São Paulo – Apesar de as bebidas alcoólicas serem legalmente destinadas apenas a maiores de idade, a publicidade desses produtos atinge também as crianças e os adolescentes. A constatação é de um estudo realizado pela pesquisadora da Unidade de Pesquisas em Álcool e Drogas (Uniad), Ilana Pinsky. “Se isso [propaganda] é feito já pensando em atingir esse público[menores de idade], eu não posso afirmar. O que eu sei é que ele atinge, atrai e é interessante”, afirmou em entrevista à Agência Brasil.
Mesmo com o endurecimento das normas estabelecidas pelo Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar), Pinsk disse que a publicidade de bebida, em especial a da cerveja, é muito atraente aos jovens. “Se você for observar os elementos da publicidade de cerveja , que é a que mais tem na área de propaganda de bebidas alcoólicas, ela é extremamente bem humorada, mostra sempre pessoas bonitas e jovens. Ela não fala do produto em si, mas dos sonhos e do estilo de vida relacionado à alegria e às festas, o que tudo tem a ver com o jovem”, afirmou.
Por isso, a pesquisadora aponta para que a propaganda de bebida leva o jovem a “um início mais precoce, a um consumo mais pesado e às ideias mais positivas em relação a beber”. Quanto mais cedo se começa a beber, maiores as chances de desenvolver a dependência química, conforme a pesquisa realizada pelo Centro de Referência de Álcool, Tabaco e Outras Drogas de São Paulo (Cratod). O estudo apontou que 40% dos jovens atendidos se iniciaram no uso de drogas entre os 7 e os 11 anos idade. Desses, 38% começaram pelo álcool.
“Quanto mais atrasar o consumo de álcool, melhor para a saúde dele [jovem] e melhor para a relação que ele vai ter com a bebida”, disse o presidente do Centro de Informações Sobre Saúde e Álcool (Cisa), Arthur Guerra. Segundo ele, o uso precoce de drogas está associado ao consumo excessivo de álcool que pode levar a uma “alteração no comportamento” e fazer com que o jovem se exponha a riscos.
Entretanto, Guerra é cauteloso ao relacionar o consumo precoce a publicidade. “É um assunto tão sério que nós deveríamos ter dados objetivos, números concretos que a gente pudesse falar: ‘olha, a propaganda está levando tantos jovens a beber mais cedo’ ”, afirmou.
Para o procurador Fernando Lacerda, a publicidade interfere em um processo de escolha que deveria estar sujeito somente ao juízo de cada um. “Justamente porque é uma decisão pessoal, eu acho que tem que ser a mais livre possível. E a publicidade interfere nessa decisão, ela influencia principalmente o jovem, que ainda não tem uma formação pessoal sólida”, disse.
Ele é o autor das ações que pedem indenização das fábricas de cerveja pelos danos causados à sociedade e ao patrimônio público devido ao aumento do consumo induzido pela publicidade. Em uma delas, ele pede R$ 2,764 bilhões, calculados com base nos gastos em saúde do governo federal com doenças e traumas relacionadas ao consumo de bebida alcoólica. “O pedido é que por conta da indústria de cerveja investir maciçamente em publicidade ela implica no aumento de consumo e no aumento desses danos”, afirmou.
Para Ilana Pinsky, a propaganda ideal deveria destacar apenas a qualidade do produto sem fazer associações ao estilo de vida ou a diversão.