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SP: movimentos pedem fim da ‘guerra às drogas’ e respeito aos direitos humanos

São Paulo – O auditório do Conselho Regional de Psicologia na capital paulista é pequeno, mas ficou ainda menor hoje (8) durante o lançamento da Frente Drogas e Direitos Humanos São Paulo, braço estadual de um movimento criado no ano passado para, como resumem seus membros, propor novas políticas públicas para lidar com o universo das substâncias atualmente consideradas ilegais no país.

Em São Paulo, a Frente Drogas e Direitos Humanos nasce abraçando cerca de 50 organizações da sociedade civil, desde associações de moradores de rua até coletivos que lutam pela regulamentação da venda e consumo de entorpecentes. São pessoas que enxergam o problema das drogas (tráfico, repressão etc.) de diferentes pontos de vista, mas concordam num ponto: as estratégias atuais de “guerra” às drogas não está funcionando e, portanto, é preciso mudá-las.

“Bilhões de dólares são gastos anualmente e as pessoas continuam consumindo”, diz Júlio Delmanto, membro do Coletivo Desentorpecendo a Razão (DAR), uma das entidades organizadoras da Marcha da Maconha. “Pesquisas apontam que 22% dos brasileiros já fizeram uso de alguma substância proibida pelas leis do país”, afirma, citando dados do Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (Cebrid), órgão vinculado à Universidade Federal de São Paulo. “Em muitos países da Europa e América Latina, o antiproibicionismo já é um caminho sem volta.”

Mas nem tudo são flores, sobretudo no Brasil – incluindo sua maior e mais rica metrópole. A própria criação da Frente Drogas e Direitos Humanos São Paulo é uma maneira de “agir politicamente” para que a sociedade paulistana passe a enxergar o universo das drogas de uma outra maneira. Júlio Delmanto adianta que um dos objetivos da Frente é ampliar o debate, que hoje em dia se atém aos circuitos médicos e jurídicos. Daí que dezenas de organizações populares e profissionais tenham se somado ao debate. “A discussão não pode ficar restrita apenas aos usuários ou a quem lida com eles”, lembra o membro do Coletivo DAR. “Direta ou indiretamente, a droga atinge a toda sociedade.”

Origens

“Drogas e direitos humanos costumam ser tratados separadamente pela opinião pública, mas alguns acontecimentos recentes têm aproximado essas duas áreas”, diz Marco Sayão Magri, membro da Frente Nacional Drogas e Direitos Humanos, nascida no final de 2011 como uma resposta da sociedade civil à estratégia de combate ao crack adotada pelo governo federal – e replicada por estados e municípios, com diferentes níveis de violência e desrespeito às liberdades civis.

De acordo com Magri, as autoridades brasileiras têm “botado no mesmo saco” e dado tratamento semelhante a usuários de drogas, portadores de distúrbios mentais e pessoas em situação na rua – sobretudo na hora de definir ações de combate à venda e ao consumo da pedra. “Isso viola os direitos humanos”, afirma, destacando que a definição de políticas públicas relacionadas ao uso de entorpecentes vem obedecendo a conceitos ultrapassados. “A dinâmica de ‘guerra às drogas’ utiliza o medo como sua principal arma, e o medo vem desinformando cada vez mais a sociedade.”

A Frente Drogas e Direitos Humanos São Paulo foi constituída a partir da certeza dos membros da Frente Nacional de que, para efetivar-se, a pressão política deve ser exercida nos estados e municípios. “Nesse tema, é difícil assistirmos a vitórias expressivas”, lamenta Magri. “Por isso, temos de atuar de maneira mais pontual: agir mais no micro do que no macro.” Daí que já esteja programado o lançamento de novas “sucursais” da Frente Nacional na Bahia, Pernambuco e Ceará. Não por acaso, são regiões que, tal qual São Paulo, têm enfrentado problemas com o crack – e violações dos direitos humanos na hora de combater sua venda e consumo.

Sufoco

Nesse quesito, a capital paulista ganhou notoriedade com a chamada “Operação Sufoco”, deflagrada pela Polícia Militar e pela Guarda Civil Metropolitana (GCM) em 3 de janeiro deste ano para combater o tráfico na região conhecida como “cracolândia”, no bairro da Luz, centro da cidade. “Colocamos o pé na cracolândia um dia depois e vimos um cenário de guerra”, resgata a defensora pública Daniela Skromov. “Não conseguimos dar um passo atrás.”

Daniela lembra que a Defensoria Pública permaneceu no local enquanto PMs e GCMs abordavam usuários de drogas e moradores de rua da região. O órgão montou inclusive uma barraquinha para atender a cidadãos agredidos pelos soldados, além de produzir e distribuir uma cartilha com orientações sobre como proceder ao ter seus direitos desrespeitados pela autoridade policial. “Ali ficou muito claro que não existe guerra às drogas sem guerra às pessoas e aos direitos humanos”, observa Daniela, para quem é totalmente ineficaz combater o tráfico de droga dispersando a população miserável para outros bairros da cidade. “Quem lucra com o vício não está nas ruas.”

Ao analisar dados da própria Secretaria Estadual de Segurança Pública, a defensora contesta o alegado “sucesso” da operação em combater a venda da pedra: em quatro meses, apenas quatro quilos de crack foram apreendidos. E somente 317 prisões resultaram das 32 mil abordagens realizadas pela PM e GCM – ou seja, menos de uma em cada cem pessoas enquadradas pela polícia estava em posse de drogas. “É claro que o motivo disso tudo não foi o crack”, define. “Infelizmente, essas pessoas continuarão convivendo com a inexistência de direitos fundamentais. As leis estão aí, mas há enclaves em que a democracia não chega.”

Internações

Um dos objetivos da Operação Sufoco, como membros da PM e do governo fizeram questão de sublinhar à época, era impingir “dor e sofrimento” aos usuários de crack para que procurassem tratamento. Caso contrário, seriam levados à força para clínicas de reabilitação, pois, de tão viciados, já não teriam condições de procurar ajuda sozinhos.

O retorno do termo “internação compulsória” ao discurso político brasileiro e paulistano é outra característica que incomoda os integrantes da Frente Drogas e Direitos Humanos São Paulo. “Por muitos anos não se pronunciou palavra sobre internação compulsória de adultos no Brasil”, contextualiza Marco Sayão Magri, do Coletivo DAR. “Agora, gestores públicos voltaram a falar nisso como se há 20 anos já não se tivesse debatido e lutado contra essa forma de tratamento por ser ineficaz.”

Daí que um dos principais objetivos da Frente é incidir sobre os governos para que deixem de tratar os usuários de drogas – e sobretudo de crack – na base da repressão e passe a considerar as pessoas viciadas como cidadãos capazes de tomar decisões próprias. Hoje liderança do Movimento Nacional da População de Rua, Átila Pinheiro se identifica como uma pessoa que conseguiu deixar a dependência. “Mas não sem ajuda de amigos e profissionais”, ressalva, destacando a importância das políticas de reeducação de danos para que conseguisse estar há 25 anos livre de entorpecentes químicos. “Tratar o drogadito com violência ou cadeia só o afasta da reinserção social.”

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