As redes sociais tanto podem ser canal de compartilhamento de informação, como de escoamento de confusão e ódio
Com o início oficial da campanha eleitoral de 2014, no dia 5 de julho, candidatos a presidente da República, senador, governador, deputado federal e deputado estadual ativaram suas páginas nas principais redes sociais, como Google+, Facebook e Twitter. O objetivo da presença na internet é centralizar mensagens de estímulo a seus apoiadores e dialogar com eleitores indecisos, apresentar propostas e projetos ou, simplesmente, reforçar nome e número de urna na memória do cidadão. Isso, claro, na superfície. Sob um ambiente republicano e propositivo, onde impera a cordialidade, candidaturas de todas as cores partidárias e ideológicas concentram em torno de si, com anuência das coordenações de campanhas ou não, centrais de boataria que espalham notícias desatualizadas ou fora de contexto, mentiras e maldades pelas redes sociais.
A página boatos.org, dedicada a desmentir fofocas mentirosas que circulam pelas redes sociais como se fossem fato, aponta a presidenta Dilma Rousseff (PT) como principal alvo das mentiras nas redes sociais, com mais de 50 boatos divulgados sobre ela desde 2010, sua campanha anterior. São montagens de foto – como a que apresenta a presidenta exibindo os dedos do meio à torcida do Brasil durante o jogo de abertura da Copa do Mundo –, de vídeos – um deles mostra que um jogador alemão, após sagrar-se campeão do Mundial, teria se recusado a apertar a mão da presidenta– e muitas histórias para lá de suspeitas.
“Ministro das finanças da Suíça humilha Dilma na Europa”, “Dilma traz 50 mil haitianos para votar pelo PT” e “ex-namorada de Dilma entra na Justiça e cobra pensão” são apenas alguns exemplos do tipo de material que busca alimentar preconceitos contra cor da pele e identidade sexual, por exemplo, e prejudicar a imagem da presidenta perante a parcela mais conservadora da sociedade.
Aécio Neves (PSDB) e Eduardo Campos (PSB), candidatos a presidente pela oposição, são menos citados e com menor virulência. Em relação a Campos, a única invenção das redes sociais registrada no site, de tendência neutra, é o de que ele seria filho ilegítimo do compositor Chico Buarque. A “evidência” do parentesco seria apenas a cor dos olhos.
Contra Aécio, a carga é mais pesada: “memes”, como são chamadas as imagens sobrepostas por texto de tom humorístico ou sarcástico, e falsos links o acusam de mover ação contra a cerveja Heineken por ter uma estrela vermelha (símbolo do PT) na garrafa, de menosprezar o voto dos professores e de usar sua filha do casamento anterior, com Andrea Falcão, para realizar tráfico internacional de diamantes.
A campanha mais intensa contra Aécio, no entanto, é relacionada a seu suposto vício em cocaína. Foram as repetidas menções a essa história que levaram o candidato a solicitar ao Google que restringisse o recurso “autocompletar” da barra de busca do site por conta da associação imediata que o sistema fazia entre o nome do senador mineiro e o entorpecente, levando em conta a quantidade de citações na rede e de pesquisas realizadas com esses termos.
O candidato tucano registra, ainda, o único caso de boato positivo para sua imagem de acordo com o boatos.org: texto que circulou pelas redes sociais como se fosse produzido por veículos tradicionais de comunicação dava conta de que o ex-presidente do Supremo Tribunal Federal Joaquim Barbosa teria aceitado ser ministro da Justiça caso Aécio seja eleito presidente. Barbosa, que mesmo sem poder ser candidato chegou a pontuar 14% em pesquisa Datafolha de fevereiro, é figura de prestígio entre o eleitor alinhado ao PSDB.
Exacerbar a comunicação
Dilma, cuja campanha atualmente realiza seminários de formação para militantes virtuais e orienta seus apoiadores a buscar desmentir boatos, e Aécio, que tem buscado prioritariamente o caminho judicial para impedir a propagação de notícias falsas, são alvos mais atingidos por sua evidência pública.
“Enquanto nas redes empresariais e científicas há objetivos e tarefas, a finalidade das redes sociais de internet é prioritariamente promover e exacerbar a comunicação”, analisam as professoras Lúcia Santaella e Renata Lemos, do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Semiótica da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo, no estudo A Cognição Conectiva do Twitter (2010). “As redes sociais de internet estão demonstrando que o humano quer se comunicar com a finalidade pura e simples de se comunicar, estar junto”, continuam, “não importa quando, como ou para quais fins”. Essa tendência, que valoriza o estardalhaço de um boato negativo, indica a prioridade de compartilhar conteúdos que confirmem opiniões já compartilhadas pelo meio social do internauta, sem necessidade de que as informações sejam, de fato, verdadeiras.
Ocorre, no entanto, que determinadas histórias obscuras da internet tenham objetivos muito claros. Em 2013, um boato sobre o fim do Bolsa-Família originado em uma empresa de telemarketing contratada para espalhar a história por meio de mensagens pelo celular, além de uma enxurrada de compartilhamentos da história por perfis falsos no Twitter, levaram a 920 mil saques de beneficiários do programa na Caixa Econômica Federal em maio de 2013, com impacto sobre o caixa da instituição da ordem de R$ 152 milhões. O episódio alimentou nova onda de críticas ao programa e de comentários preconceituosos na rede contra cidadãos que recebem o auxílio governamental.
Um capítulo à parte são os “causos” sobre as posses de Fábio Luís Lula da Silva, filho do ex-presidente Lula, conhecido como “Lulinha”. De acordo com mensagens divulgadas pela internet, ele seria proprietário da Friboi (empresa pertencente ao grupo JBS), teria comprado uma fazenda em Fortaleza, no Ceará, por R$ 47 milhões, e um jatinho Gulfstrem Gill por mais R$ 100 milhões. A imagem que acompanhava as mensagens sobre a compra da fazenda é, na verdade, de prédio histórico que sedia a Escola de Agricultura da Universidade de São Paulo (USP) em Piracicaba, interior paulista.
Seis pessoas foram denunciadas em inquérito pela difamação da família de Lula, entre elas Daniel Graziano, coordenador do site Observador Político, do Instituto FHC, e filho de Xico Graziano, coordenador de redes sociais da campanha de Aécio. Intimado a depor por três vezes, Daniel nunca compareceu ao Judiciário para esclarecer seu envolvimento no caso. As histórias de enriquecimento de Lulinha fazem consonância a outro boato comum, de que Lula integraria a lista de 100 maiores bilionários da lista da revista Forbes. A própria revista norte-americana desmentiu.
Trolls e robôs
Os canais de divulgação dos boatos são variados. Além do internauta ansioso por compartilhar informações que ganhem a atenção da maior parte de seus contatos, há páginas e perfis, geralmente falsos ou anônimos, profissionalizados em compartilhar informações duvidosas. É o caso da “TV Revolta”, perfil que tem mais de 3,6 milhões de fãs no Facebook e promove “notícias” que distorcem o funcionamento de programas sociais, como o auxílio reclusão pago a famílias de presidiários (o site é, provavelmente, o criador do apelido “bolsa bandido”) e superdimensionam indicadores, como a inflação. Há, ainda, os “robôs”, como são chamados perfis falsos que proliferam, principalmente, no Twitter, programados para reproduzir intensamente boatos para que eles ganhem a credibilidade de um grande número de “curtir” e “compartilhar”.
Não é difícil identificar esses perfis. Robôs, em geral, têm perfil vazio e incompleto, com fotos genéricas ou de celebridades, conta com poucos contatos e compartilha conteúdos com longos espaços de tempo entre um e outro, sobre temas desconexos. Já o troll se esconde e, em uma discussão on-line, apresenta sempre o discurso mais extremado, com o objetivo de provocar polêmica, e com o qual é impossível argumentar: o objetivo do troll, inflexível em suas “opiniões”, é embolar o debate e desqualificar interlocutores.
Fenômeno na internet, a personagem Dilma Bolada, sátira da presidenta Dilma mantida pelo publicitário Jeferson Monteiro, relatou recentemente caso que, se confirmado, revela o quão baixo o jogo pode chegar na internet. No começo do ano, uma agência de marketing digital que supostamente estaria trabalhando para a campanha de Aécio teria entrado em contato com Monteiro com o objetivo de “comprar” a personagem para a campanha tucana por R$ 500 mil: assim, Dilma Bolada, que normalmente brinca com a personalidade tida como durona da presidenta e defende as ações do governo petista, passaria para o lado da oposição. Pelo relato do publicitário, não fica claro se a contratação seria divulgada abertamente ou se a atuação de Dilma Bolada para o PSDB seria enrustida, confundindo o internauta alheio ao processo.
Por conta da interferência eleitoral, Monteiro chegou até a retirar a personagem do ar após 5 de julho. “Há alguns dias foi liberada a campanha e é muito ruim saber que você pode fazer a diferença, mas ver que está quase sozinho no meio de uma tormenta que é a internet, e que tem tudo para piorar conforme 05/10 se aproximar”, postou, nas redes sociais, o criador da personagem. Desde então, boatos de que Monteiro seria contratado para a campanha do PT passaram a surgir na mídia tradicional, que chegou a afirmar que Monteiro teria sido contratado para ser consultor da campanha de Dilma. O publicitário nega. “Caso um partido procurasse a mim, Jeferson Monteiro, para trabalhar na campanha, eu aceitaria numa boa, até mesmo porque não há nada de errado nisso. A Dilma Bolada não entra nessa história e em nenhuma negociação, porque é uma página pessoal, única e exclusivamente minha e que não tem preço”, afirmou, no último dia 30 de julho, em seu perfil no Facebook.
Como evitar a central de boatos
O internauta ainda é central na prevenção de boatos que têm como objetivo substituir o debate verdadeiramente necessário do período eleitoral: o de projetos para o país. “Uma vez conectado, de uma forma ou de outra, acabaremos sendo atingidos por mensagens falsas, principalmente se tratando de política, que será o assunto principal de inúmeras pessoas, familiares e amigos”, avalia Gabriel Leite, presidente da Mentes Digitais, empresa de mídias sociais de Aracaju.
“Nem tudo que lemos na internet é verdade, assim como nem tudo que nos dizem é verdade. É preciso entender isso e buscar sempre pesquisar, saber se realmente a publicação é verdadeira, ir ao Google, buscar portais de maior credibilidade. Você é o que você compartilha, e se você compartilha inverdade, as pessoas vão achar que o mentiroso é você, e não a notícia. Compartilhou, assinou embaixo”, aconselha.
As dicas de Leite estão em consonância com as orientações da agência de marketing digital Frog, com sede no Rio de Janeiro. A pedido da Revista do Brasil, os analistas da empresa, que atende clientes como Vale, Coca-Cola e Motorola, entre outras, enumeraram passos simples para evitar armadilhas.