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“Discussão racial no mundo do trabalho deve ser de todos”, diz professor da UFABC

Parceria da CUT-SP com universidade federal garantiu a certificação da primeira turma; novas parcerias estão previstas

Apesar de quase ter dobrado o percentual de negros no ensino superior de 2005 a 2015, a presença desses estudantes ainda é inferior a dos brancos: 12,8%, de acordo com a última pesquisa feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

O período da pesquisa contempla a implantação da política de ações afirmativas nas universidades, criadas no governo Lula, entretanto, de 2016 para cá, após o golpe, crise econômica e os diversos retrocessos vivenciados no Brasil, a presença de negros na educação superior pode ter reduzido.

Esse foi um dos temas discutidos no curso “Desigualdades raciais no mundo do trabalho: as consequências da ideologia racista”, iniciativa piloto voltada para dirigentes e ativistas sindicais do estado de São Paulo. Em parceria inédita com a Universidade Federal do ABC (UFABC), 52 pessoas participaram da formação, que ocorreu na sede da CUT, na região central da capital paulista.

Durante a formação, os participantes pesquisaram temas como o legado científico e cultural dos africanos e o papel econômico, social, político e cultural da escravização. Na última sexta-feira, 8 de junho, foi realizada a cerimônia de certificação.

“Pretendíamos com esse curso fortalecer a articulação dos sindicalistas e lideranças de outros movimentos nas lutas contra a discriminação no mundo do trabalho, que ainda é muito forte”, diz a secretária de Combate ao Racismo da CUT-SP, Rosana Aparecida, que adianta que outras parcerias com a universidade estão sendo construídas.

O curso de extensão está cadastrado na Pró-Reitoria de Extensão e Cultura da Universidade Federal do ABC, sob responsabilidade de Ramatis Jacino, professor doutor do bacharelado em Ciências Econômicas da universidade.

Durante o colóquio que precedeu a cerimônia de certificação, Ramatis ressaltou a importância da troca de saberes proporcionada entre aqueles que têm a oportunidade de ir a uma universidade com os que não conseguem, de forma que o conhecimento e os debates se multipliquem. “Esse saber que a gente conquista na academia só faz sentido a partir do momento que construímos outra narrativa, pois sabemos que a construída acerca da história do negro no Brasil, da forma como o país foi colonizado, da história dos indígenas, foi uma narrativa criada pelo opressor, pelo homem branco, invasor, rico e dono de escravizados”.

Para ele, o acesso a pesquisas permite que negros, mulheres e indígenas se empoderem. “É importante que a partir da nossa pesquisa a gente construa outra narrativa que possa nos empoderar na luta e que seja a partir do olhar dos trabalhadores e das trabalhadoras”, continuou, ao destacar, também, que a discussão racial não deve ser só dos negros, mas de todos.

Nessa linha, Douglas Izzo, presidente da CUT-SP, disse que o curso trouxe elementos importantes para se realizar um debate na sociedade brasileira, seja nas relações pessoais ou no mundo trabalho. “Num país como o nosso, em que há uma lei na qual prevê o ensino da história afro-brasileira e indígena (Lei nº 11.465/08), infelizmente impera a história a partir da visão daqueles que sempre foram os dominadores. Se todos tivessem acesso ao conteúdo do curso, certamente comentários que demonstram preconceitos a religiões afro-brasileiras, a capoeira e ao samba seriam repensados”, comentou, em alusão à polêmica frase do cantor sertanejo César Menotti, que falou na semana passada que samba era “coisa de bandido”.

No mercado de trabalho, a participação da população negra representa, segundo o Dieese, 37,9%. Quando a comparação é o salário, a média do rendimento/hora dos negros é de R$ 8,79, enquanto a dos brancos é de R$ 13,80. Outra pesquisa do Instituto Ethos, de 2016, mostra que pessoas negras ocupam apenas 6,3% dos cargos de gerencia e 4,7% no quadro executivo das empresas.

Maria Júlia Reis Nogueira, secretária de Combate ao Racismo da CUT Nacional, afirmou que os participantes do curso seguem agora com a tarefa de ajudar a transformar essa realidade tão desfavorável do Brasil. “As desigualdades são abissais e o único período em que nós, negras e negros, conseguimos dar passos, ainda que pequenos, para diminuir as desigualdades, foram nos períodos de Lula e Dilma no governo, e que foi interrompido pelo golpe daqueles que tomaram o poder”.

Já o pro reitor de Extensão e Assuntos Comunitários da UFABC, Acácio Santos, destacou as ações de inclusão nas universidades, que voltou a ser alvo de críticas da população conservadora. “Nós temos hoje uma realidade que ainda não é a que queremos. Por isso temos de seguir na luta por uma universidade pública, inclusiva e plural”.

No último período, tem sido recorrente denúncias de fraudes nas universidades de alunos não-negros que se utilizam das cotas para ingressar nos estudos.

Santos criticou a atuação da imprensa comercial no trato sobre o tema, impedindo uma discussão mais profunda. “O racismo é a última fronteira do ódio, mata e tem reduzido o tempo de vida dos nossos jovens em todos os lugares do país. E isso é negligenciado de forma oportuna pela imprensa do nosso país. Não dá pra pensar saúde pública, justiça, trabalho e educação se não pensarmos o racismo, já que ele permeia as nossas relações todos os dias e todas as horas”.

O atual governo ilegítimo, segundo ele, contribui para um cenário crítico ao não priorizar o debate. “É preciso que haja rapidamente a retomada de uma agenda que existia há dez anos, em que nós tínhamos um desenho muito mais articulado com os anseios do povo negro. Se não fizermos isso, perderemos os poucos projetos estruturais que conquistamos”.

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