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Conceito de vigor mental é destaque em questionário de psicologia esportiva

Para a pesquisadora que traduziu o documento, “Ayrton Senna é o exemplo mais claro, no Brasil, de atleta completo, detentor de um importante componente psicológico denominado ‘mental toughness’”Ele tinha um pensamento estratégico e sabia respeitar o corpo como poucos atletas. Embora não houvesse relação direta com sua prática esportiva, fazia meditação, orava regularmente, corria e praticava técnicas de respiração. Dormia, em média, oito horas por noite. Arriscou sua própria vida, na Bélgica, em 1992, quando abandonou o seu treinamento altamente competitivo para salvar o seu adversário, enquanto o próprio companheiro de equipe do atleta em perigo já o havia deixado. Não foi o que ganhou mais títulos em seu esporte, mas é o mais lembrando quando, frequentemente, se questiona “qual o melhor?”

“O Ayrton Senna é o exemplo mais claro, no Brasil, de atleta completo, detentor de um importante componente psicológico denominado ‘mental toughness’. O Senna possuía claramente estas características marcantes, entre as quais a capacidade de enfrentar adversidades e fracassos, forte senso ético e espírito de equipe. Ele se exigia dar resultados cada vez mais altos, com muita dedicação e foco, e não a qualquer preço. Talvez a característica mais marcante fosse sua resiliência, essa elasticidade psicológica em lidar com pressões e obstáculos, sem ‘se perder’”, exemplifica a psicóloga esportiva Sheila Molchansky.

Ela acaba de defender dissertação de mestrado junto à Faculdade de Educação Física (FEF) da Unicamp em que faz a tradução e adaptação cultural para a língua portuguesa do Brasil do questionário inglês “Sport Mental Toughness Questionnaire”. O documento foi proposto em 2009 pelos estudiosos Michael Sheard, da York St John University (Reino Unido), e Jim Golby e Anna Van Wersch, da University of Teesside (dos campi do Reino Unido e Middlesbrough, respectivamente). O estudo foi orientado pelo professor Edison Duarte, que atua no Departamento de Estudos da Atividade Física Adaptada, da Faculdade de Educação Física (FEF) da Unicamp.

“Ainda não existe uma definição exclusiva sobre o termo ‘mental toughness’. No nosso estudo propusemos uma tradução adaptada do termo para vigor mental. Pela revisão bibliográfica identificamos 13 atributos psicológicos embutidos neste conceito, presentes no documento inglês. Realizamos um pré-teste e análise final do instrumento e concluímos que o mesmo poderá ser utilizado no meio esportivo, demostrando ser adequado à realidade brasileira”, afirma Sheila Molchansky.

Os 13 atributos mencionados pela psicóloga, presentes no documento original em inglês, são: atitude assertiva; atitude positiva; competitividade; comprometimento; confiança em si mesmo e no outro (inclui confiar nas próprias habilidades); controle da atenção; controle de emoções; desejo de vencer (obter sucesso); entendimento de desafios como oportunidades de crescimento; espírito de grupo; inteligência emocional; e resiliência. Para a psicóloga, compreender como alguns atletas prosperam e parecem render melhor do que outros diante de situações adversas, ou porque alguns desistem diante de falhas enquanto outros não, faz parte do campo da avaliação psicológica na área esportiva. 

“O objetivo foi compreender como tais componentes psicológicos podem gerar diferenças de rendimento, sobretudo no esporte de alta performance. Isso é fundamental para propor protocolos de atuação tática e técnica adequados aos treinamentos. Embora tenhamos muitos psicólogos atuando no meio esportivo, há, por outro lado, escassez de instrumentos padronizados para avaliar como componentes psicológicos influem e são influenciados pelo desempenho esportivo de atletas.”

Sheila Molchansky, autora do estudo: “A expectativa da pesquisa é que o questionário possa contribuir com protocolos e processos”

Sheila Molchansky atua, profissionalmente na área, orientando atletas e comissões técnicas, dentre as quais, Rugby em Cadeira de Rodas e Esgrima em Cadeira de Rodas, modalidades integrantes do projeto de extensão da FEF. Um dos atletas que se pode destacar, de acordo com ela, é Lenilson Tavares de Oliveira, da Seleção Brasileira de Esgrima em Cadeira Rodas, com quem tem desenvolvido fundamentos do vigor mental.

“A expectativa da pesquisa é que o Questionário de Vigor Mental possa contribuir com protocolos e processos de avaliação na psicologia do esporte. Além disso, favorecer o autoconhecimento de atletas e o incremento da área em nosso país. A sugestão, para trabalhos futuros, é que pesquisas sejam realizadas para a validação do instrumento e que, desta forma, ele possa ser certificado pelo Conselho Federal de Psicologia, e a partir disso, integre a lista de instrumentos padronizados validados em nosso país.”

CONFIANÇA, CONSTÂNCIA E CONTROLE

A pesquisadora da Unicamp explica que o Questionário de Vigor Mental é composto de quatorze perguntas fechadas dirigidas a atletas. As questões, formuladas em escala de quatro pontos (escala Likert) em que os esportistas especificam seu nível de concordância com uma afirmação, avaliam três diferentes fatores psicológicos: confiança, constância e controle. 

A primeira, de acordo com ela, refere-se à confiança do atleta em suas habilidades, de modo a acreditar que são diferenciados e crucialmente melhores do que seus oponentes. Há a presença de sentimentos de autorregulação, tais como acreditar em si mesmo, se mantendo positivo, especialmente diante de desafios e pressões. A constância pode ser entendida, conforme Sheila Molchansky, como a determinação dos atletas em atender as demandas ou exigências dos treinamentos e competições.

“Há neste fator alto senso de responsabilidade. E o último é aquele em que os atletas são capazes de manter as emoções e frustrações em níveis mais estáveis, percebendo que precisam aceitar diversas circunstâncias, ainda que negativas. Neste caso, eles transformam estas circunstâncias em combustível para avançarem”, completa.

FUNÇÕES COGNITIVAS

Conforme a estudiosa da Unicamp, os autores do Sports Mental Toughness Questionnaire enfatizam a importância das funções cognitivas no controle psicológico. Michael Sheard, Jim Golby e Anna Van Wersch ressaltam a relevância do treino mental, visualizações e a busca por um estado de relaxamento mental como fatores determinantes de um desempenho de excelência. 

Sheila Molchansky acrescenta ainda que estudos nesta área sugerem que a mente possa ser condicionada para um desempenho esportivo exitoso. Ela justifica, citando o exemplo de muitos atletas que atribuem aos seus fracassos “à falta de concentração ou autoconfiança.”

“Componentes psíquicos, emocionais, cognitivos, neurológicos e fisiológicos se combinam de formas muito particulares. A compreensão e determinação destes componentes tem se revelado fundamental para contribuir com o desenvolvimento de intervenções adequadas nos treinamentos desportivos. Além disso, podemos questionar se é mais produtivo a continuidade de um treinamento com cargas e intensidades cada vez mais altas, ou um treinamento mental como algo tão importante quanto o físico e tático”, problematiza.

A metodologia empregada na pesquisa envolveu quatro etapas, por ter sido um instrumento originalmente desenvolvido em outro idioma, país e cultura: tradução, retrotradução, síntese de traduções e análise pelo comitê de peritos. Houve, conforme a pesquisadora, pré-testes e análise final do instrumento. 

 Publicação

Dissertação: “Tradução e adaptação transcultural do Sport Mental Toughness Questionnaire para a língua portuguesa do Brasil”

Autora: Sheila Molchansky

Orientador: Edison Duarte

Unidade: Faculdade de Educação Física (FEF)

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