Diariamente, antes de o sol nascer, a auxiliar de enfermagem Neusa Matias, de 62 anos, deixa o Parque Santa Madalena, bairro onde mora na zona leste, para trabalhar no Hospital Ipiranga, na zona sul de São Paulo. Às seis da manhã ela começa a atuar em uma função que exige malabarismos para atender bem a população. “Precisamos improvisar muito, já que falta luva, medicamentos e principalmente, pessoal. Por isso e para ganhar um salário digno que os funcionários precisam fazer tanta hora extra”, critica.
Com pele negra, cabelos brancos e vencimentos que não chegam a dois salários mínimos, apesar de 15 anos de serviços prestados à saúde pública de São Paulo, Neusa era mais cidadã anônima invisível aos olhos do governador José Serra, na Praça da Sé, na última sexta-feira (29). Em um ato bem-humorado comandado pelo Sindicato dos Trabalhadores Públicos da Saúde no Estado de São Paulo (Sindsaúde)-CUT/SP, os servidores levaram cartazes com coxinhas penduradas para protestar contra o auxílio alimentação de R$ 4 por dia.
Para o funcionalismo, tão grave quanto a falta de condições de trabalho é a intransigência de Serra, que ignora a Lei da Data-Base, aprovada pela Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp), em 2006, e não abre um canal de negociação. Dessa forma, evidencia o descaso pela população, maior prejudicada pela falta de estrutura com a qual convivem os trabalhadores, muitas vezes obrigados a fazer “vaquinha” para comprar as ferramentas de trabalho.
*Jornadas paralelas*
Os baixos salários também levam os profissionais a se desdobrarem em “bicos” para complementar o orçamento. São enfermeiros obrigados ao atendimento particular, professores em duplas ou até mesmo triplas jornadas e policiais em atividades de segurança privada.
Após a concentração na Sé, os manifestantes seguiram para a Praça da República, diante da Secretaria Estadual de Educação, onde o Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp)-CUT/SP coordenou uma assembléia que terminou com deliberação de uma paralisação a partir de quarta-feira (03).
Além de exigir um aumento de 27,5%, a incorporação das gratificações aos salários e repudiar um cursinho preparatório de quatro meses para todos os docentes, a categoria é contrária à contratação por tempo determinado dos temporários e à realização de uma provinha para esse grupo. Os servidores da educação defendem o investimento na formação a longo prazo e rejeitam avaliações supérfluas. “O funcionalismo está unido e vai mostrar para quem duvida da nossa força a capacidade de mobilização ao lado dos pais e alunos”, afirmou a presidente da Apeoesp, Maria Izabel Noronha, diante de cerca de cinco mil pessoas presentes no ato unificado.
*Audiência na quarta* – Nesta segunda e terça (dias 01 e 02 de junho), acontecerão reuniões nas escolas e na quarta (03), às 14h, os professores promovem uma audiência pública no auditório Juscelino Kubitschek na Alesp.
Para o presidente da CUT/SP, Adi Lima, é a hora da sociedade dar as mãos aos trabalhadores em busca de um novo modelo de desenvolvimento para São Paulo. “A agenda de mobilização começa dia 03 e terá apoio de nossos sindicatos. Porém, não para por aí. Hoje não temos mais nenhum banco público no Estado para fomentar o desenvolvimento, todos foram vendidos pelo PSDB. Não podemos permitir a continuidade desse projeto neoliberal. Nesta semana, discutiremos uma grande manifestação em apoio à Petrobrás e às empresas públicas para valorizar o que restou daquilo que é nosso patrimônio”, apontou.
*Arrocho*
Conforme destaca um levantamento do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), o governo José Serra gasta 39% do orçamento com os trabalhadores. De acordo com o limite estabelecido pela Lei de Responsabilidade Fiscal, poderia chegar a 49%, o que geraria uma folga de R$ 4,7 bilhões para investir no funcionalismo.
Contudo, muito mais do que uma questão financeira, o problema é a concepção de gestão. Há mais de uma década, o grupo PSDB/DEM, que comanda o Estado mais rico da nação, prefere contratar terceirizados para trabalhar nas escolas e gerenciar a saúde, privatizar o transporte – provocando tragédias como o lamentável episódio da Linha 4 –, achatar o salário de policiais, que atuam com coletes vencidos e equipamentos precários, além de frear a contratação de trabalhadores, mesmo com a demanda da população aumentando.
“Enquanto o mundo todo aprendeu com a crise a valorizar a atuação do Estado como personagem principal do processo de crescimento, São Paulo vai exatamente na contramão. Para o governo Serra, serviço de qualidade e só para quem pode pagar”, critica Adi.