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Programas de saúde pública perderão entre 400 e 900 bilhões com emenda do congelamento

Programas para tratamento de DST/Aids, Samu e a distribuição de medicamentos estarão seriamente comprometidos pela perda de recursos públicos na Saúde, nos próximos 20 anos. A queda nos investimentos pode chegar a R$ 900 bilhões, até 2036, validade da Emenda Constitucional 95, assinada por Michel Temer em 2016. Índices de mortalidade e desnutrição infantil serão atingidos de forma negativa pelas duas próximas décadas.

Reflexo já da medida federal, o Brasil deixou R$ 14 bilhões em restos a pagar para o orçamento de 2018. Despesas empenhadas em 2017, mas que não foram pagas. “No final do ano vai faltar recursos de despesas comprometidas em 2018, que somente serão pagas em 2019. Isso aqui é uma bola de neve por 20 anos”.

É o que explica Francisco Funcia, economista da Fundação Getúlio Vargas, consultor da comissão de financiamento e orçamento do Conselho Nacional de Saúde (CNS), na entrevista:

As perdas podem ir de 400 bilhões a 900 bilhões até 2036. Essa foi uma afirmação que o senhor fez recentemente. Como se dão essas perdas?

Primeiro lugar, o Brasil aplica 3,9% do Produto Interno Bruto (PIB) em ações e serviços públicos de saúde, somando as despesas dos governos federal, estaduais e municipais. Enquanto que em outros países, como a Inglaterra, que tem um sistema de saúde parecido com o SUS – aliás, o SUS foi inspirado no modelo inglês – aplica 7,9% do PIB. Comparando dados da mesma época, de 2015.

O Brasil aplica metade daquilo que internacionalmente se aplica pra sistemas de saúde parecido com o nosso. Isso já caracteriza um subfinanciamento.

A Emenda 95 piora esse quadro, porque a regra vai retirar recursos comparativamente àquilo que já era pouco e vinha sendo aplicado. Vai ser aplicado menos.

Daí que a gente afirma que a perda estimada em R$ 400 a R$ 900 bilhões, em termos acumulados até 2036, baseado num estudo que o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) publicou no ano passado.

Vai depender do cenário econômico que algumas variáveis que a gente usa na projeção. Se o Brasil crescer em torno de 2% ao ano até 2036, em média, que é um crescimento baixíssimo, a gente vai ter um cenário de perdas aí mais próximo desses valores. Se crescer mais, ele vai evidentemente reduzir a perda. Mas, a perda ficará sempre entre R$ 400 e R$ 900 bilhões.

Se ficasse mantida a regra de aplicação mínima de 15% da Receita Corrente Líquida (RCL) da União, os recursos estariam garantidos. À medida que não há mais a regra dos 15% da RCL como piso, esses recursos não ingressarão.Supondo que a gente tivesse essa regra valendo em 2015, ao invés do governo Federal aplicar um teto de R$ 100 bilhões, teria aplicado 70 bilhões. Uma perda estimada de 30% em relação ao que vinha sendo aplicado.

Bom, quem perdeu? Como 2/3 do orçamento Federal [Ministério da Saúde] são transferências para estados e municípios, portanto estados e municípios vão receber menos recursos nesses próximos 20 anos, agravando ainda mais o financiamento das ações e serviços que são prestados especialmente pelos municípios, diretamente para a população nas unidades de serviço. Por isso, a gente afirma que a Emenda 95 é muito grave para o Sistema Único de Saúde.

Os restos a pagar inscritos que cresceram 81%,  já é um impacto da Emenda Constitucional 95?

Sem dúvida. Quando a gente fala do piso, significa que vai ter menos recurso no orçamento para o Fundo Nacional de Saúde poder financiar as despesas com o SUS, inclusive transferir para estados e municípios. Esse é um primeiro impacto negativo.

Outro ponto negativo é: parte desse orçamento é executado anualmente, mas não é pago. O que vai acontecer? A medida que o governo Federal, com a Emenda 95, estabeleceu uma limitação financeira, que eles chamam de teto de despesas, baseado no que foi pago em 2016 e congelou até 2036, o que vai acontecer é que a Saúde pode se comprometer com várias despesas, medicamentos, vacina, Farmácia Popular etc, mas vai ter menos recursos para se comprometer e para pagar.

Não tendo o recurso financeiro para pagar fica uma despesa comprometida num ano, mas que só será efetivada no ano seguinte. No caso da Saúde, tivemos um crescimento recorde, em 2017, de 81,5% dos restos a pagar. Quando costumava ficar pra pagar alguma coisa perto de R$ 8 bilhões, agora ficou algo em torno de R$ 14 bilhões.

Alguns órgãos de comunicação deram a informação de que o governo federal não executou todo o orçamento do primeiro trimestre de 2018, mas não explicaram o porquê. Porque veio uma parte das despesas de 2017 que não foram pagas, que tiveram de liberar [pagar] em 2018. Para isso, seguraram as despesas de 2018. No final do ano vai faltar recursos de despesas comprometidas em 2018, que somente será realizada em 2019. Isso aqui é uma bola de neve por 20 anos.

A partir desse quadro que já está se mostrando, que tipos de serviços serão mais prejudicados?

Já tem alguns indicadores, quando analisamos 2017, em que isso ficou muito nítido. A tendência de quem será, de que segmento, que áreas serão mais atingidas. Primeiro, a atenção básica. Comparativamente às despesas com média e alta complexidade [hospitais e atenção especializada].

Em 2017, as transferências que foram feitas para estados e municípios tiveram queda real em todos os blocos de financiamento [Atenção Básica, Vigilância em Saúde, Assistência Farmacêutica], exceto a média e alta complexidade que teve aumento real [acima da inflação].

Transferiu recursos abaixo da inflação para Atenção Básica, Vigilância em Saúde, Assistência Farmacêutica, para gestão do SUS e investimentos no SUS. Onde tem mais pressão econômica, diante do modelo que ainda é muito baseado na atenção hospitalar, acaba abocanhando os recursos e, à medida que esses recursos vão diminuendo, evidentemente a tendência é que fique mais escasso para aqueles setores onde têm menos poder de influência. A Atenção Básica deveria ser justamente aquela a receber mais recursos, não a mais penalizada como já vem sendo.

A aquisição e distribuição de medicamentos estratégicos, ficou 55% a pagar. Tem os medicamentos de DST/Aids, ficaram 30% de restos a pagar. Farmácia Popular também ficou um valor relativamente grande, enfim o que a gente vai observar é que sem ter havido nenhuma deliberação do Conselho Nacional de Saúde (CNS) em relação a isso [prioridade].

Na greve dos caminhoneiros, uma das medidas anunciadas [pelo governo Federal] foi o PIS/Cofins não incidir por 60 dias do preço do óleo diesel. E o Cofins é um dos tributos que tem uma parte no orçamento da saúde. Isso chega a impactar?

Considerando a regra da Emenda 95, em que o piso para a Saúde não é mais um percentual [15%] da receita, mas um valor fixado em 2017, corrigido pela inflação ano a ano, da mesma forma que o crescimento da receita, nenhum centavo deste crescimento seria alocado para o financiamento da Saúde, assim nenhuma redução penalizará a Saúde pelo mesmo motivo. A despesa com a Saúde não tem mais nenhuma referência direta com a arrecadação.

Indiretamente ele debilita, fragiliza o financiamento da Seguridade Social. Como a gente faz a análise do orçamento separado da Seguridade Social, que envolve Saúde, Previdência e Assistência e a Cofins é um tributo vinculado ao orçamento da Seguridade Social, evidentemente vai aumentar o déficit do orçamento da Seguridade Social. E esse aumento do déficit do orçamento da Seguridade Social, com absoluta certeza, será usado por aqueles que alegam que o problema das contas públicas diz respeito aos gastos da Previdência e aos elevados gastos da Saúde.

Vai olhar o resultado do orçamento da Seguridade Social, e como uma das fontes de financiamento teve redução, quase absoluta certeza o governo não vai compensar essa redução numa outra fonte da receita da Seguridade. Então, vai evidenciar um buraco maior no orçamento da Seguridade. Aí olha só qual é o cenário que eu vejo: tá vendo como a Previdência é um problema, tá vendo como a Saúde é um problema, tá vendo como o Bolsa Família [Assistência Social] é um problema. O risco é a manipulação dessa medida, como forma de fragilizar o já penalizado orçamento da Seguridade Social.

Como ficará essa situação de um orçamento que já vinha tendo perdas, como a CPMF, em 2008, e agora essa Emenda 95, que rebaixa ainda mais esse financiamento da Saúde?

A despesa per capta da área social vai cair nos próximos 20 anos, porque eu mantenho as despesas no nível de 2016, no caso da saúde e educação, no nível de 2017, e só atualizo pela inflação. A população vai crescer nos próximos 20 anos entre 0,8% e 1% ao ano, segundo dados do IBGE. Se a população vai crescer e a receita para financiar as políticas sociais não crescerá, haverá menos despesa alocada por habitante.

Há uma tendência realmente de deterioração dos indicadores de saúde, não somente, dos indicadores sociais em geral.

Hoje em dia qual o investimento per capta de saúde?

O dado consolidado, União, estados e municípios, custa R$ 3,50 per capta por dia. [Bem menos que a tarifa de ônibus, que ainda tem subsídio do Poder Público às empresas].

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