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Entidades protestam contra ordem racista da PM em Campinas

Com a palavra de ordem “sou negro, sou suspeito”, diversas entidades dos movimentos negro e popular, reunidas no Fórum de Luta Contra o Racismo, realizaram um ato na manhã deste domingo (17), em Campinas (SP), para protestar contra a Ordem de Serviço (OS) nº 8 BPMI 822/20/12, da 2ª Companhia da Polícia Militar, orientando que nas ações de patrulhamento na região do Taquaral fosse focada a abordagem “especialmente em indivíduos de cor parda e negra, com idade entre 18 e 25 anos em grupos de três a cinco indivíduos”.

Tal ordem de serviço foi assinada pelo capitão da PM Ubiratan de Carvalho Góes Beneducci, no dia 21 de dezembro de 2012, sob a justificativa de combater o roubo de residências naquela área. O Taquaral é um bairro de classe média alta, onde está localizada uma das principais áreas de lazer de Campinas, a Lagoa do Taquaral.

Assim que a referida OS tornou-se de conhecimento público foram realizadas várias ações e manifestos de repúdio de movimentos sociais, da Câmara Municipal e do Conselho Municipal de Direitos Humanos, com envio de ofícios ao Governo do Estado de São Paulo e ao Comando da Polícia Militar. Também foi constituído o Fórum de Luta Contra o Racismo, que tem se reunido semanalmente na sede do Sindicato dos Metalúrgicos de Campinas e Região.

Até o momento, a única manifestação do governador Geraldo Alckmin (PSDB) sobre o assunto foi de que o caso não pode ser configurado como racismo, pois se tratava de uma ação específica. “O que houve foi um assalto ocorrido num bairro. Você tem um suspeito feito pelas características. É como se dizer: ‘Olha, teve um assalto aqui e o suspeito é um loiro, uma pessoa loira. Ou o suspeito é uma pessoa japonesa, asiática’. Enfim, o suspeito era uma pessoa de cor parda”, justificou.

Apesar da justificativa do Governador, a Defensoria Pública do Estado de São Paulo protocolou uma denúncia administrativa junto à Secretaria de Estado da Justiça e da Defesa da Cidadania contra a ordem expedida pelo capitão da PM. O defensor público Bruno Shimizu fez uma representação à Procuradoria Geral de Justiça do Ministério Público do Estado, no dia 8 de fevereiro, com a argumentação de que a ordem “identifica a imagem do cidadão negro com a de criminosos, o que é inadmissível”.

Somos negros, somos todos suspeitos

A manifestação realizada neste domingo reuniu cerca de 100 pessoas – negras, pardas, não negras, não pardas – e iniciou com uma concentração na Avenida Barão de Itapura. Em passeata, fez o percurso até a Lagoa do Taquaral e terminou com um ato em frente ao portão principal.

Representantes de várias entidades discursaram, destacando que a atitude da PM criava um apartheid na cidade, uma vez que pessoas pardas e negras, principalmente jovens, não poderiam circular livremente naquela área sem correrem o risco de serem abordados pela PM simplesmente por causa da cor da pele. “Sou Negro, sou suspeito”, era o grito de guerra. “Somos negros e, em Campinas, somos todos suspeitos aos olhos da Polícia Militar”, diziam.

Além de discursos e distribuição de um panfleto esclarecendo os motivos da manifestação, o ato foi entremeado por declamações de poesias e músicas puxadas a pandeiro e palmas pelos manifestantes.

Antonio Alves Neto, do Coletivo de Negros e Negras da Unicamp e membro do Fórum de Luta Contra o Racismo, afirmou que além da denúncia da atitude da PM de Campinas, o objetivo do movimento é conscientizar a juventude negra sobre como enfrentar a situação. “Vamos organizar um seminário com a presença de advogados, de movimentos de defesa dos direitos humanos, para agir judicialmente contra o racismo institucional manifestado nesta ordem da PM”, informou.

O advogado Paulo Tavares Mariante, membro do Conselho Municipal de Diretos Humanos, observou que a OS assinada pelo capitão da PM é reveladora do racismo institucional que marca a política de segurança pública no Brasil. “É uma herança autoritária que ainda não superamos”, disse.

Paulo Mariante informou que o Conselho Municipal de Direitos Humanos entrou com uma representação junto ao Conselho Estadual e à Secretaria de Segurança Pública para discutir políticas de combate às praticas racistas na PM. “O Comando da PM tem que enfrentar essa questão e apresentar uma proposta”, discursou.

De acordo com Mariante, é importante cobrar uma posição do comando da PM para este caso, mas o assunto deve ser enfrentado em sua estrutura. “Não se trata de um caso isolado. Essa ordem de serviço explicita o que ocorre em todo o país. Temos de reforçar a luta dos movimentos sociais junto com a militância do movimento negro e lutar por ações de Estado que efetivamente combatam a pratica de racismo institucional”, observou.

Mariante destacou ainda que a Lei 10.639, de 2003, que inclui no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática História e Cultura Afro-brasileira, seria um instrumento importante para quebrar paradigmas de desvalorização do negro, e que este tema deve ser inserido nos cursos que são dados aos agentes de segurança pública. Infelizmente, passados dez anos de promulgação, essa lei ainda “não pegou”, explica o advogado.

O vereador Paulo Búfalo (PSOL) afirmou que a atitude do comandante da PM está na raiz das ações violentas da corporação. “São posturas como essa que dão sentido aos ‘autos de resistência’, que têm sido usados para justificar o extermínio da juventude negra”, alertou.

Búfalo destacou que na Câmara Municipal foi aprovada uma moção de repúdio e enviado ofício ao governo do estado cobrando providências. Entretanto, para o vereador do PSOL, a luta deve ser feita nas ruas. “Infelizmente não temos presença de parlamentares aqui. Não bastam ações simbólicas, temos de estar nas ruas, presente nas lutas junto com os movimentos”, discursou.

Também presente na manifestação, o vereador Pedro Tourinho (PT) afirmou que a realização do ato foi importante para deixar claro que amplos setores da sociedade não aceitam e repudiam as ações de cunho racista da PM.

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