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Dois pesos na liberdade de imprensa

“Primeiro vieram buscar as psicanalistas. Não me importei, pois não sou psicanalista…“
O fim dessa estória nós já conhecemos, se não pela observação da história, ao menos pelo poema de Bertold Brecht.

Maria Rita Kehl foi demitida do Estadão. Psicanalista, ouvidos treinados, em artigo com o sugestivo título de Dois Pesos, apontou para um problema importante nessas eleições: Setores médios e abastados da sociedade parecem questionar um dos pilares da democracia ocidental contemporânea: o voto.

Sim, o voto universal, cada cidadão um voto, não valeria mais. Para esse setores os pobres que escolhem não sabem escolher, são enganados. Votam para defender seus interesses, ao passo que a elite votaria para defender o melhor para todos.

Nesse curioso raciocínio, negros não deveriam votar, pois defenderiam cotas; índios também não, apoiariam demarcação e preservação; os nordestinos defenderiam mais verbas e seu voto também não vale, e assim vai. Por outro lado, as elites votariam no bem comum. E qual seria? O mercado, a liberdade, menos impostos? Não importa o que defendam. Na verdade, o candidato que os representa, Serra, tem defendido quase tudo (e ainda melhor, afirma convicto) o que a Dilma defende e que faz parte de sua herança política como continuadora do governo Lula.

E aí está o outro problema tocado no artigo. Há duas campanhas, a domesticada, quase civilizada e a brutal, sanguinária, perpetrada nas ruas e principalmente na infovia. Blogs, spans, redes sociais fazem o serviço sujo, como preparando o terreno, semeando para a colheita dos votos oposicionistas. Na TV afirma-se dobrar o Bolsa-Família, com direito à 13º, e um gordo salário mínimo, mas no debate real, se sabe que isto é conversa só para ganhar as eleições. Os pobres, que nem deveriam votar, podem e devem ser enganados, afinal já não o são pela bolsa esmola?

Frente a esse artigo o Estadão reagiu. Classificou-o de “delito de opinião”, segundo Maria Rita Kehl. Em versão oficial, o jornal afirma descompasso entre o pedido à psicanalista e o que ela vinha escrevendo. Desavisados de seu currículo, esperariam que ela falasse de psicanálise, comportamento, talvez de crimes hediondos, quem sabe.

Kehl, ao contrário do que o Estadão afirma, fez, no contexto, boa psicanálise. Analogamente a uma análise pessoal, liberou energias, mexeu em sintomas, cutucou defesas e provocou reações. De pessoas, com cartas e manifestações de agrado e desagrado. Do jornal, ao contrário do que se esperaria de uma imprensa livre e plural (como o próprio gosta de se apresentar), com um cala-boca que esperamos não seja esquecido tão cedo.

Punição exemplar ou didático exemplo de autoritarismo. Escolha!

* Escrito por Rogério Giannini, presidente do SinPsi

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