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Evangélicos retomam debate da ‘cura gay’

No dia em que Robson Staines, nome artístico, decidiu deixar de ser gay, estava deitado na cama ao lado do marido. “Peguei apenas minhas roupas e as coisas que podia levar. Nada que tivesse vínculo com ele.” Após oito anos se relacionando com homens, metade do tempo casado, começou a frequentar a Igreja escondido do marido. Percebeu-se, em suas palavras, anormal, pecador, e trocou de orientação sexual na mesma rapidez com que mudou de cidade.

O estilista de 42 anos deixou o Rio, mudou-se para São Paulo, virou pastor da Assembleia de Deus Logos, em Guarulhos, casou com mulher e teve quatro filhos. “Quando você sai da prática homossexual, seu lado de fora ainda tem trejeitos homossexuais. Só que o seu lado interno não necessita mais dessa prática”, diz. Mas ele não se importa com isso. Robson é um dos ex-gays mais famosos do Brasil.

Nas próximas semanas, estará acompanhado de mais oito evangélicos, em uma audiência pública na Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, em Brasília. O encontro terá depoimentos de pessoas que deixaram de ser gays e, por isso, afirmam sofrer preconceito. Nenhum deles, porém, disse ter sido agredido ou perdido emprego por ser ex-homossexual.

A audiência também tem a intenção, não declarada, de preparar o caminho para criminalizar o preconceito contra ex-gays. Aprovado em abril, o requerimento para realizar a sessão é de autoria do deputado Marco Feliciano (PSC-SP). Ele caracteriza mais uma ofensiva da bancada evangélica para retomar o debate sobre o que ficou conhecido como “cura gay”.

Idealizada pela psicóloga Marisa Lobo, que se identifica como cristã e ficou conhecida por defender a existência de ex-gays, a audiência nasceu para chamar a atenção para um relatório feito por ela com cem casos de ex-gays. Marisa, que luta na Justiça contra a cassação de seu registro profissional, tem a intenção de enviar o documento à Organização das Nações Unidas (ONU).

“Queremos a audiência para dar visibilidade à causa. Queremos que a ONU reconheça o ex-gay. Não queremos mais nem que o Brasil reconheça.” Com retórica adaptada, mas semelhante ao discurso sobre o debate da “cura gay”, os ex-homossexuais evangélicos agora apostam nos termos “tratamento”, “conversão” ou “libertação” para atrair mais simpatizantes.

Reação

O Conselho Regional de Psicologia de São Paulo (CRP-SP) condenou os planos de Feliciano. O psicólogo e presidente da Comissão de Ética do CRP-SP, Luis Fernando Saraiva, disse que a questão da cura gay ressurge com mais discrição do que o debate de dois anos atrás. O “pulo do gato” do deputado, explica o conselheiro, é mudar o foco para os ex-gays. Segundo Saraiva, é alarmante, especialmente para os psicólogos, se for concretizada uma lei que puna a discriminação aos ex-homossexuais.

“Ao criminalizar o preconceito contra os ex-gays, um psicólogo que se recuse a oferecer terapias de reversão poderá ser enquadrado por essa lei, como se ele estivesse sendo preconceituoso”, afirma. Desde 1999, o Código de Ética do Conselho Federal de Psicologia (CFP) proíbe que o profissional trate a homossexualidade como doença ou desordem psíquica. Procurado, o CFP não quis se pronunciar sobre a audiência pública.

Para o jurista Luiz Flávio Gomes, na democracia, há “o direito de falar”. “Compete à sociedade e às entidades de classe refutar e rechaçar esses absurdos para que a população entenda que uma coisa é a religião, outra coisa é o Estado e a vida civil. Ao que tudo indica, vão reiniciar o debate da cura gay. É absurdo pensar nisso no século 21.”

Característica

Estudos de 2013 passaram a tratar a homossexualidade como uma “característica”, assim como a heterossexualidade e a bissexualidade. “Não é mais algo que se deva tratar ou reverter. Na tentativa de inverter preferência sexual, o que se conseguia eram quadros depressivos, mal-estar e suicídio”, afirma a psiquiatra Carmita Abdo, da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP).

O Código Internacional de Doenças diz que “homossexuais, heterossexuais ou qualquer outra orientação” podem ser divididos entre quem sofre ou não por sua “orientação”. A Associação Americana de Psicologia recomendou o fim da associação entre “orientação sexual e distúrbios comportamentais”.

3 perguntas para: Marco Feliciano, deputado federal (PSC-SP)

1. Por que ouvir ex-gays?

Estou apresentando para a Casa uma minoria que ninguém nunca reconheceu. São minoria da minoria. Assim como o movimento gay influenciou a sociedade toda e de repente 1 milhão de pessoas parece que se encontraram gays, os militantes LGBT têm medo de que, quando as pessoas ouvirem os depoimentos dos ex-homossexuais, comecem a entender que ser gay não é cláusula pétrea, que pode mudar.

2. É uma tentativa de reinserir o debate da cura gay?

Não, não tem nada a ver. A homossexualidade não é doença e nunca foi. Nunca houve e jamais haverá cura. É um transtorno que pode ser tratado e que um profissional da área pode ajudar a aliviar.

3. Como fica para um ex-gay a questão do desejo sexual?

Todo instinto sexual pode ser controlado. Se a gente partir do ponto de vista de que o ser humano tem de fazer tudo o que quer, vamos ter de aplaudir pedófilos, zoófilos e necrófilos porque todos têm um desejo sexual por uma coisa que, aos olhos naturais da população, não é normal.

Acréscimo do CRP, endossado pelo SinPsi

O CRP/SP continua na luta contra a cura gay e a patologização de homossexualidades e identidades trans, pautas permanentes tanto para o Conselho quanto para o sindicato. Dedendemos uma Psicologia comprometida com a promoção de direitos da população LGBT e a serviço do enfrentamento de preconceitos.

O CRP/SP foi protagonista no arquivamento do PDC 234/2011, que pretendia sustar parte da Resolução CFP 01/99, permitindo que psicólogas (os) realizassem terapias de reversão de homossexualidades. 

Pois não há cura para quem não está doente!

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