São Paulo – “Vai registrar a gente?”. “É só até a Copa ou é pra valer, de coração?”, “O senhor acha que quinze reais por dia é um salário digno para gente?” Essas foram algumas perguntas que o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT), ouviu e respondeu na manhã de hoje (16), na rua Helvétia, na região conhecida como cracolândia, no centro da capital. Mas as perguntas foram feitas pelos próprios participantes do programa Braços Abertos, não por jornalistas. Desde terça-feira (14), a administração municipal leva a cabo o programa que prevê a hospedagem em um dos cinco hotéis conveniados da região, a oferta de três refeições gratuitas por dia e a contratação para serviço de varrição e zeladoria com carga de 4 horas diárias, mais duas de qualificação e salário de R$ 15 por dia de trabalho. Hoje, cerca de 40 pessoas vestiram o uniforme e começaram a varrer ruas da região.
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“Não é o primeiro trabalho que eu iria procurar, mas vou agarrar essa oportunidade com todas as forças. Estou muito confiante”, disse Vandeilda Benedito da Silva, a Vanda. A RBA conversa com Vanda e seu companheiro, Renato Pereira, o Tim, desde segunda-feira. Mas o casal, usuário de crack e álcool, nunca se permitiu fotografar. Hoje, orgulhosos, eles posaram e deram entrevistas a canais de televisão. “Agora pode porque se minha mãe me vê vestida assim, com certeza vai ficar orgulhosa. Até porque ela é gari também”, conta.
Márcio Alan, com tom menos crítico, mas “sem babação de ovo”, agradeceu ao prefeito pela oportunidade e contou que está há dois dias sem usar drogas e se sente mais saudável depois de passar a noite em um dos quartos de hotel reservados na região, onde pode tomar banho.
A prefeitura atribui o trunfo da grande adesão ao programa ao diálogo travado com as pessoas que montaram a favela que está sendo removida nas ruas Helvétia e Dino Bueno. O projeto, afirmou, vem sendo construído há seis meses e seu escopo atende às demandas apresentadas pelos agora ex-moradores dos barracos. “Recuperamos a confiança que havia sido perdida em função da grande violência que a região vivia. Hoje, em dois dias, conseguimos mudar a cara da região com a frente de trabalho com tratamento médico, que é o que pode construir um novo horizonte para esse pessoal”, afirmou Haddad aos jornalistas que acompanharam a visita.
“Todos serão referenciados a um Capes, Centro de Apoio Psicossocial, então todos terão o tratamento de saúde disponível. Boa parte vai conseguir deixar a droga. Mas isso não se faz de uma hora para outra, porque são anos e anos de drogadição. Então você tem todo um processo de dessensibilização. Mas eles terão um patamar mínimo para isso”, explicou.
A partir de amanhã (17), todos os participante passarão por exames para investigar a presença de doenças, como tuberculose e aids. “Vamos fazer uma espécie de exame admissional, coletar sangue. Uma espécie de check-up em cada usuário. Queremos que tenham essa atenção para o trabalho e para cuidar de sua saúde”, explicou o secretário Municipal de Saúde, José de Filippi Júnior.
A secretária municipal de Assistência e Desenvolvimento Social, Luciana Temer, disse que a ideia do programa é retirar as pessoas do vício, mas que o caminho escolhido é o de assistência e saúde. Dessa forma, não estranha que alguns usuários, mesmo uniformizados, continuem frequentando o chamado “fluxo”, onde o crack é vendido e consumido. “Ele passa lá e vem para cá. O programa é de saúde e o caminho para livrar envolve a assistência”, explicou. Ainda assim, garante que durante as quatro horas de trabalho “não será compatível” o uso de drogas.
Alguns usuários contaram à RBA que, em função da presença de todo o aparato do estado e jornalistas, estão buscando crack em outra “boca”. Segundo ele, nas ruas da cracolândia, na verdade, estão sendo vendidas pedras de oxi, subproduto do crack, destilado com querosene e cal, o que o deixa ainda mais forte. “Para eles, fica mais barato. Aí eles vendem aqui como se fosse crack. Mas na hora que você coloca no cachimbo e dá a primeira, percebe é muito pior”, explicou um dos dependentes da região.
A dispersão dos usuários para outros bairros da cidade foi um dos problemas ocasionados pelo Operação Sufoco, conhecida como Dor e Sofrimento, deflagrada em 2012, em parceria entre as gestões de Gilberto Kassab (PSD) e Geraldo Alckmin (PSDB). Haddad garantiu que vem conversando com o governador sobre o programa e que a integração está “muito boa”. “Eu tive uma reunião pessoal com o governador em que, por horas, nós explicamos qual era a estratégia da prefeitura. Tivemos o apoio do governo do estado”, afirmou.
“O tráfico é um outro departamento que estamos cuidando. Aí envolve o governo estadual, federal. Estamos aqui em um programa de saúde pública dando uma oportunidade para o usuário que queira uma oportunidade para saírem dessa condição”, disse.