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CRP SP repudia o descaso com que a Saúde Mental é tratada em Sorocaba

O Conselho Regional de Psicologia SP está divulgando uma nota na qual faz duras críticas à situação em que se encontra a Saúde Mental em Sorocaba. O município está inserido nas regiões onde se concentra o maior número de leitos psiquiátricos no Estado, ao mesmo tempo em que o poder público local pouco faz para mudar esta situação, indo de encontro à Lei Antimanicomial e Reforma Psiquiátrica. Questionado sobre o número de mortes nos manicômios, durante uma reportagem a um jornal local, o diretor administrativo do Hospital Psiquiátrico Vera Cruz defendeu a internação de pessoas com transtorno mental nestes hospitais, como forma inclusive de proteger suas vidas. Confira a posição do CRP SP a este respeito.

NOTA DE REPÚDIO

O Conselho Regional de Psicologia – 6ª Região – vem por meio desta repudiar publicamente a situação de negligência com os cuidados da pessoa com transtorno mental de Sorocaba e região, tendo por base a declaração do diretor administrativo do Hospital Psiquiátrico Vera Cruz, de Sorocaba, Francisco Mussi Júnior, em reportagem do jornal Bom Dia (Edição de 29 de janeiro de 2011), em resposta à divulgação de mortes nos manicômios pelo FLAMAS – Fórum da Luta Antimanicomial de Sorocaba.

Em seu art. 196, a Constituição Federal de 1988 estipula que a “Saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.”

Assim, a saúde é um direito constitucionalmente assegurado a toda a coletividade, visto que contempla um interesse social. É fato que todas as diretrizes e as obrigações estabelecidas especificamente em leis, regulamentos e portarias vinculam-se ao Administrador Público, ou a ele equiparado, que é responsável pela gestão dos serviços.

A Lei nº 10.216/2001 dispõe sobre a proteção e o direito das pessoas com transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental. No seu art. 2º, Parágrafo Único, ela estipula uma série de direitos das pessoas portadoras de transtorno mental, dentre os quais o de ser tratada, preferencialmente, em serviços comunitários de saúde mental (inciso IX). A desinstitucionalização deve estar atrelada à criação de serviços substitutivos eficientes, que contribuam para a inclusão social destes pacientes e o resgate da cidadania.

Essa ênfase no tratamento de base comunitária, com acesso a todos os serviços e modalidades de atendimento necessárias ao tratamento adequado dos transtornos mentais, de fato constitui um progresso importante para a área em todo o país.

Todavia, a argumentação utilizada pelo diretor do mencionado hospital de Sorocaba claramente está em desacordo com a Reforma Psiquiátrica Brasileira, política vigente na área da Saúde Mental desde a década de 1980.

É desalentador avaliar a seguinte declaração de um dos responsáveis pela execução dos serviços que dizem respeito à Lei 10.216/2001. Ao ser confrontado com os dados de uma pesquisa que mostra a ocorrência de uma morte a cada três dias nos manicômios da região, o diretor psiquiatra defendeu a internação dos pacientes, sob a argumentação de que “se estes pacientes não estivessem na instituição estariam nas ruas, onde o índice de mortes certamente é bem maior”.

Há de se salientar que esse discurso traz elementos básicos de como a política de saúde mental é tratada na região de Sorocaba: descompromisso com a investigação rigorosa dessas mortes e, portanto, um desrespeito aos direitos humanos dos internos dos manicômios. Não obstante, diante de uma nota como essa, é válido resgatar a análise do filósofo francês Michel Foucault sobre o uso da psiquiatria como instrumento de controle e reprodução do sistema, disfarçado de proteção à saúde.

É de conhecimento que a reforma psiquiátrica constitui-se numa tentativa de dar ao fenômeno da loucura outra resposta social, que não a asilar, de modo a reduzir a internação a um recurso eventualmente necessário, em hospitais gerais, mais especificamente e de preferência em CAPS III.

Diante da complexidade da gravidade da denúncia relativa à violação dos direitos das pessoas com transtornos mentais, o Conselho Regional de Psicologia de São Paulo ressalta que é obrigação também do poder público municipal, gestor da saúde mental no município, a investigação das mortes ocorridas e das condições de vida dos pacientes dos manicômios da cidade.

Espera-se dos dirigentes desses hospitais o reconhecimento do problema e o diálogo com especialistas, usuários e familiares, poder público, enfim, envolvendo a participação de toda a sociedade.

O Conselho Regional de Psicologia de São Paulo pretende contribuir com o processo de substituição asilar em Sorocaba e região, trazendo à tona a discussão de dados que não se pode omitir, tampouco, reduzir a argumentações distorcidas imbuídas de conceitos e valores que estão na contramão das diretrizes estabelecidas pelo Ministério da Saúde.

Por fim, espera-se uma reformulação do modelo de tratamento em saúde mental, visando à substituição de manicômios para uma rede sustentada por serviços diversificados e comunitários, primando pelos laços sociais e, não mais pela segregação da pessoa em sofrimento psíquico.

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