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Reunião na Comissão de Saúde, na Câmara de Vereadores, reacende debate sobre identidade de gênero e cura gay

Uma audiência que começou invocando Deus e com momento de fala de cunho racista. Assim foram conduzidos os trabalhos, na tarde do dia 25 de outubro, na Comissão de Saúde, Promoção Social, Trabalho e Mulher, da Câmara Municipal dos Vereadores de São Paulo.

A reunião, presidida pela vereadora Rute Costa (PSD), pretendia debater o desenvolvimento psicológico infantil, sob a ótica da Ciência, a partir de incômodo causado por publicação de capa da revista Veja, que mostra uma criança transexual de seis anos de idade.

Representando o Conselho Federal de Psicologia (CFP) estava Fernanda Magano; representando o Conselho Regional de Psicologia (CRP-SP), os conselheiros Bruna Falleiros e Rodrigo Toledo.

O primeiro convidado a falar foi o psicólogo Adriano José Silva, um dos que moveram ação popular contra a resolução 001/99 do CFP, que impede que psicólogos e psicólogas ofereceram tratamento de reversão de homossexualidade em seus atendimentos terapêuticos. A ação gerou liminar judicial emitida pelo juiz federal do DF, Waldemar Cláudio de Carvalho, que suspendeu a resolução 01/99, em setembro deste ano.

Apesar de a liminar apontar termos específicos da resolução 01/99, ela produziu um paradoxo ao autorizar a terapia de reorientação sexual, invalidando o cerne da resolução.

Depois de ler parte da liminar, Adriano defendeu a ideia da homossexualidade egodistônica – quando um sentimento ou comportamento perturbam a própria pessoa, como o caso de um homossexual que não se aceita – e afirmou que o desenvolvimento infantil acontece no campo psicológico e no fisiológico, com desenvolvimento por fases do sujeito.

Sobre a matéria da revista Veja, o psicólogo sugeriu erotização infantil. Citou posicionamentos da Sociedade Brasileira de Pediatria e da Sociedade Americana de Pediatria para embasar sua fala. Não raro, mencionou termos como doutrinação e negação do processo científico. E criticou pais que estimulam inibidores de hormônio em adolescentes.

“Se essa questão ainda não está estabelecida, entende-se que essas crianças e adolescentes estão sendo usados como cobaias”, disse, após ler afirmação da Associação Americana de Pediatria referente ao que ele nomeou “ideologia de gênero”.

O discurso do psicólogo foi pontuado pela exaltação da formação biológica do sujeito.

“Existe transtorno psicológico em pessoas que não se reconhecem pertencentes ao sexo biológico”, frisou, passando, em seguida, vídeo com entrevista de um homem contando a experiência de ter se tornado um ex-homossexual.

Confusão

Pegando carona na sugestão de erotização infantil, a presidenta da Comissão entendeu como pedofilia o debate sobre identidade de gênero em crianças. Mas a confusão se deu mesmo quando a vereadora confundiu a proposta da resolução 01/99 do CFP, achando que o texto impede o atendimento terapêutico de homossexuais.

“Poder atender uma pessoa e não atender outra abre para discriminação BRANCA”, disse, causando revolta nos representantes da sociedade civil presentes, pelo uso do termo branca como algo de cunho preconceituoso, racista.

Com a vez de fala, Fernanda Magano, representando o CFP, ressaltou a importância do debate com seriedade e respeito devidos.

“A confusão entre identidade de gênero e orientação sexual, em minha opinião, é produzida propositadamente. E colar isso à pedofilia é uma vergonha pública”, apontou.

Fernanda reafirmou que a resolução 01/99 não representa um cerceamento aos psicólogos, mas que orienta a forma como esse atendimento deve acontecer.

“Trata-se do acolhimento do sofrimento e de fazer todos os procedimentos necessários para a superação desse sofrimento da própria aceitação a partir do que é a referência de identidade da pessoa”, explicou, lembrando que a resolução foi feita a partir da determinação da Organização Mundial de Saúde (OMS), que tirou a classificação de doença para homossexualidade.

“O texto não impede atendimento em momento algum. A forma da atenção é que tem que ser olhada com o devido cuidado. Historicamente temos a questão da patologia gay sendo tratada como internação, como vemos hoje nas comunidades terapêuticas. Esses organismos, que não são laicos, misturam religião com Ciência, fato que aparece aqui, nesta Comissão, o tempo todo. Quando você fala que quer tratar Ciência e que em nome de Deus esse debate será bem conduzido, temos um problema”, provocou Fernanda, que também é presidenta do SinPsi.

À Conselheira Bruna Falleiros, que também é coordenadora do núcleo de sexualidade e gênero, coube esclarecer que a vivência trans é autodeclarada – ninguém pode falar em nome da pessoa.

“O sujeito se apresenta de maneira trans ao mundo, desde a infância, de maneira travestida, pelo comportamento, sentimentos e expressões”, disse.

Sobre as terapias de reorientação sexual, disse que a função d@ psicólog@ é ter uma escuta da demanda e ajudar a pessoa que traz o sofrimento a elaborar a fala, a entender o que é esse sofrimento.

“Esse sofrimento vem porque a sociedade impõe preconceito a essas pessoas”, lembrou.

Bruna também explicou que orientação sexual é o desejo por pessoas, seja do mesmo sexo ou de sexo diferente.

“A prática sexual não necessariamente está relacionada ao desejo sexual. Se a pessoa tem desejos não aceitos pela sociedade, ela desenvolverá práticas sexuais aceitas. Não existe embasamento científico que respalde reorientação sexual. Existem pesquisas que indicam que todas essas tentativas foram fracassadas, inclusive”, garantiu a conselheira do CRP.

Como não foi possível sustentar todas as teses na reunião, os vereadores concordaram em aprovar um requerimento para fazer uma Audiência Pública sobre o tema.

A imagem pode conter: 8 pessoas, pessoas sorrindo, pessoas em pé

Movimentos presentes

Um dos presentes, Helcio Belclair, jornalista, militante LGBT e coordenador político e de mídia do coletivo Arouxianos, que atua no Largo do Arouxe. Regiçao de grande concentração de pessoas LGBT, considerou a reunião violenta nas artimanhas

“Eles estão embasados no ódio e nos seus conceitos morais religiosos, que não respeitam a vida, mas excluem pessoas. Tentam levar esses conceitos para a Ciência”, afirmou.

Vestido com roupas de Candomblé, o babalorixá Diego Mantoni, que é presidente do Movimento Brasil contra a Intolerância Religiosa, contou que grande parte dos adeptos religiosos de matiz africana é LGBT ou tem filhos LGBT.

“Por isso, temos um trabalho de inclusão com a diversidade. Fiquei muito ofendido quando a presidenta da Comissão usou o termo “branco”, sugerindo racismo. E depois ainda falou que o Brasil é um país cristão. Ora, o Candomblé não é uma religião cristã. Então ela exclui a minha comunidade?”, indagou.

Também estavam presentes representantes do coletivo Mães pela Diversidade, formado por mães de filhos e filhas LGBTs e atuante em 23 estados brasileiros.

“Nosso coletivo é suprapartidário, laico, independente. Ficamos indignadas com falas destorcidas, que reforçam a homofobia, pois há muita violência contra nossos filhos”, argumentou Lolita Sala, que vestia uma camiseta com foto de Laura Vermont, trans de 18 anos assassinada em 2015, na zona leste de São Paulo, por cinco homens que aguardam o julgamento em liberdade.

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