A negação da condição de negro é uma maneira de reproduzir algo imposto por uma sociedade que dita o branco como o correto
Destrinchar o conceito de identidade para entender toda a construção intrínseca do racismo, que persiste na sociedade brasileira até os dias atuais. Esse foi o foco da Roda de Conversa promovida pelo Coletivo Negro SinPsi, que ocorreu na noite desta quinta-feira, 21 de novembro, na sede do sindicato. O evento marcou a semana da Consciência Negra, que encheu o movimento sindical de debates e ações pela causa negra.
O psicólogo Alessandro Campos coordenou a conversa, falando de construção de subjetividade, algo comum ao universo da Psicologia, para chamar a atenção sobre como as pessoas se colocam perante o racismo e como o reproduzem.
“O imperceptível é o que caracteriza a metamorfose da identidade, como acontece com o crescimento de uma pessoa, que deixa de ser bebê pra ser criança, depois passa a ser adolescente, depois jovem, adulto, para enfim se transformar em velho. Em que momento ela deixou de ser adulto e se tornou um velho? Não sabemos, não percebemos, é uma transformação contínua”, explicou Alessandro.
Junto a esse raciocínio, veio à tona a ideia de colonialismo, ainda muito latente em nossa sociedade. É concebido um espaço central como o ideal, o correto, o desejável, enquanto tudo o que é periférico está no campo do desviante, do errado, do indesejável. E neste centro, lugar do colonizador, estão as pessoas brancas, “nobres”, abastadas, inteligentes, as colonizadoras. Na periferia estão os negros, pobres, limitados, os colonizados. A partir dessa dinâmica, a sociedade passa a negar tudo o que advenha do negro. É o referencial do que é desejado pautado por tudo o que é branco e do branco, como ainda ditam os brinquedos infantis, a mídia, as telenovelas.
“Nessa dinâmica, há mestiços que renegam sua origem negra e reproduzem o conceito imposto do belo, do correto, de maneira inconsciente mesmo, já que o mundo para os brancos é um mundo melhor, sem preconceitos, sem portas fechadas”, afirmou o psicólogo.
Tradição
A coordenadora do Coletivo Negro e vice-presidente do SinPsi, Cátia Cipriano, identificou ter reconhecido sua negritude através do Movimento Negro.
“Parece que estou vendo um filme se passando em minha cabeça. A minha identidade como negra e as consequentes responsabilidades que isso me trouxe como psicóloga negra só se tornaram viáveis quando passei a fazer parte de um movimento. Fico pensando em quanta gente ainda vive na negação”, refletiu Cátia.
Dessa maneira, o racismo acaba ganhando corpo de tradição, de algo que não deve ser modificado, sendo a tradição um espaço de compartilhamento de símbolos e condutas, de sentidos no presente. E se o racismo é um código compartilhado pela coletividade, a saída pode estar em pensar a tradição por meio de sua apropriação crítica.
“A tradição trabalha a liberdade ou a dominação? Como a psicologia faz esse discurso de libertação? É aí que está o desafio. E para que isso tenha resultados favoráveis aos negros, a Psicologia não pode ter sua formação dentro da perspectiva colonialista. Porque o racismo estrutural gera um sofrimento que não é produzido só na singularidade, mas dentro de uma estrutura”, disse Alessandro.
Alguns exemplificaram suas vivências com o racismo do dia a dia, como o filho que foi confundido com guardador de carro em um estacionamento de supermercado, a psicóloga do CAPs a quem foi pedido para servir um café, achando tratar-se de uma copeira, jamais psicóloga.
Ao final, o grupo concluiu que a emancipação da identidade se dá na luta pelo reconhecimento e pela produção de legitimização.
“Um movimento terá sido bem-sucedido quando deixar de ser necessário. Onde vai parar a luta negra não se sabe, mas, como diriam os zapatistas, do jeito que está a gente não quer”, finalizou Alessandro.
O Coletivo Negro SinPsi publicou artigo no site do SinPsi, pelo Dia da Consciência Negra. Clique aqui para ler. O artigo é assinado por Douglas Belchior, da Uneafro, e por Cátia Cipriano, coordenadora do Coletivo. Douglas deu entrevista ao programa CQC sobre racismo. Veja o vídeo aqui.