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Em Sorocaba é lançado app voltado para a comunidade transgênero

Da ideia de três amigos – um heterossexual, um homossexual e um bissexual – apaixonados por tecnologia e pesquisadores de juventude, redes sociais e gênero, surgiu o aplicativo que vai promover a inclusão social da comunidade trans de Sorocaba. O TransForma, criado por Diego Ferraz (design e pesquisa), Tom Valcazara (programação) e Fina Tranquilin (conteúdo e revisão), vem para minimizar o preconceito e ajudar a descontruir conceitos normativo de gênero.

A versão para Android foi lançada dia 29 de janeiro, Dia Nacional da Visibilidade Trans, na Biblioteca Municipal de Sorocaba. Agora o app entra na segunda fase de elaboração, mais completa e compatível com outros sistemas.

“Queríamos fazer algo informativo e educativo, já que as discussões de gênero são excluídas da educação formal em muitos municípios, inclusive em Sorocaba. Sabemos que dentro da comunidade LGBT, as pessoas trans são as que mais sofrem”, explica Diego.

Além de vasta pesquisa teórica sobre gênero, o aplicativo foi criado a partir de entrevistas com transmulheres locais, para levantamento de demandas. O layout prima pela simplicidade e privilegia a informação, com cores alusivas à bandeira do orgulho transgênero – azul, rosa e branco.

O TransForma se divide em dois segmentos distintos. No primeiro, as ferramentas são mais formais, já que se referem à segurança, grupos de apoio e leis. Confira abaixo:

Emergência: relembra ao usuário sobre seu direito à segurança. Deve ser acionado sempre que for necessário pedir ajuda ou mesmo socorro. Está ligado ao 190. 

Leis: disponibiliza todas as leis que protegem a comunidade LGBT, separadas por categorias. A consulta se dá de maneira prática. 

Grupos de apoio: Tem a lista de todos os grupos de apoio à comunidade LGBT de Sorocaba. Vale para tornar visíveis as organizações pró-LGBT, que dão suporte à causa e promovem acolhimento, em caso de necessidade.

O segundo segmento traz ferramentas mais conceituais e interativas, com os seguintes itens:

Histórias: Espaço para a narrativa de experiências vividas pelas pessoas LGBT. 

Conceitos: Definições, a partir das Ciências Sociais e Humanas, de alguns conceitos ligados às questões gênero, para sanar dúvidas existentes em relação a sexo e gênero.

Teste de Identidade de Gênero Binária: Longe de pretender indicar uma análise clinica sobre o sujeito, a ferramenta propõe que ele perceba a complexidade das questões referentes aos gêneros binários, de forma lúdica, a partir de um teste. 

Gírias LGBT: De maneira divertida, oferece conhecimento da linguagem da comunidade LGBT, com mais especificidade às pessoas trans. O conhecimento dessas gírias tem suma importância, uma vez que a linguagem é um dos principais elementos de inclusão social.

Clique aqui para baixar o app.

“Queremos críticas e sugestões para a melhoria do aplicativo, principalmente da comunidade LGBT e fundamentalmente das pessoas trans”, frisa Tom, relembrando o lançamento do TransForma, durante a Semana da Visibilidade Trans Sorocaba 2017, que aconteceu de 25 a 29 de janeiro.

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Semana da Visibilidade Trans

O evento foi organizado pelas meninas Trans, responsáveis pela Associação Transgêneros de Sorocaba (ATS), lançada dia 28 (curta a página no facebook aqui). O projeto “Nós Diversos” e os idealizadores do aplicativo TransForma foram apoiadores do evento.

Como parte da programação foi exibido o documentário “Meu Nome é Jacque”, que pode ser visto neste link.

No dia 29 também houve jogo de queimada e ato público em frente à prefeitura de Sorocaba, além do lançamento da ação TRANScritiva, que reuniu diversas manifestações artísticas.

O dia da visibilidade Trans é um marco na luta pela cidadania e respeito às travestis, homens e mulheres trans. Para Diego, a data precisa ser mostrada e festejada, dada a importância social. 

“Apesar do cenário de retrocesso em discussões de gênero e políticas sociais, a sociedade está naturalmente acordando e vendo que as questões de identidade de gênero e sexualidade são mais amplas do que o padrão normativo conhecido e distribuído pelos grandes meios de comunicação”, pontua.

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“Infelizmente a parcela de pessoas com acesso a tais tipos de informação é pequena, pois ainda vivermos em um País conservador. Por isso a celebração da visibilidade Trans é de extrema importância, para expor para a sociedade que existem, sim, pessoas diferentes do padrão normativo, e que todos merecem ter os direitos iguais, inerente a sua identidade de gênero ou sexualidade”, afirma Tom.

Para entender a importância do dia 29 de janeiro, vale partir do princípio de que pessoas trans – travestis, transgêneros e transexuais – têm todo um histórico de invisibilidade em diversas esferas sociais.

De acordo com Fina Tranquilin, a população trans é invisível até mesmo aos afetos e acolhimentos, apesar de fazer parte de um paradigma no modo de ser aceita.

“O Brasil é um pais difícil de entender. Temos um conservadorismo que se manifesta publicamente e, por outro lado, temos uma aceitação que funciona no privado. Isso é, somos extremamente hipócritas. Veja, o Brasil é o país que mais mata travestis no mundo e, ao mesmo tempo, é um dos países que mais consome filmes pornográficos com travestis. Ou seja, em quatro paredes as coisas são mais liberadas, mas no público o importante é demonstrar que se segue a moral burguesa e cristã”, provoca.

Então, podemos dizer que se trata de uma data política? Para Diego, Tom e Fina, sim. E Fina vai além, dizendo que, enquanto a direita conservadora se fortalece, quem apoia a diversidade de todos os tipos deve botar a cara para bater.

“Vamos voltar a lutar por coisas que achávamos que já estavam mais bem resolvidas. Todo esse cenário de retrocesso nos dá mais força para sermos criativos, arregaçar as mangas e lutar. Esse é a verbo: lutar”, diz.

De fato os números são alarmantes. A Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) aponta que 90% deste público se prostituindo no Brasil e apenas 10% trabalha com registro em carteira.

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Vem, hetero!

Entre a comunidade LGBT, a letra T da sigla representa os que mais sofrem preconceito e violência. O Brasil ainda continua sendo o país que mais mata pessoas transexuais no mundo, sendo, segundo os entrevistados, as transmulhers e transhomens aqueles que mais precisam ganhar espaço na luta por igualdade.

“A Comunidade LGBT também precisa se unir, descontruir preconceitos entre eles, se aceitar. Assim, poderão lutar juntos para que todos tenham direito ao respeito, ao afeto, ao acolhimento e aos direitos humanos”, afirma Fina.

Foi a primeira vez que Diego, Fina e Tom participaram de um evento pela visibilidade Trans. Diego confessa que, há um ano e meio, sequer sabia a diferença entre sexo e gênero e que foi graças ao trabalho desenvolvido junto à Fina, antropóloga e pesquisadora de pós-doutorado em gênero, que começou a compreender melhor tais questões. 

“Pesquisando sobre essas temáticas, passei a fazer parte oficialmente da organização da semana Trans de Sorocaba este ano”, conta.

“Meu envolvimento com as questões de gênero começou quando, para o pós-doc, me debrucei a estudar a página do Facebook “Moça, você é Machista”. Ali tive contato com um dos criadores da página, que é transhomem”, lembra Fina. 

Mas o envolvimento com a comunidade LGBT sempre existiu: “Meu ativismo começou em sala de aula e depois passou para a minha pesquisa. Cada aula que dou e cada artigo que escrevo são atos políticos. Questiono conceitos normativos, que acabam por construir os preconceitos. Tive a honra de conhecer as meninas trans de Sorocaba nos eventos do “Nós Diversos”, no Sesc. Quando fizemos a entrevista com elas para o aplicativo, viramos grandes amigas. Mesmo não sendo LGBT, sou uma delas”, conclui a antropóloga.

Por fim, fica o convite à comunidade hetero para baixar o app.

“São os heteros que têm de descontruir seus preconceitos, são eles que têm de ouvir o que essas meninas têm a contar, são eles que têm de ler as histórias. A comunidade LGBT sabe o que passou e o que passa nesse país. Chegou a vez dos heteros darem ouvidos a essas vozes”, analisa Fina.

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