.
De carro, a viagem começa na Via Anchieta, a vai até o km 29, quando se pega a Estrada Velha de Santos até o km 33 e, depois, a rodovia Índio Tibiriçá até o
km 45,5. De lá, placas indicam a rodovia SP 122, que conduz até a vila. Quem vai de ônibus, toma o que sai do Terminal Rodoviário de Santo André, na estação Prefeito Saladino, ou o que sai da estação de Rio Grande da Serra de hora em hora. A integração trem-ônibus custa R$ 4,65, para quem sai da Luz.
A dica é ir direto à parte baixa, onde estão a Vila Velha e a Vila Martin Smith. Uma das atrações é a Maria Fumaça, composta por uma locomotiva de 1867 e um carro de passageiros de madeira fabricada em 1914, que leva para um passeio de um quilômetro na área do Museu Ferroviário. Custa R$ 5 por pessoa e funciona aos sábados, domingos e feriados.
Uma das principais construções é o Castelinho – que serviu de residência ao engenheiro-chefe da companhia. No alto de um morro, com vista privilegiada de todos os arredores, a casa foi erguida em 1897 e restaurada em 2005. Abriga um museu e guarda peças da ferrovia, fotos de pessoas que viveram a época da construção da estrada de ferro, móveis, quadros, relógios e outros objetos. A cada meia hora, monitores contam a história e lendas do local. A entrada custa R$ 3.
O Museu Tecnológico Ferroviário expõe vagões, máquinas e peças usadas para manutenção de trens. O Clube União Lyra Serrano é outra edificação que vale a visita. Construído em 1936 e restaurado em 2005, era no passado o espaço cultural e social da vila, com cinema, salões de baile e de jogos e quadras de esportes. Atualmente, guarda uma exposição permanente de troféus e painéis fotográficos com cenas de várias épocas. Abre de terça a sexta das 9h às 16h, e sábados, domingos e feriados das 9h à 17h, com entrada franca.
Merecem ainda uma olhada o Antigo Mercado, hoje um centro multicultural, onde diversas atividades são realizadas; o Centro de Documentação em Arquitetura e Urbanismo, com acervo que reconta a formação urbana da vila; e a Casa da Memória, do começo do século 20, que abriga a memória coletiva dos antigos habitantes.
Festas e sabores
O desfrute da natureza começa pelo Parque Natural Municipal Nascentes de Paranapiacaba. Criado em 2003 pela prefeitura, o parque conserva área remanescente de Mata Atlântica, nascentes do Rio Grande – o que abastece a Billings – e é destinado aos que gostam de esportes da natureza e caminhar nas trilhas. Há cinco delas que, de variados graus de dificuldades, requerem a companhia de monitores cadastrados, contratados na própria vila. Abre de terça a domingo, das 9h às 16h.
Entre uma parada e outra, passeia-se pelas suas ruas íngremes em meio às casas de madeira, muitas delas instalações comerciais. São várias opções de restaurantes, bares, cafés e lanchonetes, com preços justos. Há ainda quiosques que servem lanches e porções. Se o visitante quiser passar a noite, pode escolher entre os vários cama-e-café ou uma das pousadas, em um total de 200 leitos. Convém reservar com antecedência pelo site.
A vila também tem um calendário de eventos, que vem sendo retomado em sua concepção original. Em abril, tem o Festival do Cambuci, fruto típico da região e usado em várias receitas, além de aromatizar e dar sabor à cachaça. Em julho, é realizado o Festival de Inverno, com apresentações artísticas. A prefeitura planeja ainda retomar atividades como o Arraiá da Vila, a Convenção de Bruxas e Magos, o Encontro Internacional de Magias e Terapias Alternativas e o Encontro de Ferromodelismo, ainda com calendários por definir.
Com a verba do PAC Cidades Históricas, a administração projeta ainda o restauro de outros imóveis considerados representativos do modo de vida inglês e do patrimônio ferroviário, como os galpões das oficinas de manutenção, o almoxarifado da antiga SPR, a sede da Associação Recreativa Lyra da Serra e os galpões da garagem das locomotivas, que abrigarão a estação definitiva do Expresso Turístico. Também serão contempladas a recuperação do campo de futebol do Serrano Athletic Club, de 1903, um dos primeiros com medidas oficiais em todo o Brasil, e a reconstrução de um imóvel incendiado na região do Hospital Velho.