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Fake news, Marielle e eleições: O que a Justiça e você podem fazer

“Ao receber uma notícia, tem que pensar no que pode estar por trás, se alguém pode estar tirando vantagem. Não estamos preparados. É um grande desafio.”

Mãe aos 16 anos. Casada com Marcinho VP. Financiada pelo Comando Vermelho. Essas são algumas das mentiras que se espalharam pela internet depois da morte da vereadora Marielle Franco (PSol). O caso expõe a rapidez como as fake news são disseminadas, os obstáculos para combatê-las e, por outro lado, mostra que é possível interromper a sua propagação.

Tanto o PSol quanto a família de Marielle estão coletando denúncias de publicações com informações que denigrem a imagem de Marielle e do partido. A sigla acionou o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) contra a desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro Marília Neves que compartilhou informação falsa e vai denunciar o deputado Alberto Fraga (DEM-DF) que também reproduziu fake news.

Dois especialistas ouvidos pelo HuffPost Brasil explicam ponto a ponto como esse cenário pode ser analisado e até mesmo revertido. O advogado Gustavo Carvalho, especialista em direito administrativo e constitucional, sócio do escritório Carvalho & Kanffer, diz que o caso ilustra bem o que pode ocorrer nas eleições, mas ressalta que é possível parar a máquina que semeia as fake news.

Já o advogado especialista em direito digital Leandro Bissoli pondera que não é tão fácil quanto parece lutar contra essa enxurrada de informações sem fontes sólidas que existem hoje.
A responsabilidade de quem compartilha

Gustavo Carvalho afirma que quem compartilha também é responsável pelo conteúdo. Ele explica que o deputado conta com legitimidade e representatividade enquanto a desembargadora tem a envergadura do cargo, tem credibilidade, são duas pessoas que agregam ao conteúdo e por mais que seja mentira, a informação vai se tornando verdade pelas credenciais dessas pessoas.

“Se eu compartilho um absurdo, o potencial lesivo é menor que o de um deputado ou uma desembargadora. Eles entram no grupo de digital influencers, com capacidade de atingir um público muito maior”, diz.

Para ele, as pessoas, principalmente as com maior potencial de atingir o público, têm que assumir a responsabilidade pelo que fazem. Carvalho argumenta que é possível rastrear o link que foi originalmente compartilhado.

“Dificilmente uma pessoa processa as 200 mil que compartilharam, ela foca na que tem mais influência, que é capaz de gerar o maior dano. Por mais que essa pessoa diga que copiou de alguém, como a desembargadora afirmou que reproduziu informação de uma amiga, o fato de ter compartilhado de alguém não a exime do dano. A pessoa afetada vai decidir contra quem ela entra com a ação.”

Leandro Bissoli, contudo, observa que o caso mostra que não tem classe social ou até conhecimento capaz de evitar uma pessoa de cair na ansiedade de disseminar conteúdo sem fazer análise da veracidade da fonte.

    “Falta orientação à pessoa comum que não acredita que um compartilhamento pode prejudicar alguém. Esquecem que liberdade de expressão tem que ser exercida com responsabilidade”

Aquele que compartilha e o produtor da informação falsa podem responder por crime contra a honra, com possibilidade de ações nas esferas criminal e civil, o que pode levar uma pessoa a ser presa e a ter que pagar indenização.

Como reparar o estrago

“A gente ainda não sabe o tamanho dos estragos que foram feitos. Abalou a imagem da vereadora e do PSol, sem dúvidas”, diz Carvalho. Nesse caso, ele explica, os herdeiros de Marielle são os responsáveis por cuidar da memória dela e o partido é o outro agente que pode tomar alguma providência. “Cabe reparação patrimonial, com danos morais e eventualmente danos materiais”, diz.

O resultado, entretanto, vai depender do que a Justiça decidir. O dano não foi maior, na avaliação do especialista, porque a informação foi rapidamente desmentida pela imprensa, com grande visibilidade. “Foi a própria sociedade que se autorregulou, sem a necessidade do poder Judiciário. Ainda que não tivesse essa reação da imprensa, há ferramentas para corrigir isso”, afirma o advogado.
Como combater

O principal instrumento contra as fakes news está no Marco Civil da Internet, ao estabelecer que um juiz pode conceder uma liminar se ele verificar a falsidade da notícia. O conteúdo deve ser retirado imediatamente do ar pelos provedores. A legislação eleitoral atua em consonância e exige que o interessado em remover um link apresente a URL específica.

Leandro Bissoli destaca que também é possível combater de maneira administrativa, ao notificar o provedor da aplicação. Como no Facebook, ao reportar um conteúdo como inapropriado. “Esses são os principais canais para ajudar no combate de fake news”, diz. Registrar um boletim de ocorrência, segundo ele, é importante, mas o link só será retirado do ar com uma ordem judicial. “É mais fácil ir a um juizado especial, com o endereço da página em mãos.”

A grande mídia, na avaliação dele, é a principal aliada. No caso de Marielle, veículos que checam as notícias, como o Aos Fatos, tiveram papel fundamental em ajudar a desmentir.

“Será preciso ainda muita educação e não apenas formal, mas também no sentido de interpretação da tecnologia e do acesso à informação. Muitas vezes tem gente que tem interesse em espalhar notícia falsa. Ao receber uma notícia, tem que pensar no que pode estar por trás, se alguém pode estar tirando vantagem ou ter algum benefício com aquilo. Não estamos preparados. É um grande desafio”, afirma Bissoli.
Está permitido falar qualquer coisa na internet?

“A pessoa pode falar o que ela quiser, mas na medida em que isso afeta saúde, eleições, bens maiores, ela tem que ser restringida, tem que ser regulada”, defende Carvalho. Ele explica que a Constituição prevê a liberdade de expressão, mas também ressalta que, quando há abuso nesse direito, pode haver um choque com um princípio maior, o democrático. “Toda vez que uma pessoa escrever algo que possa afetar esse princípio, todos os outros ficam pequenos”, destaca.

A Constituição, segundo o advogado, salienta que os princípios são ponderáveis. “Mais importante que a liberdade de opinião é garantir a saúde”, exemplifica. “Nas eleições, vale o mesmo. Você tem direito de dizer que uma vereadora foi financiada pelo Comando Vermelho? Não é bem assim, você está afetando o partido dela. Quanto isso vai custar em votos? E afetar a imagem?”, analisa.
Eleições 2018

Com a proximidade da disputa presidencial deste ano, a expectativa é que a quantidade de fake news seja ainda maior e se dissemine com mais agilidade. Para Bissoli, o período vai ser uma espécie de briga entre gato e rato buscando derrubar conteúdo na internet.

Ele acrescenta que há grupos que agem com intenção de proliferar conteúdo falso e que eles se protegem com tecnologia para dificultar a rastreabilidade. Bissoli afirma que muitos estrategistas usam ferramentas, como robôs, que têm maior capacidade de propagar links.

    “Vai ter muito robô se passando por usuário, com um processo todo automatizado. Se uma pessoa não tomar cuidado, vai ser induzida ao erro.”

Carvalho, contudo, lembra que esse cenário já existia em 2014, mas que ficou mais forte após a eleição de Donald Trump, nos Estados Unidos. Para ele, foi com Trump que o mundo viu o impacto das notícias falsas nas eleições.

    “Se as fakes news conseguirem manipular a vontade do povo, você acaba com o princípio da democracia, com o Estado de Direito. O princípio da democracia é muito maior que o da liberdade de expressão.”

A particularidade do Whatsapp

Gustavo Carvalho argumenta que não adianta uma pessoa querer tirar o WhatsApp do ar porque o aplicativo é um meio de comunicação, mais próximo do que são os Correios e uma empresa de telefonia.

“Derrubar o serviço não resolve o problema, ele não está ali para prover conteúdo. Os provedores de conteúdo são os responsáveis por suspender”, diz.

Bissoli, por outro lado, destaca que há informações compartilhadas na rede que não têm URL para derrubar, que se espalham em uma velocidade altíssima. É o caso de áudios e imagens com informações falsas. Neste caso, ainda não há muito o que fazer do ponto de vista jurídico.

O Estado e o dirieto não foram feitos para a imparcialidade, foram feitos para o domínio.

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