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Com o cordel ‘Tem criança no sisal’ bancário ganha 1º Concurso de Poesia da CUT/SP

Edvaldo Fernando da Costa foi o grande vencedor da competição e recebeu um iPhone como prêmio, além de troféu criada pelo artista gráfico Elifas Andreato especialmente para o concurso.

O cordel Tem criança no sisal, do bancário Edvaldo Fernando da Costa, 42, foi o grande vencedor do 1º Concurso Literário de Poesia da CUT São Paulo, anunciado em sarau promovido pela CUT São Paulo na noite desta terça (23).

O 2º lugar foi para “Dez minutos de descanso”, de Nilcea Fleury Victorino, e o 3º para ““Ousar Lutar, Ousar Vencer!”, de Maria da Piedade Peixoto dos Santos.

Das mãos de Vagner Freitas, presidente nacional da CUT, Edvaldo recebeu um iPhone como prêmio e uma estatueta criada pelo artista gráfico Elifas Andreato especialmente para a competição.

Muito emocionado e aplaudido pelos participantes, Edvaldo contou que começou a escrever depois que um dos filhos pediu ajuda para fazer um trabalho de escola. Em seu discurso, disse que “não existe só a grande imprensa no Brasil. Eles podem deter o poder econômico, político e social, mas eles não estão sós. A rádio Brasil Atual põe um freio nessa locomotiva, e a Revista do Brasil foi de onde tirei inspiração para o poema ‘Feijão indigesto”, pontuou. “São nossas leituras, que alguns dizem que são ‘alternativas’, mas eu creio que não. São alternativas pra quem só conhece a Rede Globo e a Veja”, completa.

As 15 poesias pré-selecionadas para a etapa final do concurso foram dramatizadas pelos atores e militantes cutistas Carolina Maluf, Sergio dos Santos e Roselaine Cruz, com cenário ambientado numa taverna e música ao vivo. E todas as 97 poesias inscritas no concurso serão publicadas num livro, que será o primeiro no país com produções da classe trabalhadora cutista.

Poesia e problema social

Formado em história e trabalhador do Bradesco há 22 anos, Edvaldo ficou sabendo do concurso por meio da Folha Bancária, inscreveu duas obras e ambas acabaram entre as 15 pré-selecionadas para a fase final.

Além da ganhadora Tem criança no sisal, o poema Feijão indigesto ficou em 10º lugar na competição.

Nos versos que escreve, o bancário explica que prefere a realidade à utopia, e que a poesia foi o caminho que escolheu para se expressar sobre as condições do país. “Eu me encantei com o cordel. Mas tenho que juntar a poesia com o problema social”.

Além da criatividade ao abordar o tema “Trabalho decente”, o cordel vencedor se destaca pela profunda sensibilidade ao relatar a dura vida das crianças que perdem a infância trabalhando na colheita do sisal no nordeste brasileiro, usado na confecção de tapetes que seguem para o mercado europeu. A inspiração foi uma reportagem da jornalista Neide Duarte para o programa “Caminhos e Parcerias”.

Com “Feijão indigesto”, inspirada numa reportagem da Revista do Brasil, o bancário denuncia a precariedade na lavoura de feijão em Unaí, no noroeste mineiro, com trabalhadores rurais em condições análogas à escravidão e expostos aos riscos do uso excessivo de agrotóxicos, entre os quais os elevados casos de câncer que atingem a população local.

Cultura na CUT

Comemorando os resultados do concurso, que foi além das expectativas da Central, o presidente da CUT/SP, Adi dos Santos Lima, e o coordenador do Coletivo de Cultura da CUT/SP, Benedito Augusto de Oliveira, o Benão, garantiram que a iniciativa continuará nos próximos anos.

“A CUT percebeu que a cultura é uma ferramenta de diálogo com aqueles que estão dentro e fora do local do trabalho. E sendo uma ferramenta de diálogo com a sociedade, por que não produzir cultura a partir do conhecimento dos trabalhadores?”, disse Adi.

“Imaginávamos que trabalho decente seria uma tema espinhosos, mas foi visceral. Os poemas têm não só a perspectiva da denúncia, mas também a melancolia que o próprio tema traz. Estamos dando um passo além não só na cultura dentro da CUT, mas também em direção à diversidade da manifestação da classe trabalhadora”, avalia Benão.

Para o presidente nacional da CUT, o cordel reconheceu “um problema social gravíssimo que existe no Brasil, retratado de uma forma tão singela, mas fazendo um alerta para a necessidade de se combater o trabalho infantil no país”.

E com o intuito de fomentar atividades culturais em outras regiões de atuação da Central, Freitas disse que a proposta de criação de coletivos de cultura em todas as CUTs Estaduais será levada para discussão na próxima reunião executiva da CUT Nacional.

Confira a poesia vencedora do 1º Concurso Literário da CUT/SP:

Tem criança no sisal

Tem criança no sisal
Admire o teu piso
Brilhante como cristal
Adornado com tapete
Fabricado do sisal
Comprado quase de graça
Na feirinha ali da praça
Vindo do labor braçal
A colheita quem a faz
De idade não tem dez
O chinelo mais simplório
Não foi feito pro seus pés
Pra lá e pra cá descalça
Piso de barro ela amassa
Sua angústia se vê na tez
Ao preço de um real
Vale seu suor por dia
A escola não freqüenta
Não conhece geografia
Do direito de brincar
Sua infância desfrutar
Não tem essa mordomia
Mas o que essa ingênua
Está fazendo aí perdida?
Ajudando o pai pobre
Levado à sobrevida
Suando cada centavo
No trabalho semi-escravo
Da sevícia sem medida
E pra isso chega cedo
Um café mal mastigado
Faça chuva ou sol quente
Seu almoço está gelado
Vai ficar até a tarde
Tarefando pro covarde
Com estômago apertado
E o manejo do sisal
É um tanto perigoso
Os seus olhos descobertos
Seu dedo está caloso
Mesmo assim essa criança
Deixada na confiança
Não tem traje cauteloso
Não parece importante
A criança pelitrapa
Se é lindo o tapete
Que seu trabalho contrata
Seu suplício não é problema
A quem atender o tema
O enganoso burocrata
O Brasil é exportador
Do luxuoso adereço
Pro europeu gastar dinheiro
É pequeno o seu preço
Mas não toque na ferida
Que a infância invalida
Pra não trazer aborreço
O trabalho infantil
Se encontra Brasil adentro
Desde a periferia
É vista também no centro
Para alertar a miséria
O cordel canta a matéria
Não se pode ficar neutro
Tem criança no sisal
Na cana e no carvão
Labor duro o dia todo
Ao troco de um tostão
Obra do capitalismo
Regime do egoísmo
Regime da escravidão

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