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Queremos liberdade!

Nós do SINPSI sabemos da necessidade de falar sobre o assunto, sobretudo tendo em vista a produção de saúde mental da população negra, que sofre com a violência causada pelo racismo

Há quem diga que 13 de maio não é dia de negro, e há quem diga que sim. De quem é a responsabilidade do fim da escravidão no Brasil? Qual era o projeto político da democracia racial?

Hoje, 13 de maio de 2019.

169 anos depois da lei Eusébio de Queirós, que proibia a entrada de escravizados no Brasil, em 1850, por conta da Varíola.

148 anos depois da lei do ventre livre, que libertou todas as crianças nascidas, filhas do povo escravizado, em 1871, os chamados “ingênuos”, e que previa indenização aos fazendeiros, o que não foi cumprido. O que nos faz pensar muitas coisas.

134 anos depois da lei dos Sexagenários, que libertava, em 1885, todos os negros maiores de 65 anos de idade e que estabeleceu que os escravos maiores de 60 anos e menores de 65 estariam livres mas sujeitos a prestação de serviços por 3 anos. Um projeto de reforma da previdência.

131 anos depois da Dona Isabel assinar a lei que abolia a escravidão, no ano de 1888. Os artigos eram: Art. 1.º: É declarada extinta desde a data desta lei a escravidão no Brasil. Art. 2.º: Revogam-se as disposições em contrário. A história oficial deu muita importância a Dona Isabel. Mas a data não é utilizada como o principal marco da luta dos negros por sua liberdade. A preferência é por 20 de novembro, aniversário da morte de Zumbi dos Palmares (1655-1695) e feriado em milhares de cidades brasileiras como Dia da Consciência Negra. Não podemos nos limitar a palmares, pois não vai resolver o problema do apagamento das diversas histórias da população negra.

Começava aí um plano perverso de eliminação do povo negro, que persista até os dias de hoje. Nós do SINPSI sabemos da necessidade de falar sobre o assunto, sobretudo tendo em vista a produção de saúde mental da população negra, que sofre com a violência causada pelo racismo. Nossa luta sindical passa por esses caminhos.

Com certeza, a fala do atual e até então presidente da república Jair Bolsonaro não faz coro a essa luta. Quando corta bolsas universitárias, está dizendo que não quer gente estudada, o que era sonho, hoje palpável à população negra, virá sonho inalcançável. Quando fala da reforma da previdência, afirma que podemos morrer trabalhando, ou que nem vamos trabalhar. Quando fala que racismo não existe no Brasil, recentemente em entrevista, não enxerga, tomado pela cegueira do seu privilégio de homem branco, que essa relação de poder é um sistema de opressão por conta da origem social das desigualdades. Seu filho também não fica longe, promovendo uma sessão solene pelos 131 anos de assinatura da lei áurea pela princesa Isabel, em pleno ano de 2019.

Enquanto a cor da pele e as características negroides que carregamos for condição de escravidão e desumanização, precisaremos falar sobre isso. Quando falamos disso estamos contando história, mas agora do nosso jeito. Estamos falando que nossos antepassados não foram escravos, mas sim escravizados, estamos falando que a princesa não foi Isabel, e sim Dandara, estamos falando de nossas histórias pessoais e não de teorias que ficam apenas nos livros. Precisamos desconstruir, para reconstruir por outras possibilidades, e responsabilizar a estrutura e não o indivíduo.

Ao naturalizá-las, não discutimos a origem social das desigualdades. Desigualdades concretas versus igualdades abstratas, segundo Simone de Beauvoir. Precisamos de ambientes diversos para não reproduzir, por exemplo, falas de que somos todos iguais. Essa fala não nos une, pois vivemos numa sociedade separada por gênero, raça e classe.
Enquanto a maioria das profissionais da psicologia, por exemplo, forem mulheres e homens brancos, não estamos olhando para o acesso ou para o privilégio. Enquanto o universal for normativo posto, não vamos propor as mudanças de olhares.

Grada Kilomba, fala da metáfora do poder. Se perceber como branco ou negro na sociedade. Se perceber como negro é não ser seguido por segurança, não ser parado ou morto pela polícia, de não ter uma única projeção de futuro, de não tomar menos anestesia no parto, de não ser estatísticas de sofrimento em saúde, entre outras coisas.
Queremos esse poder, essa liberdade !

O 13 de maio, mobiliza pesquisadoras e pesquisadores negros e a população em geral. Diz o provérbio africano que, “até que os leões tenham seus próprios historiadores, as histórias de caçadas continuarão glorificando o caçador”. Mas, como no provérbio africado, este é o ponto de vista dos caçadores. A “história” ensinada aos descendentes dos escravizados esconde o papel ativo que seus antepassados tiverem na luta pela sua própria libertação. Não vamos correr o perigo de uma história única, como diz Chimamanda Adichie. Não vamos deixar a psicologia contar uma história única, a partir do seu próprio ponto de vista. Podemos fazer o exercício constante de fazer costuras mentais com a história, a sociologia, antropologia, a matemática, entre outras.

Cinthia Vilas Boas – Mulher preta, ativista do movimento negro, educadora social e psicóloga, diretora de políticas sociais do SINPSI.

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