O movimento de mulheres da CUT São Paulo e feministas de diversas organizações conquistaram uma importante vitória nesta quarta (23), na Câmara Municipal paulistana – foi retirado o Projeto de Lei (PL) 138/2011 do “ônibus rosa”, que previa a obrigatoriedade de ônibus e vagões nos trens e metrôs específicos para o público feminino em pelo menos metade da frota, de segunda à sexta, no período das 6h às 10h e das 16h às 20h.
O PL foi retirado pelo próprio autor, o vereador Alfredinho (PT), depois da forte pressão do movimento de mulheres alertando para o absurdo dessa proposta de segregação feminina que, sob nenhuma hipótese, reduzirá o problema do assédio. As feministas alegaram, ainda, que o PL protege o machismo, banaliza a violência e também não apresenta nem propostas educativas, punição aos agressores ou soluções para os problemas do transporte público.
Elas alcançaram outra conquista: discutir e construir políticas públicas contra o assédio sexual e a violência sofridos no transporte público, numa comissão que será integrada pela CUT São Paulo, Marcha Mundial de Mulheres e a Marcha das Vadias, entre outras organizações, além das secretarias municipais de Transportes e de Políticas para Mulheres.
A sessão foi tumultuada, pois a audiência pública havia sido marcada em meio à pauta ordinária da Casa. Os debates do PL foram interrompidos para que o secretário municipal de Serviços, Simão Pedro, prestasse esclarecimentos sobre as ações de sua Pasta.
Terminada a exposição, começaram as vaias e reivindicações do público depois da intransigência e do jogo de cena entre o presidente da Mesa, vereador Gilson Barreto (PSDB) – que queria reagendar a audiência para outra data – e o vereador Mario Covas Neto (PSDB), que também pretendia protelar o debate para fazer perguntas ao secretário de Serviços.
Depois do bate-boca entre os vereadores e as vaias do público, os parlamentares foram convencidos pela pressão das mulheres e a pauta ordinária foi finalmente transferida para as 15h, dando continuidade à audiência pública.
Espaço público para todos e todas
No pedido da retirada do projeto, Sonia Auxiliadora, secretária da Mulher Trabalhadora da CUT/SP, reivindicou ações para combate à violência contra as mulheres e também para melhorar a qualidade do transporte coletivo. “A mulher, que tem dupla jornada e volta tarde para casa, não pode ficar nas ruas esperando por um ônibus rosa”, ressaltou a dirigente cutista.
Sonia Maria Coelho, da Marcha Mundial de Mulheres, apontou a grave discriminação na ocupação dos espaços: o público, visto como prioritariamente dos homens, e o privado, reservado às mulheres. “Quando elas ocupam o espaço público, são vistas como se ocupando algo que não lhes pertence. Não é à toa que somos maioria deste lado do plenário, mas nenhuma de nós está aí na Mesa da Câmara”, afirmou.
Representando a Marcha das Vadias de São Paulo, Gabriela Alves disse que o PL só reforça a cultura do estupro, na qual as vítimas são culpadas pela violência sexual sofrida e o agressor é eximido de sua responsabilidade.
“A liberdade de ir e vir deveria ser comum a todos e todas, sem jamais pensar que é preciso segregar mulheres, gays ou lésbicas. O transporte que se diz público tem que ter, sim, aparato de segurança para evitar esse e outros tipos de violência”. E completou: “Não cabe direcionar a verba da tinta rosa e logística de transporte para ensinar os homens a não estuprar mulheres?”, questionou.
Recuo
O vereador Alfredinho justificou a apresentação do projeto, afirmando que o objetivo da proposta era mesmo provocar o debate, e reconheceu a falta de diálogo entre os parlamentares, os setoriais do partido e os movimentos sociais.
“Precisamos construir coletivamente outro PL que venha a apontar um caminho eficiente e urgente. O debate não se encerra aqui”, garantiu.
Para Rogério Giannini, presidente do SinPsi, foi muito importante esse episódio por que nos traz a possibilidade de reflexão.” Costumo dizer que as boas intenções, que é o que parece ser a iniciativa do vereador, estão cheias de infernos. Segregar mulheres é o pior caminho pois acaba por naturalizar o fenômeno. O próximo passo é considerar as mulheres que não estão segregadas como alvos justificados dos ataques, afinal de contas, quem mandou estar ali¿ O aumento percebido de práticas de abuso sexual no transporte coletivo nos impõe a discussão do caráter intolerável do machismo e do sexismo. Não é possível levar isso para o âmbito da anedota e tratar o machismo como uma questão pessoal, de gosto, opinião ou de foro íntimo. O machismo afronta um direito fundamental que é o da igualdade entre gêneros. Ocorre-me, enquanto comento, a intensa exposição das mulheres sexualizadas de forma banal nas propagandas de cerveja. Há uma insistência de se apresentar a mulher reduzida a um corpo que está a disposição para o desfrute de machos idiotizados. A proposta do ônibus cor de rosa ao menos serviu para mostrar que a realidade tem outras cores. Depois do puxão de orelha, espero que o vereador ache jeitos melhores de enfrentar a questão”