Por Marcelo Netto – ISP
“Faltaram equipamentos de proteção, oxigênio, vacinas, medicamentos e sobraram mensagens falsas e desaforadas do presidente Bolsonaro sobre a Covid-19, chocando o mundo. E até hoje os profissionais da linha de frente seguem desvalorizados no Brasil”, afirma Rosa Pavanelli, secretária-geral da ISP.
Os profissionais e seus sindicatos não tinham a dimensão das mortes até agora. Os dados, compilados pelo jornalista Marcelo Soares, da Lagom Data, a partir de
microdados do próprio governo brasileiro, revelam que as mortes se avolumaram mais rapidamente do que o observado na população geral, especialmente nos meses em que faltaram equipamentos de proteção individual (EPIs).
E que o impacto da doença foi maior nas ocupações com menores salários e mais
próximas à linha de frente: auxiliares e técnicos de enfermagem (70%) morreram
proporcionalmente mais do que enfermeiros (25%), e estes proporcionalmente
mais do que os médicos (5%).
Oito em cada dez profissionais de saúde que morreram eram mulheres; 47% delas, pretas e pardas
Para se ter uma ideia, foram 1.184 enfermeiros mortos, o que pode ter impactado
diretamente o atendimento de 21.300 pacientes. Pelas regras do Cofen (Conselho Federal de Enfermagem), cada enfermeiro atende até 18 pacientes e cada atendente, 9 doentes. Em Manaus, por exemplo, cada enfermeiro atendeu 40 pacientes com o auxílio de dois atendentes.
Além disso, o estudo revela que oito em cada dez entre os que morreram salvando vidas eram mulheres, sendo que quase a metade, 47%, eram mulheres pretas e pardas, que normalmente estão mais presentes nas atividades menos bem remuneradas. E que dois terços desses profissionais muito provavelmente não tinham contrato formal de trabalho, segundo cruzamento entre os dados do Ministério da Saúde e informações sobre desligamentos por morte no Novo Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados)
Vacinação prioritária
Ainda segundo a pesquisa, nos primeiros meses da pandemia, a curva do excesso de desligamentos por morte entre os profissionais da saúde era mais elevada do que a da totalidade das ocupações no Brasil. Ou seja, os profissionais da saúde morriam proporcionalmente mais. Em maio de 2020, as mortes excedentes chegaram ao dobro da média anterior.
Em março de 2021, com uma confluência de fatores que iam da pressão pela volta precoce das atividades presenciais, falta de equipamentos, até a lentidão do governo com a vacinação, as mortes de Covid explodiram no Brasil todo. Os profissionais da saúde sentiram esse impacto também, mas por menos tempo.
Com a vacinação prioritária dos profissionais de saúde, a mortalidade entre eles caiu drasticamente – três meses antes do restante das profissões. O que prova que inúmeras vidas de trabalhadores poderiam ter sido salvas não fosse o negacionismo do governo Bolsonaro.
Desvalorização – piso salarial e indenização
Mesmo sendo chamados de “heróis” no auge da pandemia, até hoje os profissionais da linha de frente seguem desvalorizados no Brasil. Os aplausos não vieram acompanhados por melhores salários e condições de trabalho.
No lugar disso, testemunhamos o impasse na aplicação da lei do piso salarial de enfermagem, que, aliás, é uma luta de anos, anterior à Covid. E mesmo assim, apesar da pandemia, encontra resistência. De acordo com a lei aprovada pelo Congresso nacional, mas ainda no papel, o salário de um enfermeiro hoje seria de R$ 4.750,00, de um técnico R$ 3.325,00, e de auxiliares de enfermagem e parteiras R$ 2.375,00.
O mesmo pode-se dizer da tentativa do governo Bolsonaro de barrar uma lei aprovada no Congresso (Lei 14.128/2021) que prevê a indenização de profissionais de saúde incapacitados de forma permanente por terem adquirido Covid-19 em função da natureza do trabalho ou aos dependentes em caso de morte por Covid-19. Algo que, felizmente, o colegiado do STF julgou improcedente por unanimidade no último dia 21 de setembro.