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Ato #AmarSemTemer, na Av. Paulista, une a Psicologia e LGBTs contra a homofobia

A semana passada teve como pauta uma liminar judicial propunha autorizar tratamento de reorientação sexual para pessoas homoafetivas, colocando em xeque a resolução 01/99 do Conselho Federal de Psicologia (CFP). O assunto ecoou em nível internacional, fazendo voltar à tona o debate sobre um termo absurdo: a cura gay.

As reações foram diversas, tanto da parte de entidades de Psicologia quanto da parte da comunidade LGBT. A energia da indignação por mais esse retrocesso na conjuntura atual do Brasil levou o grupo Coletivos Coalas se unir ao SinPsi para promover uma tarde de debate e show, no último domingo, 24 de setembro, na Av. Paulista.

O debate, uma verdadeira aula aberta, começou às 11h30, com a fala de Rogério Gianinni, presidente do CFP e ex-presidente do SinPsi, explicando quais as funções de um Conselho profissional, autarquia regulamentada por lei.

“Cabem aos conselhos orientação, fiscalização e normatização das profissões. É um órgão regulamentador, independente da opinião que cada psicólogo possa ter. E, principalmente, o CFP coloca a Psicologia a serviço da promoção dos Direitos Humanos”, disse.

Há 18 anos o CFP editou sua resolução 01/99, que diz, claramente, que psicólogos e psicólogas não podem oferecer terapias de reversão da sexualidade pelos seguintes motivos: primeiro porque não se trata de uma patologia, fato amplamente reconhecido pelo Conselho Regional de Medicina (CRM) e pela Organização das Nações Unidas, a ONU. E também porque reversão de sexualidade só reforçaria o estigma social contra pessoas homossexuais.

O judiciário já apreciou a norma 01/99 do CFP três vezes – em 2010, em Brasília; em 2012, no Rio de Janeiro; e agora. Em 2012, o Ministério Público recebeu denúncia de que a norma estava sendo usada para perseguir pessoas. Abriu inquérito, investigou amplamente e concluiu que ela era utilizada com suficiente bom senso. Arquivou o processo. Agora o juiz foi no âmago da norma, pois condenou a hermenêutica, a forma como se deve interpretá-la.

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“Então, o que é reorientar? É orientar a orientação sexual, fato que não tem qualquer respaldo Ciência”, pontuou o presidente do CFP.

Após Rogério, foi a vez de Marcia Zanelatto, escritora dramaturga e ativista LGBT, falar em nome daqueles que constroem narrativas. E ela já começou com um questionamento:

“Cadê os personagens LGBTs nas histórias que estão sendo contadas na TV, no teatro, nos livros? Se a gente não os tem nas histórias, é como se eles não existissem. A proposta que tenho feito aos meus colegas de profissão é lutar pelos personagens LGBT, mas não só com histórias de tragédia ou cômicas. Vamos escrever sobre pessoas que vivem como todos nós, que têm problemas como todos nós. Pessoas comuns”, afirmou.

Marcia aproveitou para mencionar o fundamentalismo religioso que ocupa a prefeitura do Rio de Janeiro, cidade onde mora.

“Universal é o amor, não é a uma igreja. Os fundamentalistas religiosos estão implantando uma narrativa completamente preconceituosa, que vem aumentando consideravelmente os crimes de homofobia, porque estão contando uma história. A ideia de cura gay é o ponto máximo de toda uma narrativa, que consiste em dizer que o LGBT é um erro. Vamos confrontar essa narrativa falsa!”, propôs.

Lan, homem trans, deu sequência à fala de Marcia, com uma provocação:

“Por que o relacionamento de outras pessoas incomoda tanto? Será que é por serem relacionamentos livres, desprendidos e felizes?”, defendendo que modo de criação familiar não influencia homossexualidade, pois é filho de homem e mulher heterossexuais cis e cristãos.

“E eu não me tornei trans por um erro na minha criação. Isso é liberdade. Quem tem relacionamento homoafetivo, em algum momento da vida, percebeu que se interessava por pessoas do mesmo gênero. Ninguém precisa de tratamento para ser quem é. A pessoa acorda, se veste e se apresenta nos espaços públicos. Eu me apresento com medo e isso é triste”, confessou.

Symmi Larrat, mulher trans e presidenta da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, TRavestis, Transexuais e Intersexos (ABGLT), lembrou que a transexualidade permanece no Cadastro Internacional de Doenças, o CID.

“A angústia do LGBT é por conta do preconceito. E agora vocês estão falando com uma pessoa que, para profissionais de saúde, é transtornada. Por isso, estamos aqui em defesa da despatologização da identidade trans. É inadmissível que para ter direito a ter o nome com que eu me reconheço no meu documento de identidade eu tenha que ser dada como louca. É impossível que, para fazer meu processo de feminização pelo SUS, eu precise ser dada como louca”, protestou.

A foi além: “Para mim uma família doente é a que expulsa uma LGBT de casa, é a que tortura uma pessoa LGBT dentro da sua casa. Doença é eu ser violentada por um tio meu na adolescência porque eu dava pinta. Uma escola doente é onde eu sou estuprada diariamente atrás da bananeira simplesmente por eu ser quem eu sou”.

Direito

Outra presença na aula pública do ato “AmarSemTemer foi a de Miguel Ângelo Di Simone, homem trans de 19 anos de idade, estudante de direito e membro do curso popular TransFormação. Ele falou sob o ponto de vista jurídico, citando os dois princípios fundamentais pra assegurar acessibilidade e legitimidade da cidadania da população LGBT: o princípio da dignidade da pessoa humana, intrínseco a todo ser humano, e o princípio democrático.

“Já apanhei aqui, na Av Paulista, por ser lésbica. Mas hoje vim com minha mulher e minha filha de 4 anos, pra dizer que eu também tenho a minha família e, portanto, não quero destruir a de ninguém”, disse a rapper Luana Hansen, contando ter sido violentada dentro de casa por um padrasto. “A gente existe em todos os lugares e vai continuar se beijando na rua e se pegando, sim, porque é o nosso direito”, bradou.

Luana recitou a letra da música de sua autoria “Pra quem vai o seu amém?”, que tem a ver com a temática do debate, fazendo crítica a quem use qualquer tipo de doutrina contra os LGBTs.

Encerrando a aula, o ativista, advogado e professor da Unifesp, Renan Quinalha, fez um didática apanhado de como se deram os discursos patologizante da homossexualidade ao longo da História no Brasil.

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“Vem desde a chegada dos Portugueses, quando consideravam sodomia a homessexualidade. Já no século XIX, a religião perdeu espaço e a homossexualidade deixou de ser crime, passando a ser considerada uma espécie de contravenção, de conduta inaceitável, atentado à moral e aos bons costumes, uma perturbação à ordem pública ou à família tradicional. No início do século XX, o discurso médico suscitou considerar doença. Então começaram a mandar gays pra manicômios judiciários, hospitais psiquiátricos, para serem submetidos a uma série de torturas e violências, como choques elétricos, lobotomia, insulinoterapia”, explicou.

Segundo Quinalha, a sociedade brasileira estaria, então voltando ao patamar dos anos 1920 e 1930.

“Há uma reação conservadora do magistrado em relação a conquistas de direitos e avanços destes últimos 20 anos. Mas não se trata de procurar a raiz da homossexualidade aqui, vale dizer que querer amar é o suficiente para deixar as pessoas livres para existirem como elas são. O Brasil é o país que mata a cada 25 horas uma pessoa LGBT”, lembrou.

Nas considerações finais, Rogério Gianinni deu o informe de que o CFP e os CRPs estão elaborando a garantia do registro profissional como o nome social dos psicólogos transexuais. E também falou sobre egodistonia, termo usado para quando um sentimento ou comportamento perturbam a própria pessoa, como o caso de um homossexual que não se aceita.

“Quando você vai ver, a descrição da sintomatologia é angústia, depressão, é do campo do sofrimento. O efeito iatrogênico, de criar a própria doença por causa disso, é dizer que a pessoa está sofrendo devido a sua sexualidade. Não! Psicologicamente não reconhecemos homossexualidade como patologia. E ponto final”, frisou.

O SinPsi ressalta que psicólog@s não reconhecem, não lidam com diagnósticos, mas cuidam do sofrimento humano, como dever de acolher, de não estigmatizar. A Psicologia é fundamentada no sujeito social e histórico.

À tarde o espaço foi tomado por shows de Camila Garófolo, Lorena Simpson, Otto, Johnny Huker, Chico César e Banda Uó.

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